NOTA DO CRÍTICO
Aos cinco anos de vida, a australiana Pacific Avenue tinha apenas uma sequência de singles e um EP em sua lista discográfica. Porém, no meio do segundo trimestre de 2023, o quarteto originário de Gerringong decidiu enfim apresentar seu primeiro álbum de estúdio. Intitulado Flowers, o material nasce pouco menos de quatro anos depois de Strawberry Skies, seu EP de estreia.
A paisagem é de um entardecer praiano, com a brisa do mar trazendo uma singela sensação de calmaria e tranquilidade. Apesar de a guitarra base de Harry O’Brien surgir com uma acidez embrionária, a melodia que dela se cria é de uma nostalgia inquietante. Com adesão do sonar oco e tilintante da haste da caixa que, ao comando de Dominic Littrich, desenha o compasso rítmico introdutório, existe uma sincronia interessante que, surpreendentemente, flui para um ápice instrumental macio, contagiante, de generosas doses de frescor e pitadas ainda maiores de nostalgia que são percebidas, principalmente, pela entrada da guitarra solo de Benjamin Fryer dando mais peso ao cenário tomado por uma leveza reconfortante. Curioso notar que, assim que o primeiro verso se inicia, os protagonismos se invertem. Agora, de maneira inegavelmente audível, é o baixo de Jack Kay, com seu groove bojudo, que se torna o guia rítmico. Sob o comando da voz açucarada e de vestes roucas amenas de O’Brien, Spin Me Like Your Records é, com sua essência teen e sua levada pop rock, uma música romântica que dialoga sobre o tempo, o amadurecimento e as mudanças que o destino oferta. Porém, mesmo entre idas e vindas, a música tem como mote mostrar como a paixão torna o outro uma pessoa inesquecível e que, ao menos, vive na memória com gosto de saudade.
A partir de uma espécie de dueto entre voz e bandolim, um adocicado folk começa a se construir na introdução. Tão macia e sensitiva, a canção, com sua harmonia proporcionada pela sutil sobreposição vocal, surpreende pela simplicidade e é ainda mais sensorial que a anterior. Aqui é como se o ouvinte pudesse sentir a textura da grama recém-cortada acariciando os pés descalços e, ainda, sentir o aroma cintilante do interior. Curiosamente, Strawberry Daydream traz um enredo oposto daquele de Spin Me Like Your Records. Mantendo o viés romântico, a primeira dialoga sobre o encontro, o desejo de se inserir na vida do outro ante o distanciamento e a memória trazidas na segunda faixa. Strawberry Daydream é o puro romantismo misturado com cavalheirismo.
Retomando o sonar de guitarra distorcida, o novo amanhecer vem ensolarado e com um swing contagiante. Mesmo com pouca melodia, a presente canção consegue misturar referências à estética melódica de Freedom, single de George Michael, e uma essência hard rock folkeada ao estilo Dirty Honey. Com uma base presente e denotativamente groovada, Easy Love reforça o frescor e o lirismo de temática romântica como elementos característicos da sonoridade do Pacific Avenue. Afinal, a partir de sua maturação pop rock, ela traz, mais uma vez, o amor como protagonismo em um enredo que mostra a força da paixão a ponto de fazer o outro se esquecer de todos os problemas, mas também, no caso, da facilidade que é se apaixonar pela personagem onipresente da canção.
De minimalismo adocicado semelhante àquele presente em Strawberry Daydream, a introdução, com a presença do piano, soa branda e de harmonia simples a tal ponto que rememora, por alguns instantes, a melodia de Let It Be, single do The Beatles. Com um compasso em 4x4 e de elevação na harmonia a partir dos backing vocals de Fryer, Kay e Littrich, Wake Me Up segue o viés romântico, mas inclui um tom mais denso e reflexivo à leveza melódica. Discutindo o egoísmo e trazendo a segurança como alicerce do desejo, a canção evidencia a ganância de uma dependência benéfica, a dependência do coração.
