NOTA DO CRÍTICO
Três anos depois do anúncio de 5:30, seu álbum de estreia, o hip-hoper originário de Big Lake, cidade do estado de Minnesota, Pardyalone, divulga seu novo material. Chegando pouco menos de um mês após o lançamento de I’m The Dumb One, seu sexto EP, o batizado Kevin Pardy enfim lança I Left You In Minnesota, seu segundo e novo disco de estúdio.
A paisagem é densamente cinza. Banhada por uma garoa tão fina quanto um véu de noiva, a nuvem corpulenta que preenche todo o céu traz melancolia, tristeza e um toque generoso de dramaticidade. Em sintonia quase visceral com esse cenário cabisbaixo e choroso, Pardyalone preenche o escopo melódico com seu timbre metalicamente azedo sob vestes de um tom embargado por um choro, às muitas custas, bloqueado. O deslizar entre notas graves e agudas do piano trazido pela produção amplificam esse caráter sofrido de To My Father, uma canção de melodia hip hop e ritmo lírico rappeado embebido em um clima intensamente soturno. Como uma canção desesperada por ajuda, To My Father traz com honestidade e exatidão o momento em que o personagem se disseca e se ajoelha perante a necessidade de auxílio para alcançar o reequilíbrio da vida. Se apoiando na fé e admitindo uma profunda ausência de amor-próprio, o indivíduo retratado em To My Father é a representação de uma pessoa desolada, desiludida e que deseja sinceramente por ajuda para reaprender a se admirar e se amar. Repleta de versos marcantes como “I really need your help” e “I'm 'bout to kill myself falling to the ground, in my tears, I drown”, ou ainda com o pós-refrão banhado pela harmonia do coro desenhado pelo canto vocálico e angelical de Jono Dorr, em que o vocalista transborda seu intenso estado de depressão com os versos “I feel the sky crashing down over me” e “why should I live when it hurts just to be me?”, To My Father é o desespero de um personagem devidamente humanizado em sua dor e angústia perante si mesmo.
A janela aberta deixa entrar uma brisa gélida, mas ao mesmo tempo branda em seu frescor nostálgico. Graças ao violão de Adam Ben David, a saudade é um sentimento que abraça o corpo e aquece o coração, mas de uma maneira curiosamente triste. Tal como foi em To My Father, no novo cenário Pardyalone se apoia sob uma interpretação emotiva intensa que, soando como um narrador onipresente a partir de seu timbre mais agridoce, chega a beirar o desespero perante a dor do outro. Entre sobreposições vocais, Not A Home tem um ritmo organicamente montado pelo beat singelo fornecido pela bateria de Addison Rineer enquanto é preenchida por um enredo sobre superação de um relacionamento encerrado. Mais do que o enfrentamento do luto, Not A Home trata do arrependimento, da relação com a solidão e da forma como buscamos esquecer as dores do coração de maneira tocante.
É como um alvorecer ensolarado. De aromas florais e horizonte colorido graças à inserção do sonar ondulante e melódico da guitarra, a canção é um produto de harmonia crescente, cuja evolução é perceptível em grandes saltos entre verso, pré-refrão e refrão. Amadurecendo como um produto generosamente cativante, My Bad (Sucks 2 Be You) consegue atingir seu ápice com um ritmo minimalista, mas simultaneamente com uma harmonia profundamente contagiante. Na forma de um embrionário pop punk, My Bad (Sucks 2 Be You) é uma canção adolescente de tom irônico sobre desilusão amorosa e a forma como superamos a rejeição. Definitivamente um forte single radiofônico de I Left You In Minnesota que em nada lembra a tristeza entorpecidamente lancinante de To My Father.
Se My Bad (Sucks 2 Be You) era embebida em pop punk, a guitarra de riff agudo, nascente e preguiçoso de Paul Siefert muito rememora aquelas primeiras notas executadas por Tom DeLonge na introdução de What’s My Age Again?, single do Blink-182. Melódica e aveludada em seu minimalismo estrutural inicial, She Likes My Tattoos cresce como um verdadeiro expoente pop punk a partir do groove da bateria inserido sinteticamente em sua conjuntura rítmica. Contagiante, mas não tanto quanto a canção anterior, She Likes My Tattoos é, assim como Not A Home, mais um produto que apresenta um personagem lidando com o sentimento de solidão. Aqui, porém, a atmosfera não é densamente melancólica, e mostra o indivíduo ainda balançado pelo medo de decepcionar ou assustar a pessoa amada. Para esconder a dor, a escolha foi o álcool, mas é ele, em sua essência, que liberta todos os comportamentos conscientemente barrados e faz de seu hospedeiro, um insano exemplo de descontrole e intensidade.
