Tosco - Agora É A Sua Vez

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Chegando pouco menos de um ano após O Brasil É O Crime, seu primeiro EP, o quarteto santista Tosco enfim dá continuidade à sua discografia com Agora É A Sua Vez, seu terceiro álbum de estúdio e sucessor de Sem Concessões. Material é, inclusive, o primeiro a contar com Carlos Diaz no baixo.


Os sonares computadorizados de violinos, beats, trombone e trompetes se unem em uma melodia ambiente, mas com curiosas notas que ofertavam um embrionário estado sombrio ao ouvinte. Um abre-alas diferente, com uma ambiência confraternizante, é o que se pode dizer de Intro.


Por ter os ouvidos amaciados pelo interlúdio clássico, o ouvinte já se mantém em posição de alerta quando percebe a chegada de um groove acelerado e solitário da bateria de Paulo Mariz. Sem demora, a introdução se transforma em algo enérgico, flamejante e de toques tenebrosos quando a guitarra de Ricardo Lima entrega acidez, grave e uma leve estridência em seus movimentos curiosamente moles, acompanhados de uma bateria agora desesperada e suja. É então que, encarnando esse mesmo senso desesperado, Osvaldo Fernandez entra no cenário com sua voz de timbre rasgado e tom mediano, fazendo da atmosfera algo que, agora, exala um azedume enquanto flerta, simultaneamente, com o nu metal e o avant-garde metal ao estilo System Of A Down. Interessante ainda é notar que, perante um enredo de intensa crítica ao comportamento político regido pela corrupção e ocultação de bens, desvalorizando e ignorando os setores que precisam de apoio financeiro, como os exemplos citados da educação e o hospitalar, Mais Uma Vez é uma faixa que abraça em sua receita melódica a estridência stoner muito bem colocada pelo baixo de Carlos Diaz e por um azedume atordoante.


Sujo, grave e áspero. O cenário é do submundo, com um chão coberto por uma lava pulsante e um céu sinteticamente claro pelas rajadas de relâmpago que, inclusive, dão uma sonoridade caótica ao ambiente. De sonoridade opaca em sua agressividade trotante, Issaqui Não Tem Jeito tem um tom melódico mais embebido em uma espécie de soturno entorpecido em sua própria contestação imponente, cujo enredo é dado por um Fernandez de voz mais limpa, mas com traços rasgados em um embrionário dulçor. Caótica e tendo no baixo o elemento que emprega densidade à atmosfera sombria, Issaqui Não Tem Jeito é um recorte da última eleição presidencial brasileira. Um recorte que evidencia a cegueira política alimentada por intensos sensos de carência e orfandade de representatividade no cenário governamental sentidos pela sociedade. Ao mesmo tempo, Issaqui Não Tem Jeito surge como uma súplica de cunho construtivista para que o ouvinte faça da sua vida um oásis de estudo, conhecimento e maturidade para conseguir ter o desconfiômetro de não cair em belas mentiras feitos por egoístas, egocêntricos e sociopatas que apenas pensam em seu próprio crescimento econômico.


É como uma chuva ácida banhando o solo rochoso. Trovões de fogo sonorizam o céu e os relâmpagos lancinantes iluminam um caos que, aqui, curiosamente, possui uma embrionária veia melancólica e desolada. Entre intensos empregos de bumbos duplos e um ritmo que caminha entre o hardcore e o metal, O Brasil E O Crime é uma canção que, entre rimas simples, critica a imprudência policial e, assim como Mais Uma Vez, discute a corrupção, mas aqui sob uma visão densamente pessimista.


A guitarra vem áspera com indícios melódicos enquanto a bateria, com sua levada macia, traz sujeira e um compasso trotante. Se tornando mais ríspida e violenta, a melodia passa a flertar com a estética do death metal enquanto a guitarra extra de Dave Austin, entre súbitos solos de um caráter pasmo e hipnótico, faz de Hell-Vétia uma canção sonoramente intensa. No quesito lírico, o Tosco surpreende por fugir do escopo político e ir para algo mais social e comunitário. Abordando o vício em crack, o quarteto discute a dependência como um artifício que consome a mente, tira as noções da razão e exclui a capacidade de sentir emoções de forma honesta. Como uma verdadeira representação da fragilidade sentimental social, Hell-Vétia ainda lança luz ao descaso e à limitação governamental em relação à forma de tratar não apenas o vício, mas também a falta de consciência e amor-próprio que consomem cegamente os dias e noites dos hospedeiros da alucinação.


