Ozzy Osbourne - Patient Number 9

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Pouco mais de dois anos depois do lançamento de Ordinary Man, álbum que rompeu o hiato de 10 anos sem o lançamento de um material de inéditas, o Príncipe das Trevas retomou o processo de produção para criar e enfim anunciar seu novo álbum. Intitulado Patient Number 9, o álbum ocupa o posto de 13º disco de estúdio da carreira solo do inglês Ozzy Osbourne.


Um sonar incômodo que transmite a sensação de insegurança e até mesmo um lapso de loucura paira pelo ambiente enquanto vozes ecoantes vão desdenhando frases soltas, mas que já começam a indicar um enredo que mistura paranoia e o desejo misto de sanidade e a proteção do lar. Não à toa que os versos “is there a way out of here?”, “how long you been here?”, “I wanna go home” e “excuse me, could you tell me how to get out of here?” presentes na introdução auxiliam na construção desse cenário esquisofrênico. Quando Chad Smith entra dando golpes precisos na caixa, o som estridente funciona como um súbito recobrar de consciência. Em seguida, simbolizando a perda de noção, a guitarra ácida de Josh Homme invade o ambiente como uma brisa constante de escapismo da realidade. Enquanto isso, na base melódica o baixo de Robert Trujillo  vem rude em seu compasso firme e unissonante como um acompanhante de índole duvidosa. É então que o típico e inconfundível vocal de timbre metálico e ácido entra em cena. Ozzy Osbourne, com maturidade e nitidez vocálica capaz de esconder sua idade, começa a desenhar um enredo que mistura loucura, introspecção e, principalmente, impotência. Trazendo a narrativa fidedigna da rotina de um manicômio e representando as experiências e emoções dos internos, a faixa-título tem seu quê dramático quando evidencia a sensação de estar na prisão e refém das atitudes de desconhecidos. Misturando a pressão do heavy metal com o swing do hard rock, a faixa-título comunica a existência de uma perfeita sincronia entre os músicos, o que confere pressão e consistência à melodia. Trazendo o caos mental, o lirismo da faixa tem as emoções sonorizadas por uma guitarra solo que grita repentinamente e que, sob a posse de Jeff Beck, traz um solo que mistura o caos mental e o desespero. Uma ousadia começar o álbum com uma música tão forte e potente.


Um groove linear e robusto prdduzido pelo baixo de Duff McKagan faz amanhecer a canção de forma semelhante àquela feita por David Gilmour em Another Brick In The Wall, single do Pink Floyd. Com um golpe seco e certeiro na caixa, a bateria de Smith abre passagem para uma guitarra que, trazida por Mike McCready, soa ácida e suja nos moldes do grunge. Entre marolas hipnóticas e frases metalizadas na passagem para outros versos rítmicos, a música ganha potência e pressão com o uníssono promovido entre as guitarras na entrada do primeiro verso lírico. Puxado por um urro seco vindo de Osbourne, tal verso possui roupagem que mistura sensualidade e aspereza em uma ambiência perigosamente penetrante. Falando do temor da morte e a reciclagem da vida, Immortal é uma canção sexy que tem como base o diálogo sobre a excitação de liberdade frente à aquisição da qualidade da imortalidade. 


Oh yes”, diz uma voz grave e rouca que ecoa pelo ambiente inóspito cujo silêncio é rompido por uma guitarra swingada em sua afinação agudo-estridente que flerta com a roupagem post-grunge. Seguida de golpes uníssonos e secos do baixo de Trujillo e da bateria de Taylor Hawkins de maneira a criarem uma típica frase thrash metal, a guitarra, sob comando do parceiro de longa data Zakk Wylde, eclode em uma melodia ácida de forma a misturar as estéticas do metal, do hard rock e do stoner rock em uma única linha interpretativa. De base contagiante em seu hard rock sujo, Parasite é uma música de enredo, no mínimo, intrigante. Trazendo à tona a psicopatia infantil, a faixa traz a história de um garoto que sente prazer e vê diversão no sofrimento alheio. Preenchida por um refrão de harmonia quase angelical que casa com a tentativa do personagem em achar razões para seus comportamentos, Parasite é uma canção penetrante e cheia de grooves potentes.