Swingada, groovada e de protagonismo de elementos percussivos como o bongô, a introdução tem uma crescente gradativa tal como o Sol introduzindo sua luz nos terrenos dormentes. Funkeada, Give It Up For Yourself tem uma levada simples e linear, mas de intenso contágio em sua simplicidade. Evidenciando influências do Goo Goo Dolls, a faixa discute a relação com o tempo, o comodismo e a persistência. Ao mesmo tempo, a canção é ambientada em uma boate sensual em que ambos os personagens se conhecem. Com plena sensualidade e torpor, Give It Up For Yourself soa como uma canção de liberdade e do desejo de extravasar.
Com poucos sonares, a introdução logo rememora a melodia do amanhecer de Let Me Go, single do 3 Doors Down. Segundos mais tarde, essa impressão logo se torna uma lembrança remota ao passo que a sonoridade vai misturando o pop rock com folk a partir de uma cadência midtempo e uma estrutura contagiantemente harmônica. Com uma interpretação lírica que lembra aquela feita por Morrissey em There Is a Light That Never Goes Out, single do The Smiths, Leaving For London é outra canção que, assim como Wake Me Up, traz outra esfera energética ao romantismo açucarado de Flowers. Na presente canção, surpreendentemente o Pacific Avenue dialoga sobre o luto do término, da necessidade de mudança e de superação, do desejo pela independência. Como uma faixa que dialoga sobre a inconstância do amor, Leaving For London tem o verso “but what's the good in a flower if it doesn't grow” como definidor de seu enredo.
Um indie rock ao estilo The Kooks vai se formando através do compasso linear. De estrutura leve e com uma luminosidade solar poente, a canção é presenteada por um refrão-chiclete de protagonismo do chacoalhar tilintante do pandeiro no desenho do compasso rítmico. City Lights, até o momento, é a canção de Flowers com o enredo mais significativo. Dialogando sobre a fuga do sentimento depreciativo da depressão, o Pacific Avenue traz, aqui, uma aula motivacional para que o ouvinte não se deixe levar pela falsa zona de conforto que a tristeza pode proporcionar. “You’ll find your passion from your pain”, diz O’Brien em um verso definidor do que significa City Lights: simplesmente uma canção que tenta reascender a alma infantil repleta de pureza, curiosidade, ânsia pela vida e, principalmente, sem medo.
Pela melodia linear e ondulante feita pelo violão no novo amanhecer, o ouvinte consegue perceber uma notável semelhança com as linhas criadas por John Fogerty na introdução de Have You Ever See The Rain?, single do Creedence Clearwater Revival. A partir de tal métrica, até mesmo um parentesco com a base sonora de Macy’s Day Parade, single do Green Day, pode ser notada. Parentescos a parte, Get You Off é um folk estritamente linear que, superficialmente, parece ser mais uma canção de amor. Porém, por detrás do viés romântico, existe uma busca pelo autoconhecimento associado à fuga de uma monotonia nauseante. Ainda assim, a letra tem também um viés sensual do encontro dos corpos, da química e de um instante de prazer na fuga dos problemas. Get You Off é, enfim, um súbito distanciamento de um sofrer através da sintonia de dois corações.
Uma textura de veludo até então não ofertada em Flowers é percebida logo nos primeiros instantes da aparição da nova paisagem. Tal como o vento fazendo as flores valsarem sincronicamente, o frescor que também vem das notas do fender rhodes encanta pela sua acalentadora maciez. Sendo apenas ele e a voz ácida agridoce de O’Brien na majoritária parte da canção, Somoeone’s Asking surge como a primeira balada declarada do álbum por meio de uma estética minimalista, de base blues e de harmonia sutilmente crescente com a entrada do violão em sua segunda metade. Melódica e de cunho introspectivo, Someone’s Asking é uma faixa nostálgica que, de maneira mais branda em seu romance tristonho e não lancinante, assim como Leaving For London, dialoga sobre o luto, sobre o término de um relacionamento, sobre as memórias felizes de momentos não reexperienciados.