Com uma melodia drástica, mas curiosamente chorosa como introdução, a canção fornece flertes sonoro-enérgicos com relação à estética construída em Calm The Fire, single do Alter Bridge. Tal como o som de um momento em que a insanidade e ausência de consciência transformam o indivíduo, a presente faixa é como o último estágio do lúcido pedido de socorro e a primeira etapa da loucura. O Monstro é, portanto, uma obra que repudia e escandaliza o ato de pedofilia. Um produto que chama a atenção para a supervisão das crianças e da atenção aos meios sociais aos quais elas estão inseridas. Afinal, como a própria música alerta, o indivíduo que pratica a pedofilia não tem estereótipo, mas está vivendo em meio ao espectro social comum.


Tal como uma sequência de tiros sangrentos, a introdução é criada a partir de uma rápida e sincrônica frase áspera entre guitarra e bateria que atinge seu ápice através de um grito rasgado e imponente. Inserindo na receita melódica de Agora É A Sua Vez um metalcore embrutecido que se mistura com o hardcore, Nada Tá Bom, com seu tom de deboche ríspido, discute o comportamento personalista, bem como a superproteção e a ausência de valorização aqui endereçadas à parcela social rica. Mais do que isso, Nada Tá Bom propõe o pensar sobre o excesso de condescendência e o senso consciente de ingratidão e esnobismo.


De início intrigante, sinistro e de pressão crescente, A Verdade amplia sua acidez quando o riff da guitarra passa para um primeiro plano denso, sujo e de masoquismo contagiante. Depois do golpe ecoante da bateria, a introdução entra para uma segunda etapa em que o ouvinte se encontra perdido no estado de torpor trotante com que o hardcore se pronuncia. Memo com uma interpretação lírica embebida pelo absurdo, A Verdade é uma faixa que consegue deixar nítida as linhas estridentes do baixo caminhando pelo corpo melódico. De refrão estruturado em uma pressão cativante e timidamente minimalista em forma de frases de ordem, A Verdade é uma faixa em que desconstrói as armadilhas de falsidade nas quais algumas pessoas se apoiam. Não à toa que a canção expõe a limitada postura de embate e contestação desses indivíduos empobrecidos por uma baixa autoestima escondida por vestes de superioridade. É até curioso como, nesse momento, existe até um senso de infantilidade na tentativa de manter a mentira viva que chega até mesmo a flertar com o enredo sobre superproteção proposto em Nada Tá Bom.


A bateria faz o amanhecer sozinha. Entre incessantes usos de pedais duplos e um compasso que soa como uma preguiçosa sequência de tiros de metralhadora, o instrumento deixa passar uma guitarra igualmente macia, mas áspera e sombria em sua agressão crescente. De interpretação berrante e rasgada em sua agudez ríspida, Casa De Nóia tem seu ápice curiosamente após o refrão, momento em que seu ritmo enfim se matura como um hardcore bem compassado e preciso. Casa De Nóia surge como sendo um prelúdio de Hell-Vétia, pois apresenta um cenário em que o vício atingiu estado crítico, fazendo com que se faça de tudo para conseguir dinheiro e revertê-lo em refúgios psicodélicos. Além disso, esse estado de vício apresentado pelo Tosco escancara a falta de amor-próprio, autocuidado e higiene. Um deplorável estado de decomposição da alma que agora consome o corpo.


Curiosamente melódica em sua agudez rasgada, a guitarra dá o brilho sombrio da introdução regida por um compasso intenso de bumbos duplos trotantes. Tropa Z é um hardcore bruto e grave que traz um enredo de base histórica ao retratar a guerra entre Rússia e Ucrânia. Misturando conceitos de capitalismo e socialismo em meio a embrionárias intervenções dos Estados Unidos no embate, Tropa Z escancara as contradições, a tirania, a impunidade e a ganância de um soberano cego em seu senso indestrutível de poder.


Interessante notar que quando a melodia é minimalista ela consegue conquistar mais facilmente o contágio no ouvinte. Estruturada entre baixo e bateria de maneira a rememorar a introdução de My Hero, single do Foo Fighters, a canção começa a ter sua silhueta bem definida quando a guitarra, como um relâmpago lento e áspero rasgando a escuridão, entra despejando tons graves e metalizados. Intensa em sua aspereza propositadamente lenta e lancinante, Qualquer Ajuda é a primeira faixa de Agora É A Sua Vez a ter um viés positivista. Aqui, portanto, o Tosco surge como um influenciador a atrair mais pessoas em prol de causas sociais que atendem aos desabrigados. Estimulando doações, trabalhos voluntários e até mesmo a ter um ouvido mais empático e compassivo para com o outro, Qualquer Ajuda é um apelo por um olhar mais sensível para aqueles indivíduos urbanos vulneráveis.


