NOTA DO CRÍTICO
A banda foi formada em 2015, mas o álbum que serviria como estreia oficial no universo do mercado fonográfico foi ocorrer somente mais tarde. Precisando de quatro anos de preparação, o Nothing In Between enfim lança seu autointitulado primeiro álbum de estúdio.
Como fogos de artifício em uma noite de Réveillon, os instrumentos surgem em um uníssono enérgico e melódico de maneira a comprar a atenção do ouvinte perante um ambiente de promissora excitação. Evoluindo rapidamente para um ríspido hardcore que flerta com a temática rítmica punk rock de nomes como Rise Against, o punch sonoro da passagem para um vocal de timbre ameno, mas que se pronuncia em intensa emoção incrédula. É Giuliano Rosa que, com seu vocal rasgado, entrega uma interpretação lírica profundamente visceral ao enredo de Cold Blue Light. Em meio à melodia embriagante cuja máxima sonoridade exala certo grau de sofrimento melancólico, existem momentos de respiro em que o ouvinte degusta ainda mais dos punchs emotivos perfeitamente sonorizados. Repleta de frases de impacto reforçadas por sobreposições vocais que continuam expondo incredulidade, Cold Blue Light é uma canção que retrata o turbilhão antagônico de emoções que transborda o íntimo de cada indivíduo. Uma canção que, mesclando a temática do emocore, critica o egoísmo social e a insegurança que rege as atitudes humanas.
O nível de explosão se mantém. A aceleração é iminente. O compasso linear, áspero e galopante exibe uma forma que, diferente daquela existente na canção anterior, é puramente hardcore. Imputando uma enxurrada melancólica reflexiva, o que, mesmo estando na segunda etapa do disco, já demonstra ser uma marca do som do Nothing In Between, We Count The Days é uma canção que se deleita sobre a relação com o tempo sob um ponto de vista introspectivo. No que tange o aspecto melódico, ainda, a canção pode ser interpretada como um ponto de fusão entre Bad Company e Bad Religion com pitadas de um metal alternativo propagado por nomes lado b como Rev Theory. Ao mesmo tempo, a união melódico-sincrônica das guitarras de Marcel Gallo e Gabriel Bueno cria a mesma simetria sonora existente entre Luciano e Wally, proporcionando, assim, uma similaridade com a sonoridade criada pelo CPM 22 em sua primeira fase.
A bateria de Jean Novaes puxa a melodia a partir de um groove quebrado e acelerado. Trazendo um punch visceral melancólico, a canção ainda possui um verso de respiro instrumental cuja gravidade do sonar da guitarra produz uma similaridade melódica momentânea com o riff icônico executado por Daron Malakian em Aerials, single do System Of A Down. Por essa razão é que Dead Tree se deleita por uma dramaticidade sombria intensa que implode em um desespero incrédulo e de intenso sofrimento que é sonorizado a partir de uma melodia melancólica regida pelo uso constante e explosivo de pedais duplos.
O riff pronunciado pela guitarra cria uma interessante assimilação melódica com aquela estrutura desenhada por Billy Idol na introdução de seu single intitulado Dancing With Myself. Apesar disso, o uníssono melancólico-dramático pronunciado na sequência pela conjuntura instrumental de Restrain The Weackness muito foge da ambiência mista de hard rock e new wave da canção composta pelo inglês batizado William Michael Albert Broad e imerge em uma intensidade emocore tal como a perpetrada em Cold Blue Light e emana um desejo intrínseco de adquirir uma autoconfiança capaz de romper com qualquer suspiro de insegurança.
A guitarra vem como um grito linear enjoativo e melancólico. A bateria entrega pressão a partir da sequencial execução de pedais duplos formando um sonar galopante à melodia de tom entorpecente. Fluindo em uma explosão melancólica embriagante, Counting Fractions ainda possui uma quebra nessa narrativa sofredora ao desenhar uma ponte guiada por riffs salgados que dá passagem a estrofes regidas por uma densidade melódica que flerta superficialmente com o doom metal. É a partir de tal ambiência sonora que a canção passa a ser guiada por um lirismo interpretado por Hélio Siqueira, cujo timbre e imersão visceral muito têm de semelhança com a forma como Rosa dá vida aos enredos líricos de Nothing In Between.
O céu está sob uma feição triste. Não há chuva, trovões ou raios, mas ele é preenchido por um tom cinza gélido que denota uma postura de luto intenso. Não há toa, a sonorização cenográfica introdutória é mais lenta como se permitisse a abstração e a percepção da realidade de maneira racional, mas ainda com permissão ao sofrer. Quando o primeiro verso enfim se evidencia, o instrumental assume de maneira profunda tais dores da despedida de maneira em que as guitarras soam como um rosto delicado cujos olhos são a vitrine do coração. Marejados e úmidos, eles extravasam a saudade que não mais poderá ser sanada. Melódica de maneira a representar um protesto de desabafo com o destino, There Was No Hope Out There fala sobre perdas, sobre saudade e a dor da despedida de maneira que os versos mais íntimos e de profundo sentimentalismo são aqueles que compõem a estrofe finalista: “If I stare at the clock long enough, will I have the time to say goodbye?”, uma questão que, jogada ao vento, não é verbalizada pela personificação do destino.