É como a continuação do frescor macio praiano e despreocupado de Spin Me Like Your Records. Contagiante e simples em sua estrutura, mas de uma harmonia melódica penetrante, a introdução é regida por uma mistura entre indie rock e pop rock em que o compasso do chacoalhar tilintante do pandeiro é o protagonista. Reintroduzindo a guitarra distorcida, Modern Lovers vem com rompantes enérgicos que temperam a maciez dos versos de ar. De refrão de grude generosamente superior àquele de City Lights, a presente faixa traz um enredo novamente romântico, mas regido por uma noção de liberdade energizante. Falando sobre felicidade e resiliência, a canção mostra como um psicológico forte pode ser inabalável.
De início semelhante àquele de Harder To Breathe, single do Maroon 5, e com linhas de guitarra semelhantes àquela feita por Joe Garvey em All American’s Nightmare, single do Hinder, Devotion segue com o emprego da distorção, aqui assumido por O’Brien, com apoio do efeito de wah-wahs na guitarra de Fryer. Com uma sensualidade afiada, Devotion consegue fazer o ouvinte relembrar da melodia de Everything’s Electric, single de Liam Gallagher e se embriagar no protagonismo do groove provocante do baixo que amplia a noção de swing. Com um timbre e interpretação vocal semelhante aos de Jay Buchanan, Seb Byford e de Nic Cester, O’Brien guia o ouvinte por um terreno que mistura hard rock com noções de britpop. Devotion, uma faixa que narra uma paixão súbita e ardente por uma mulher mais velha. Porém, saindo da esfera superficial, o lirismo pode ser apenas um acobertamento de sua real mensagem, o consumo de drogas que oferecem um rompante de adrenalina, como a cocaína. Ainda assim, Devotion é, sem dúvida alguma, a faixa mais forte, mais pesada e, ao mesmo tempo, mais comercial de Flowers.
Com um folk ao estilo Greta Van Fleet misturado com um curioso frescor beatleniano, a canção já tem seu início a partir do refrão, uma estratégia ousada que, de súbito, já captura o ouvinte com sua melodia contagiante e seu lirismo repetitivo. Lay Me Down, como de costume em todo o álbum, é uma música romântica, mas aqui com uma dose extra de frescor, carisma e simplicidade. Tal como a pureza da primeira paixão adolescente, a faixa captura o ouvinte por lhe fazer lembrar de seus primeiros amores e daquela sensação de ter o coração batendo acelerado quando a pessoa que se deseja passa por ele. De harmonia generosa a partir da acidez do sonar do hammond nos refrões, Lay Me Down, com sua força melódica, fecha, ao lado de Spin Me Like Your Records, Easy Love, Devotion e Modern Lovers, o quinteto de faixas promissoras de Flowers.
Fresco, contagiante, simples. Com um ar adolescente e puro sedutor, Flowers é um álbum de coração transparente para as sensações do amor. A paixão, o desejo, a conquista, a saudade, a dor, a falta. O luto. Com melodias cativantes, o álbum consegue mostrar o notável potencial comercial que o Pacific Avenue é capaz de oferecer.
Com influências notáveis de Oasis, The Strokes, The Beatles e até mesmo do Jonas Brothers, além do já citado Goo Goo Dolls, em seu som, o grupo apresentou, no álbum, uma mistura de adolescência com maturidade. Afinal, enquanto nele existe uma vasta gama de enredos de cunho romântico que chega até a parecer repetitiva, esse mesmo viés amoroso é também apenas uma base para outras faixas que tratam de depressão, insegurança, dependência amorosa e até mesmo a relação com as drogas.
Nesse processo, o Pacific Avenue se aliou a Chris Collins, responsável tanto pela produção quanto pela mixagem, para tornar Flowers um álbum atrativo, mas não apelativamente radiofônico. Misturando uma gama de gêneros musicais e subgêneros do rock, como indie rock, folk, pop rock, britpop, hard rock e funk, Collins entregou um material de som cristalino que apresenta uma banda consciente de sua temática teen.
Lançado em 05 de maio de 2023 via BMG, Flowers é um álbum doce e contagiantemente macio. Romanticamente floral, ele é um material que também consegue ser provocante e sensual em seus devaneios do amor, da paixão e da atração física. Um produto simples e honesto, mas que consegue prender a atenção pela capacidade do Pacific Avenue em construir estruturas melódicas e penetrantes.