Existem dois sonares complementares. Ambos reconfortantes, mas tendo um deles lembrando a melodia criada pelas guitarras de Joe Perry e Brad Whitford no amanhecer de Dream On, single do Aerosmith, o que confere certo tom de melancolia. Mantendo a linearidade melódica, ao passo que o movimento do vocal metálico e folgado de Pardyalone é quem delimita a cadência rítmica, I’m The Dumb One é, assim como My Bad (Sucks 2 Be You), mais uma canção de I Left You In Minnesota em que Pardyalone tenta lidar com a rejeição. Escondendo o sofrimento a partir de comportamentos intensos, o incitar de irresponsabilidade, imprudência e deboche servem apenas para esconder o sofrimento de um indivíduo entregue à solidão.
A melodia desenhada pelo violão de Nick Long é macia, mas embebida em um frescor melancólico que faz o ouvinte voltar ao estado introspectivo de faixas como To My Father e Not A Home, e se distanciar da alegria descompromissada e adolescente de títulos como My Bad (Sucks 2 Be You) e I’m The Dumb One. Enquanto isso, a cadência vocal de Pardyalone, em seu estado levemente acelerado, causa uma boa quebra rítmica em relação à lentidão do ressoar das cordas violonistas, ao passo que os repentinos chimbais triplos fazem a melodia flertar com o trap. Assim, Alone amadurece um produto dramático ritmado por uma bateria que, dominada por Travis Barker, é espaçada de maneira a amplificar o sentimentalismo visceral entorpecido por um teclado de notas adocicadamente ácidas de Kevin Bivona. Essa conjuntura de elementos faz de Alone um produto tocante em sua angústia transpassada por um enredo que trata, mais uma vez, da desilusão em relação ao amor e da forma como lidamos com a rejeição. Uma faixa que mostra um personagem recorrendo às memórias de um alguém agora inexistente para entorpecer a dor da saudade desse mesmo indivíduo que um dia sentiu um amor recíproco.
Entre falsetes embebidos em uma rouquidão com raspas graves, Pardyalone transforma a melodia do violão inicial em algo que soa como um ritmo embrionariamente alegre. Conforme o beat vai ganhando espaço e mostrando sua cadência amaciada, mais contagiante a canção se torna. Como um produto de estética minimalista, Why9X é uma faixa que trata da do desejo versus a essência. É quase como uma adaptação modernizada de Sk8er Boi, single da Avril Lavigne, pois aqui, tanto quanto na obra do minnesotano, traz um garoto rebelde que encanta uma garota socialmente correta. No entanto, Why9X é embebida em tristeza pelo protagonista não conseguir se enquadrar nos padrões da pessoa amada para conseguir seguir com o relacionamento.
É interessante como com tão pouco o ambiente consegue ser surpreendentemente contagiante. Com um timbre mais robusto e de toques nasais de maneira a lembrar aquele de Tom DeLonge, Pardyaolne fazer de sua voz um dos principais elementos melódicos, mas fica à cargo do frescor das notas pontuais do piano e da maciez do violão o brilho harmônico. Curioso notar que, a partir dessa conjuntura de elementos, o ouvinte rememore a melodia de You’re Love Is A Lie, single do Simple Plan, mesmo que o refrão da presente canção seja embebido em um caráter mais pop. Can’t Stop The Rain surge como outra válvula de escape do sofrimento, mas aqui não é do coração, e sim da vida. Trazendo um personagem intenso, vívido e até mesmo de senso imprudente, a canção apresenta um indivíduo a todo custo fugindo da depressão como legado de um passado sofrido. Pode até haver questões subliminares sobre o amor, mas o que salta aos ouvidos, é a iminente superação do ontem em meio a um destino inquietantemente intenso e vivaz.
É como enxergar a chuva ao longe no horizonte caminhando a passos largos em nossa direção. Mesmo respaldada por um céu de beleza crepuscular, ela traz consigo toques curiosamente reconfortantes de melancolia, um sentimento que se mistura com um embrionário senso de lamentação presente na forma como Pardyalone pronuncia as palavras. Tendo em sua voz e em sua cadência vocal os elementos que delimitam a melodia e o ritmo em seus primeiros instantes, A Place For Us evolui para um leve trap que novamente expõe as dificuldades do eu-lírico em perceber seu valor para poder se amar verdadeiramente e assim conseguir deixar que a vida faça fluir as coisas boas. Mais do que qualquer outra canção de I Left You In Minnesota, A Place For Us evidencia, inclusive, o desafio do protagonista em respeitar e expor suas emoções como forma de compreender suas inconstâncias.
