Nickelback - Get Rollin'

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Foram cinco anos sem material inédito, mas com shows em lugares que, em 27 anos de banda, ainda não tinham sido visitados. Depois de uma pausa forçada por conta da pandemia, o Nickelback retomou as atividades em estúdio e concluiu seu 10º álbum de estúdio. Intitulado Get Rollin’, o material é o sucessor de Feed The Machine.


Uma sirene ressoa como um alerta. Depois de se repetir por algumas vezes, ela é grosseiramente calada por um punch grave, brutal, distorcido e cavalar. Protagonizada pela precisão e potência dos bumbos duplos de Daniel Adair, essa potência introdutória escorrega para uma frase contagiante, mas ainda grave, cujo baixo encorpado de Mike Kroeger dá a consistência necessária para a base rítmica que se constrói. Com direito a uma guitarra distorcidamente áspera que, dominada por Ryan Peake, suja qualquer vestígio pop que possa existir na melodia, San Quentin mostra um Chad Kroeger com um vocal afiado, rasgado e em forma mesmo estando próximo aos 50 anos. Com seu timbre característico, o cantor convida o ouvinte a dar vazão à energia, à excitação. É uma ode ao rock n’ roll e funciona como uma narrativa autobiográfica do Nickelback sobre seu retorno na estrada. O verso “out of San Quentin” pode simbolizar o fim da quarentena, do isolamento e da preocupação massiva em relação à Covid-19. Poderosa, San Quentin é uma canção que retoma a sonoridade folk metalizada consolidada no álbum Dark Horse.


Mantendo a potência da distorção suja e grave da guitarra, o folk metalizado segue equalizado e na mesma métrica de canções provenientes do álbum Silver Side Up. Com grande competência na aquisição do contágio a partir da união melódica entre bateria e guitarra, a canção possui um swing provocante e perigoso que é marcado principalmente pelo vocal rasgado de C. Kroeger. É verdade que o baixo tem, aqui, importante papel na construção da pressão que molda o escopo de Skinny Little Missy, uma canção que traz uma garota magra como protagonista. E nesse enredo, o Nickelback surpreende ao oferecer uma narrativa que evidencia o empoderamento feminino, a independência e a imponência que a mulher pode ter. Invertendo o jogo, em Skinny Little Missy é a mulher que causa frenesi nos homens e que os esnoba. Acima de tudo, a canção é a evidência da autoestima e da autoconfiança femininas.


Logo de início, a interpretação lírica calcada em sua voz limpa e em tom suave já traz uma conotação nostálgica. A entrada do violão macio e igualmente suave somente auxilia na amplificação dessa energia saudosista que transpira da melodia. Harmônica em seu minimalismo rítmico, a introdução é embebida, inclusive, em toques melancólicos que ajudam a comover o ouvinte. Tendo o sonar da bateria audível de maneira a construir a noção de distância, Those Days explode em um refrão de intensa harmonia e embebido em uma melodia chiclete que cativa o espectador com seu enredo que remonta os tempos da juventude. O primeiro dia que deu início a um duradouro romance, a época do descompromisso e as atitudes e coisas que marcavam a essência de cada indivíduo nos momentos passados. Those Days é simplesmente a demonstração da relação com o tempo e da gratidão por tudo o que foi vivenciado. É com essa música, um produto que recria a energia intensa de Photograph, que o Nickelback reafirma sua capacidade inegável de construir baladas grudentas, mas cujo conteúdo harmônico-melódico justifica qualquer tipo de memória afetiva gravada através de cada sonar instrumental. 


Barulho de chave chacoalhando. Tosse. Uma batida 4x4 acústica e suja já começa a desenhar o compasso rítmico. Quando rompantes seguidos de uma guitarra distorcida são ouvidos, o espectador já começa a ter noção do que esperar do novo cenário. Surpreendendo as expectativas, o que o Nickelback oferece em High Time é uma melodia funkeada ao estilo Rock This Way e Sweet Emotion, singles do Aerosmith. Conseguindo fazer o espectador sentir o frescor do mar e a brisa balançando o cabelo na valsa do vento que entra pela janela aberta do carro, High Time é uma ode à liberdade e à independência. O improviso, o imprevisto, o incerto, a surpresa e o descompromisso andam lado a lado em meio a um entardecer de verão que estimula, abraça e causa certo frenesi pela obtenção das mesmas emoções sentidas pela melodia também na vida real. High Time conquistou, com pouco, seu objetivo de contágio e apelo popular.