A guitarra surge em um riff áspero e rebelde. Sua solidão dura apenas alguns rápidos segundos até que um rompante melancólico é implodido. Trazendo uma maciez interessante, a melodia se posiciona de uma maneira mais digestiva e com um ânimo entorpecido. Lembrando estruturas rítmicas propagadas por nomes como Yellowcard, Bless The Fall e My Chemical Romance, A Place To Bury Our Dreams é uma canção que dialoga com a questão da representatividade inerente à política, mas também no que tange os próprios relacionamentos interpessoais. Inegável, no entanto, é a percepção de que o eu-lírico traz em seu devaneio consciente a postura imponente que busca defender as vozes daqueles que são calados em uma clara alusão à censura. Sob um enredo que pode parecer romanceado, A Place To Bury Our Dreams é uma faixa de cunho político baseado na esperança de dias de liberdade de pensamento incondicional. Não à toa que o personagem lírico diz em tom de resistência: “you can read and burn my letters, but not my dreams”. Um importante single de Nothing In Between.
O uníssono é presente desde o início. Explosão, melancolia, maciez melódica entorpecida. A visceralidade na voz de quem busca seguir em frente e esquecer o passado. A virada de página cujas mãos tornam visíveis palavras de parágrafos e versículos já lidos. A vontade de refazer certos atos. Pessoas pedindo retorno, mas a mente focada no próximo degrau. In My Own Hell trata da convivência com a própria consciência em um aspecto de autoconhecimento e de enfrentamento da racionalidade inerente à responsabilidade dos próprios atos.
A sonoridade segue o mesmo padrão das canções anteriores. Melancólica, melódica e visceral. Misturando emocore com elementos mais densos que flertam com estéticas do groove metal e do heavy metal, o que se observa na camada mais superficial de One Thousand Years é o sentimentalismo imerso em pitadas de uma ambiência noventista calcada no rock alternativo. Um ponto importante a ser levantado é que a canção possui uma interessante excitação proporcionada por uma fluidez entre pré-refrão e refrão que desemboca em um ambiente enérgico que se comunica perfeitamente com roupagens pop punks melodramáticas de nomes como Paramore e Superbrava.
Em meio à padronização, escorregões em densidades que raspam nas paredes do metal são notadas enquanto a melodia se desenvolve. Apesar da levada em 4x4, Wasted Lives não consegue atingir o mesmo feito popular que A Place To Bury Our Dreams ou mesmo One Thousand Years. Por outro lado, a temática lírica aqui apresentada carrega certo tom de originalidade ao discorrer sobre pertencimento, um sentimento que, na presente faixa, é acompanhado de frestas de um sentimento de solidão que flui harmonicamente para a depressão. A luta constante para se sentir em casa, uma atitude que, por mais honesta que seja, pode não gerar o fruto esperado. Essa é a realidade encarada pelo eu-lírico, que enxerga na busca pelo acolhimento uma atitude infundada que o leva a dizer “you fight, you die” em uma clara alusão de que, apesar de lutar, não haverá respostas para a solidão incômoda que consome o íntimo do sentimentalismo individual.
Padronização melódica, linearidade, melancolia, nostalgia, tristeza, reflexão. Visceral. Nothing In Between é um álbum de cunho única e exclusivamente sentimental que se deleita em questões psicológicas e externas da sociedade. É um disco que dialoga com um sofrimento comum e de pensamentos acerca de realidades sérias que imergem na política e no próprio comportamento social.
Adotando cenografias sonoras cuja paleta de cores é formada por tons de uma mesma família de coloração, o disco é de uma aparência entorpecida, gélida, acinzentada. Raramente, no discorrer de suas 10 narrativas, se nota a presença de cores quentes. Por mais explosivos que sejam os instrumentais, eles sempre são regidos por um torpor curiosamente contagiante.
Por essa razão é que, como trilha sonora para cada um dos enredos líricos, o quinteto optou por mergulhar de maneira profunda na temática do emocore. Contudo, é possível notar, como segundo principal ingrediente rítmico, o punk rock de maneira a se associar fortemente àquele produzido pelo Rise Against.
Dissecando ainda mais suas esferas sonoras, Nothing In Between ainda traz consigo uma levada hardcore amaciada que vem acompanhada de uma brisa californiana de maneira a trazer influências de nomes como Bad Religion e Bad Company. Em seguida, vem o pop punk como outro importante ingrediente na receita sonora do disco. No mais, pitadas singelas de doom metal e metal são sentidas conforme a melodia assume mais pressão.
Contudo, apesar de se basear em rompantes intensos, existe algo a se considerar no produto final do disco. A mixagem realizada por Greg Thomas e Chris Yeterian deixou escapar o som do baixo. É tanta pressão que a versão final da equalização fez com que a participação de Felipe Biscaro ficasse fora do alcance auditivo.
De outro lado, a produção, também realizada por Thomas, capturou bem as ideias sugeridas pelo Nothing In Between e consagrou o sentimentalismo emocional que os enredos líricos tanto necessitam. Nesse aspecto, foi um trabalho de intensa sensibilidade e delicadeza.
Nothing In Between possui, contudo, um ponto que não pode ser esquecido, que é a arte de capa. Feita por J Martins, ela traz uma caracterização profundamente baseada na estética do pós-impressionismo de maneira a sofrer grande influência das obras de Van Gogh, com especial menção ao quadro A Noite Estrelada. Por essa razão, o que a obra de Martins traz de semelhança é o quesito da solidão, algo muito abordado entre os enredos das canções do álbum. A paisagem melancólica, caótica e destrutiva que abraça a figura central da embarcação comunica, portanto, o estado de vazio e isolamento. Somado a eles, vêm sentimentos de desproteção, insegurança, tristeza e abandono, uma vez que as únicas figuras humanas intuem um movimento de distanciamento do barco.
Lançado em 28 de fevereiro de 2022 de maneira independente, Nothing In Between é um disco puramente entristecido. Emotivo e sensitivo, o álbum dialoga com o sofrer, com o pertencer, com o ser e o estar. É o retrato do destino sob a ótica da melancolia.