Apesar do som áspero da distorção a acompanhar, a forma como a guitarra do amigo irmão Tony Iommi se movimenta cria um sonar que se assemelha àqueles feitos por James Hetfield em One, Pete Townshend em Behind Blue Eyes e Billie Joe Armstrong em Before The Lobotomy. Com pitadas generosas de dramaticidade, a guitarra de Iommi vai explorando um lado choroso e entristecido que possui uma feição cabisbaixa e reflexiva. Entre uma bateria precisa e um baixo de notas estridentes, a voz de Osbourne surge como um personagem onipresente ecoando perante um cenário inconsciente. De repente, a agressividade ríspida em andamentos lentos de maneira a soar o típico princípio do doom metal, que acaba por refrescar na mente do ouvinte a sonoridade do Black Sabbath, é assumida por Iommi. É nesse momento que a tensão dramática de No Escape From Now é ampliada de maneira generosa. Dialogando sobre desesperança, manipulação e impunidade sob a ótica desesperada da angústia mórbida, No Escape From Now traz um cenário de pura desconfiança e incredulidade em relação à humanidade. É como os pensamentos de alguém preso na realidade do isolamento social propagado pela pandemia refletindo sobre os motivos de a sociedade viver essa experiência. No Escape From Now é, simplesmente, o som da perda da fé.


Com aroma mais floral, ameno e clássico, o amanhecer do novo cenário é mais sereno e produz uma sensação de calmaria reavivante no ouvinte. Trazendo uma guitarra aveludada em seu virtuosismo bluesado, Eric Clapton transforma o caos em uma espécie de ressurreição durante a introdução. Com pitadas psicodélicas e uma densidade que cria uma noção de suspense dramático, a presente canção consegue, por meio da guitarra, ser ainda mais chorosa que a faixa anterior, pois aqui o ouvinte consegue sentir a dor e as lágrimas de desapontamento escorrendo sem controle sobre os seios da face. Não à toa que One Of Those Days pode ser considerada uma continuação linear do enredo de No Escape From Now, afinal, a dramaticidade presente aqui dialoga também sobre a perda da fé. Uma perda da fé motivada pelo desapontamento em relação ao comportamento autoritário, intolerante, violento e personalista das nações. Com um refrão explosivamente harmônico e melódico de maneira a trazer uma essência folk-psicodélico-progressiva graças ao sonar do hammond trazido por Andrew Watt, One Of Those Days, de base robusta graças McKagan, chega a emocionar pela sensibilidade rítmica e pela honestidade com que o personagem exprime suas tristezas desapontantes em relação à sociedade.


Uma guitarra melancólica e, assim como aquela das faixas No Escape From Now e One Of Those Days, chorosa invade a atmosfera com uma feição nitidamente lacrimal. Assumida novamente por Beck, ela dá passagem para um verso dramático cuja energia melódica recria a ambiência de Dream On, single do Aerosmith. Minimalista e dando protagonismo quase absoluto à voz metálica de Osbourne, o primeiro verso é composto por rimas pronunciadas entre pausas dramáticas que aumentam o melodrama já generoso da melodia em ebulição, a qual, mais até que Dream On, bebe da mesma fonte comovente de Restless Heart Syndrome, singe do Green Day. Assim como No Escape From Now, A Thousend Shades é mais um capítulo de Patient Number 9 a dialogar sobre os efeitos psicológicos da pandemia sobre as pessoas. O luto pelo passado de uma liberdade regida pela despreocupação e o temor pela insegurança de um futuro instável é o que alicerça o lirismo da faixa. Não à toa que o verso “the past is dead, the future is haunted” é aquele que define o enredo lírico de A Thousend Shades, uma música que também coloca a fé em cheque diante de tais adversidades.