Suja, rápida, mas com um leve swing que sugere uma fusão com o hard rock, o Nickelback mantém a maestria de construir materiais metalizados, mas sem perder a base pop e sem ser apelativo. É curioso notar que, nesse processo, bateria e guitarras possuem uma sincronia inquebrável que, além de promover um som fresco, ele é também repleto de pressão. E assim, Vegas Bomb oferece um enredo-irmão de Nightrain, single do Guns and Roses. Afinal, assim como a segunda era uma ode à bebida oitentista de Los Angeles, a primeira também é, mas em relação à Las Vegas. A canção é nada mais nada menos do que a perfeita descrição do efeito de libertação que tal bebida causa em seus consumidores. Ainda assim, é um título marcante pela sua melodia amplamente contagiante.


Um ambiente intimista e de melodia introspectiva vai se formando conforme o som do vaivém das ondas toma mais corpo. Interessante notar que, nesse espectro, a sonoridade acaba assumindo contornos de amaciadas semelhanças com aquela de Creep, single do Radiohead. Crescendo de maneira educada, a faixa consegue, inclusive, flertar de maneira singela com a melodia de Tomorrow, canção do Stone Temple Pilots. É com essa mistura de indie rock com rock alternativo que Tidal Wave é a narrativa de um amor doentio, inconstante e capaz de gerar dúvidas quanto à própria autoestima e ao amor-próprio. É uma música que dialoga sobre a intensidade e a necessidade de autoproteção, um comportamento que guarda todos os sentimentos que, sem serem extravasados, consomem o interior e acabam afetando não apenas a rotina, mas todos aqueles no entorno. Tidal Wave é um relacionamento que funciona como a vida: cheio de altos e baixos.


O nível de introspecção é amplificado. Uma noção reflexivo-emocional-nostálgica abraça confortavelmente o ouvinte enquanto o violão forma uma valsa macia que cria uma melodia semelhante àquela de What You’re Waiting For, outra importante balada do repertório do Nickelback, como também flerta com a estrutura de 93 Million Miles, single do Jason Mraz. Lamentosa e chorosa, Does Heaven Even Know You’re Missing? chama a atenção pela construção de um refrão cativante e sentimental a partir de um instrumental minimalista que consegue ser generosamente dramático. É assim que a canção mostra ao ouvinte um enredo romântico que soa como uma bela e emocionante declaração de amor. Sensível e delicada, Does Heaven Even Know You’re Missing? é simplesmente um agradecimento pelo fato de a vida ter presenteado o personagem com outra pessoa capaz de promover a mais profunda e pura paixão. Assim como Those Days, Does Heaven Even Know You’re Missing? certamente entra no time de baladas de Get Rollin’.


Tal como Paradise, single do Coldplay, a presente faixa traz uma paisagem reenergizante que, composta por uma sonoridade melodiosa e contagiante que é quase como uma marca registrada do Nickelback, faz o ouvinte caminhar por um terreno minimalista e inspirador. Acústica em sua esmagadora maioria, Steel Still Rusts é  a descrição da rotina de um soldado, mas também serve como uma perfeita alusão à autoconfiança, obstinação e foco. Discutindo de forma escancarada, ainda, a falta de reconhecimento dos Estados Unidos em relação ao serviço militar prestado por vários de seus habitantes, Steel Still Rusts é também a nostalgia de uma vida comum e simples nunca alcançada.


Melódica, colorida, macia, rejuvenescedora, inspiradora e romântica. Como uma perfeita trilha sonora de filmes teens, Horizon, com sua melodia amena e com uma base pop cristalina, sem a habitual sujeira do som do Nickelback, faz o ouvinte se embriagar nesse enredo romântico. Contudo, aqui não há flores, grinaldas ou perfumes. O que existe em Horizon é a descrição de duas pessoas que se amam, mas se negam a dar voz a esse sentimento mútuo. Duas pessoas que preferem deixar que o destino haja solitário na missão de construir uma oportunidade para que elas se cruzem. Ainda assim, Horizon de certa forma se une a Tidal Wave e Does Heaven Even Know You’re Missing? pelo simples fato de tratar do amor. Contudo, é aqui que a melodia assume seu apogeu de doçura, o que cria um interessante contraponto entre sonoridade e lirismo.