O sonar do violão surge com um tom levemente grave e um frescor amaciadamente contagiante. Sob uma atmosfera intimista e uma estética melódica minimalista, Pardyalone, assim como em Can’t Stop The Rain, retoma seu vocal limpo, mas empostado e nasal que se divide entre rompantes de altas extensões e falsetes. Como uma música que traz angústia e desespero, Read Your Mind é uma obra que, por meio de um contexto romanticamente soturno, expõe a dependência amorosa como alicerce da manutenção do estado de normalidade. A faixa, portanto, mostra que, em meio à solidão, o indivíduo consegue sobreviver na falsa sensação de equilíbrio emocional.
Enquanto a inserção do som da guitarra se apresenta em um movimento amaciadamente swingado oferecendo o frescor do soft rock, a cadência lírica fornecida pelo cantor mistura o rap à receita melódica. Com auxílio do embrionário tilintar do estalar dos dedos como elemento a produzir sua estética rítmica, These Days é uma canção em que o personagem procura deixar sinais de culpa no outro por tê-lo deixado. Contudo, a separação, que é trazida mais uma vez como mote do enredo, expõe a ausência de pertencimento, de reconhecimento e de autoconhecimento. Perdido perante sua própria essência confusa, o indivíduo retratado em These Days é quase como um fechamento do ciclo iniciado em To My Father, pois aqui ele busca na bebida algo que o ajude a se encontrar e desligue o maquinário pensante que é sua mente, enlouquecida em ideias antagônicas a respeito de um homem perdido em si mesmo.
É interessante como algo melódico pode ser introspectivo, melancólico e tocante ao mesmo tempo. Com I Left You In Minnesota, Pardyalone entregou 11 capítulos autobiográficos em que, de maneira cristalina, disseca sua essência e sua alma respaldado pelo outro, que assume sua personagem nos enredos líricos.
Evidenciando um indivíduo inseguro, desesperado por ser incondicionalmente amado não pelo outro, mas por si mesmo, o álbum é dividido entre torpores alegres e ambientes intensamente soturnos. Nesses cenários são onde a solidão, a desilusão e a perda da fé no amor reforçam a fragilidade emocional do personagem.
E como o amor se mostra importante para a figura de Pardyalone. Ele pode ser tanto a salvação de todos os seus conflitos internos como a própria causa deles, o que mostra a necessidade de ajuda vivenciada pelo personagem da obra. Não à toa que, de maneira explícita e visceral, o pedido de socorro foi feito logo em To My Father, a canção de abertura de I Left You In Minnesota.
O curioso é que, mesmo com uma densidade melancólica possível até mesmo de ser tocada, o álbum possui momentos de notáveis contágios e alegrias. Isso foi possível graças à sincronia entre a equipe técnica e o próprio Pardyalone. Afinal, enquanto os produtores Nick “Unknown Nick” Audino, Lewis Hughes, Aatu Iljin, SickDrumz, Joe Reeves, Gingerbread, Andrew Goldstein, Spashgvng, Daniel Hartzog, King Theta, Long, Barker e Dorr entenderam o desespero, o desolamento e a angústia transmitidos por ele nas canções, os engenheiros de mixagem fixaram tais sentimentos na finalização sonora.
Com auxílio de nomes como Zach “Ekzakt” Perry e Adam Hawkins, I Left You In Minnesota fundiu rap, trap, pop, pop punk e soft rock de maneira a extravasar o soturno, a agonia, a desesperança, mas também o brilho, a intensidade e a vivacidade de uma alma inconstante. Tudo de maneira equilibrada e bem equalizada, mesmo que em diversos momentos os sonares tenham sido puramente sintéticos. Tal conjuntura estético-técnica evidenciam, inclusive, a influência que Pardyalone tem do Machine Gun Kelly.
Lançado em 26 de julho de 2023 via BMG e Young Forever Inc., I Left You In Minnesota é um material densamente soturno, mas capaz de ser proposital e contraditoriamente contagiante. É assim que o álbum mostra a inconstância emocional em meio à dissecação de uma alma desesperada por amor, por se compreender e pela capacidade de se amar