De início melódico semelhante àquele de No Escape From Now, a presente faixa também consegue exalar o mesmo grau de aromas melancólico-reflexivos que entorpecem o ouvinte. Flertando com o folk céltico, as linhas de guitarra novamente desenhadas por Wylde trazem consigo uma bojuda dramaticidade tristonha que recria a ambiência enérgica de Nothing Else Matters, single do Metallica. De base melódica embriagantemente nauseante e com base regimentada novamente por Hawkins, Mr. Darkness é uma faixa que prova mais uma vez a capacidade de Osbourne em compor um capítulo lírico penetrante, literário e intrigante. Com muita influência da icônica obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang Von Goethe, a faixa é preenchida por um script que traz um personagem escrevendo uma carta ao Senhor Escuridão. Romanceando a depressão e a morte, esse mesmo personagem detalha seus desejos e comunica seus atos autoinfringentes ao Sr. Escuridão. Isso é Mr. Darkness, uma faixa visceral em suas emoções depressivas que representam todo o conflito emocional daqueles órfãos não só de afeto, mas de cumplicidade.


Baixo e guitarra entram em uma valsa sincrônica e entorpecidamente esvoaçante nos primeiros instantes da introdução. Interessante notar que, somente pela forma como os dedilhares e o som é extraído da guitarra já denuncia a nova participação de Wylde por trás das cordas. É nesse ambiente semi-familiar que entra a voz metálica de Osbourne introduzindo uma interpretação lírica intimista que quase beira a timidez, não fosse pelos rompantes vocálicos. Encorpada, mas vendida por um som azedo em meio à sua cadência 4x4, Nothing Feels Right explode em um refrão dramático e sentimental enquanto dialoga sobre a instabilidade emocional de um eu-lírico que, ao expor que teme a morte e a vida, na verdade ele esconde o medo de si mesmo e de seu próprio instinto destrutivo. Dando a ideia de se tratar da relação autobiográfica de Osbourne com as drogas, Nothing Feels Right, muito diferente da sexy e descompromissada Parasite, expõe a força de vontade de se manter sóbrio contra a realidade de perder a presença de quem se ama para o vício. Às vezes dando voz ao desespero, a morte é o remédio para pôr fim a esse hábito carniceiro. Em outros momentos, a vida soa como a possibilidade de um recomeço. E é essa a crise exposta em Nothing Feels Right, um pedido desesperado de socorro e apoio externizado por um solo angustiado e choroso que emana todo o conflito interno de um indivíduo perdido na necessidade do consumo ilícito.


Em efeito fade in, um grito cresce na atmosfera rompendo o silêncio inquietante. Dando liberdade para a bateria se posicionar entre golpes firmes e secos, tal urro dá passagem para uma guitarra densa, grave e cinicamente dramática. Fazendo com que a bateria assuma um caráter explosivo melancólico, essa mesma guitarra, novamente comandada por Wylde, é respaldada por um baixo ácido e grave na base rítmica que dá pinceladas stoners ao metal excitantemente melódico que vai definindo o som de Evil Shuffle. Se transformando ao assumir uma postura provocante, sexy e cheia de olhares manipulatórios, a canção ainda é adornada por brisas psicodélicas e hipnóticas enquanto dialoga sobre seu prazer pela dor. Assim como Parasite, Evil Shuffle também traz um personagem atraído pelo sofrimento, pela dor e pelo desconforto. Recheada de morbidez, a música relata a vida de alguém que se vê sob domínio de almas obsessoras que flertam com o mau.


Densa, sombria e trazendo uma temática doom penetrante que se destaca perante uma base hard rock graças à guitarra de riff grave e andamento lento produzido por Iommi . O grito uivante da gaita trazida por Osbourne rompe com o bruto ao trazer feixes de uma suavidade folk e perfumada ao mesmo tempo que recria a ambiência de The Wizard, um dos icônicos singles do álbum de estreia autointitulado do Black Sabbath. Com melodia ondulante e versos líricos desenhados de forma a serem facilmente gravados pelo ouvinte, Degradation Rules é uma faixa que guarda repentes explosivos, excitação e um alento para os seguidores do puro heavy metal que, como o próprio nome sugere, traz um enredo que aborda os desejos sórdidos, sujos e degradantes. O impulso mais instintivo, o foco no prazer, a satisfação pessoal. É quase uma perfeita metáfora para a prática da masturbação.