Golpes secos, brutos e ásperos fazem o alvorecer surgir em meio a relâmpagos cadenciados que rompem a escuridão com clarões artificiais. Evoluindo para um hardcore recheado de pressão e misturado a uma essência thrash metal, a faixa que encerra o ciclo de Agora É A Sua Vez consiste em uma releitura. No entanto, Guerreiros Do Metal, um single de assinatura do Korzus, surge surpreendentemente com mais vida e pressão sobre as vestes do Tosco. Tal como fez Dee Snider no álbum For The Love Of Metal, ou o Steel Panther em singles como Death To All But Metal e 1987, Guerreiros Do Metal é uma ode ao subgênero do metal e suas características de rapidez e pressão que conta com um segundo solo de guitarra surpreendentemente swingado e orgasmático entre seus gritos melismantes fornecidos por Sílvio Golfetti.


Ele é denso, bruto, azedo, rápido, soturno e intenso. De ritmo majoritariamente trotante e amplamente crítico, Agora É A Sua Vez é como um convite para que o ouvinte também se rebele contra as mazelas sociais que assolam a comunidade brasileira atualmente. Com feições sisudas e punhos serrados, o álbum traz um Tosco pronto para um embate para por fim aos benefícios ilegais cedidos por baixo dos panos, mas de conhecimento geral.


Como um soco no estômago fundido a sensações de ojeriza, o álbum trata de questões tabus na sociedade sob um olhar pasmo, inquietante e embebido em absurdez. Sempre em tom de desespero e angústia, mas com evidente raiva em seus olhos, o quarteto santista se destitui de delicadeza para falar, principalmente, da corrupção que assola o Brasil como algo endêmico e epidêmico.


No âmbito global, o Tosco se deleita perante a tirania, a impunidade e a insensatez de Vladmir Putin, um indivíduo cego em sua sede desmedida de poder que é a base do enredo de Tropa Z. De todos, talvez esse seja o conteúdo de menor choque ao ouvinte atento.


Rechaçando intensamente a pedofilia e alertando os pais e responsáveis pela supervisão de suas crianças, Agora É A Sua Vez também coloca em discussão assuntos como violência policial, vício, a consciente alienação governamental para crises de saúde pública e um exagerado estado de condescendência observado em uma parcela da população.


Apesar de sua brutalidade escandalosa, o Tosco mostra ser um grupo de quatro indivíduos de caráter humano, sensitivo e preocupado com o outro, pois busca, inclusive, incentivar as pessoas a não ignorarem aqueles que vivem em condições de desalojamento. O frio, a fome e a sede matam e é isso o que, pelo menos em Qualquer Ajuda, ele tenta evitar.


Com propostas líricas e enérgicas muito bem captadas pela dupla de produtores Mariz e Ivan Pellicciotti, Agora É A Sua Vez não deixa dúvidas sobre sua intenção de rechaçar e ridicularizar certas mazelas sociais, como também de chamar a atenção para perigos à espreita e incentivar a empatia.


Na parte sonora, Pellicciotti também se dividiu na função de engenheiro de mixagem, atividade em que destacou a brutalidade e o azedume em meio aos subgêneros exercitados. Hardcore, nu metal, death metal, avant-garde metal, thrash metal, metalcore e metal foram as texturas que acompanharam o ouvinte ao longo das 11 composições autorais contidas no álbum. Todas com uma equalização suja e, em alguns momentos, opaca, mas sem prejudicar a degustação melódica.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Jean Michel, a arte traz um cenário noturno e trevoso em que as figuras de um grifo e um rato, posicionadas no centro de uma ossatura, assumem uma postura de recrutamento. De olhares carniceiros e agressivos, os animais surgem como incentivando o ouvinte a lutar por um mínimo de normalidade e bem feitoria social.


Lançado em 16 de julho de 2023 de maneira independente, Agora É A Sua Vez é um chamado contra diversas irregularidades sociais e governamentais. Entre azedumes rechaçantes e agressividades imponentes, o Tosco faz do álbum uma verdadeira exortação da empatia e dos cuidados para com o outro.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.