Continuando com o clima romântico, o novo amanhecer flerta, inclusive, com a sonoridade de Mars Hotel, single do The Mayfield Four. Trazendo um macio e contagiante pop rock que inclusive flerta com a roupagem de Friday I’m In Love, single do The Cure, Standing In The Dark é aquela canção que inquestionavelmente mais atende o apelo popular e radiofônico de Get Rollin’. Nitidamente construída sob uma estrutura pensada para a participação do público em apresentações ao vivo, Standing In The Dark é a perfeita definição de como um single deve ser: contagiante e atraente, mas sem perder a essência dos autores, independente do gênero que representem. E no caso do Nickelback, mesmo mais tímido, o rock está presente nessa que é, assim como Does Heaven Even Know You’re Missing?, outra açucarada canção sobre amor.


Uma roupagem diferente da habitual. Um dramático folk puxado pelos sons digitais do violino pronunciado por Chris “Hollywood” Holmes dão um impacto que consegue misturar melancolia e drama em medidas bastante equilibradas. Quando C. Kroeger entra em cena, a canção assume patamares ainda mais viscerais a partir de sua interpretação lírica sofrida, a qual, inclusive, dá passagem para um instrumental intenso em sua estrutura minimalista. Não à toa, o que Just One More oferece ao ouvinte é a relação com o luto, a sua superação e, inclusive, o lidar com as memórias. Um pop amplamente sentimental capaz de fazer o ouvinte sentir as mesmas dores daquele que pronuncia cada palavra.


Fresco, contagiante, popular, radiofônico. Get Rollin’ é um disco que prova, mais uma vez, que o Nickelback é um verdadeiro hit maker. Cheio de grandes faixas, que atendem tanto ao público fiel ao grupo canadense quanto os consumidores de rádio, o álbum consegue ser mainstream sem ser apelativo.


Pode-se dizer que, de certa forma, ele decepciona por não atender às expectativas de ser ‘o álbum mais metalizado’ do grupo, como sugeriu Mike Kroeger em entrevistas anteriores. É verdade que títulos como San Quentin, Skinny Little Missy e Vegas Bomb se encaixam em tal afirmativa, mas as oito faixas restantes não o fazem.


O que Get Rollin’ de fato é, é um disco de hits. Quase como um ‘the best of’, o álbum surpreende por trazer apenas materiais contagiantes e amplamente radiofônicos. Tendo Standing In The Dark como a faixa mais comercial, o álbum é repleto de baladas sensíveis e emocionais, como Those Days, Tidal Wave, Does Heaven Even Know You’re Missing?, Horizon e a melancólica Just One More


Mesmo assim, o Nickelback não se desvincula de sua essência e oferece ao público seu típico folk metalizado. Mais do que isso, o grupo, assim como o Nirvana fez com o auxílio do engenheiro de mixagem Andy Wallace em Nevermind, consegue mesclar a base pop que preenche suas canções. 


É fato que o pop fica evidente em todas as faixas do grupo, mas em Get Rollin’, ele divide espaço com o indie rock, com o rock alternativo, com o post-grunge e, inclusive, com o funk. Tudo com o auxílio também da mixagem de Chris Baseford e Chris Lord-Alge. Ambos os profissionais ajudaram o Nickelback a manter seu som fiel, maduro e equilibrado graças também à sincronia de Jeff Johnson na produção, função que dividiu também com Basefor.


Lançado em 18 de novembro de 2022 via BMG, Get Rollin’ é um disco fresco, contagiante e fortemente radiofônico. É um hit record feito por um hit maker. Mais do que em qualquer outro trabalho, o Nickelback conseguiu, com Get Rollin’ lançar um material feito ‘apenas’ com grandes e memoráveis faixas. Com ele, o grupo certamente terá inúmeros ‘novos clássicos’.


















Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.