A bateria tem seus momentos de glória durante a introdução. Solitária por alguns instantes, ela produz um som seco e preciso que logo é acompanhado pelo baixo ácido e estridente de Trujillo. Nauseante e melancólica a tal ponto que remete às melodias do The Smiths, a canção se evidencia sob a métrica 4x4 enquanto se firma em uma energia reflexivo-nostálgica. Fluindo para um refrão comovente em sua dramaticidade metalizada, Dead And Gone dialoga, assim como A Thousand Shades, sobre o futuro sob uma ótica descrente e desesperançosa. Contudo, a estrofe “hungry as vultures craving the thrown. Posing for pictures then eating your own. Raising our voices, feed the machine, they're coming to save us, but watching us bleed” faz parecer que Osbourne está alfinetando a máquina político-mercadológica de maneira subliminarmente crítica.


A guitarra entra áspera com uma típica afinação stoner. Macia e minimalista em sua estrutura instrumental, a canção, conforme vai amadurecendo, acaba recebendo contornos guturais vindos do sonar do hammond que casam com o contexto lírico de God Only Knows. Afinal, entrelaçado por uma energia desistente, Osbourne convida o ouvinte a mergulhar em um enredo que metaforiza o juízo final, que traz um personagem sedento por misericórdia como método de atingir a redenção. Sem culpa. Sem remorso. Mas dando total voz para os desejos e pensamentos depreciativos que consomem toda energia benéfica da essência do indivíduo.


Um dulçor floral imerge na atmosfera a partir do soprar da gaita. Assim que seu sonar se dissipa, o ambiente é tomado por uma energia folk promovida pelo lap steel. Contagiantemente blues, Darkside Blues é uma canção curta, mas que oferta, além de uma base propriamente blues, flertes com o country enquanto acompanha um enredo típico de velho-oeste com roubo, romance e cinismo.


O retorno de Ozzy Osbourne para o mundo fonográfico não poderia ser diferente. Cheio de convidados mais que especiais que auxiliaram na criação de uma ambiência rítmica consistente e multicultural, Patient Number 9  é repleto de enredos de conotações autobiográficas e dramáticas que fazem o ouvinte mergulhar não apenas no mundo particular de Osbourne, mas também em reflexões profundas sobre a atualidade como um todo.


Majoritariamente dramático, melancólico e choroso, o álbum é recheado de melodias dolorosas que pensam a pandemia, a política, a fé e, principalmente, a sociedade. Essa é uma das grande rasões para dar ao álbum o título de trabalho mais sensível da carreira de John Michael Osbourne, que inclusive mostrou estar em plena forma vocal mesmo poucos meses antes de completar 74 anos. 


Não apenas por ser lançado em um período planetariamente delicado, mas também pelas condições que o frontman se encontra, Patient Number 9 também pode ser considerado uma espécie de confraternização pela vida. Afinal, não apenas nomes como Duff McKagan, e Chad Smith, que reafirmaram parceria com o inglês após o bem-sucedido Ordinary Man, álbum que rompeu o hiato de músicas inéditas de Osbourne desde Scream, estão presentes.


Amigos e parceiros de longa data também deram suas icônicas assinaturas entre os 13 capítulos do álbum. Robert Trujillo, longe de Osbourne desde 2002, adicionou pressão, sujeira e rispidez nos títulos que dividiu a composição. Zakk Wylde, responsável por assinar as linhas de guitarra no icônico No More Tears, inseriu doses extras de metal, sensualidade e agressividade. Tony Iommi, amigo irmão há mais de 54 anos, firma inédita parceria desde 13, derradeiro álbum do Black Sabbath, colocando suas tradicionais e icônicas assinaturas dooms.


Preenchido por melodias múltiplas que transitam por campos do rock como blues, folk, country, hard rock, heavy metal, doom metal, stoner rock, grunge e pot-grunge, Patient Number 9 reafirma a parceria bem-sucedida entre Osbourne e Andrew Watt iniciada em Ordinary Man. Novamente no comando da produção, Watt mostrou ter entrado em total sintonia com os vieses líricos e das ambiências rítmicas propostas pelo inglês, o que o possibilitou entregar um som potente, múltiplo e bem equalizado.


Lançado em 09 de setembro de 2022 via Epic Records, Patient Number 9 é um disco autobiográfico, melodramático e reflexivo. Em clima de reencontro com velhos amigos, o álbum traz uma sonoridade potente, resultado da afinidade e da sincronia de todo o time técnico responsável pela sua execução. Vale ressaltar que, além disso, o álbum caminha por temas delicados que pedem cuidado ao serem digeridos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.