Nick Murphy & The Program - Take In The Roses

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Com uma discografia que compreende três álbuns ao vivo, sete EPs, uma lista com mais de 15 singles e quatro discos de estúdio, desde 2011 o australiano Nicholas James Murphy se divide entre pseudônimos nos créditos de seus trabalhos. Pela terceira vez, porém, ele tira a máscara e lança outro trabalho sob seu nome real. Take In The Roses é o quinto álbum de estúdio e o terceiro sob a assinatura Nick Murphy.


Existe um veludo dramático que traz um tom de tensão e densidade na atmosfera. A doçura límpida da voz de Nick Murphy, um timbre semelhante ao de James Morrison, surge em um tom analítico-reflexivo que hipnotiza o ouvinte durante seus devaneios. Acompanhado de uma melodia minimalista composta somente por notas pontuais do piano elétrico, Murphy oferece ao espectador uma análise sobre a relação com o dinheiro. Tal como pregou a filosofia hippie, a felicidade acima de tudo. A faixa-título é uma grande avaliação dos ímpetos, das prioridades e mostra, acima de tudo, que dinheiro não é o caminho da eternidade. Como o próprio eu-lírico diz nos primeiros versos, “Money can’t buy happiness at all. All satisfied. A principle you fall”. O mais interessante na melodia é que, mesmo quando ela claramente cresce a partir da entrada de novos elementos, acaba se mantendo esteticamente minimalista, mas com alguns detalhes. A bateria de Nick Kinsey, por mais que se apresente de forma tímida, consegue proporcionar cores sutilmente vivas que clareiam o ambiente, o qual ao mesmo tempo acaba sendo preenchido pelas linhas encorpadas, graves e estridentes do baixo de Tim Lappin. São elas que, inclusive, aumentam a densidade reflexiva da faixa.


As notas do piano vêm acompanhadas de um princípio sensitivo de melancolia. Quando os pratos da bateria fazem um feito sonoro que remete à chuva, um ecossistema trip hop quase nauseante começa a despertar. E nesse quesito, o pedal steel de Dave Harrington e o baixo grave e sincopado têm grande responsabilidade. É curioso como existe uma tensão, um suspense incômodo na coxia melódica que contamina o ouvinte. Apresentando flertes com o R&B através da interpretação lírica, Hey Revolution é como o amanhecer de um dia empoeirado em que as pessoas marcham sem rumo com seus pés e mãos feridos. Os olhos secos, cansados, mas de olhares fixos e precisos. Hey Revolution é uma canção que mostra a necessidade da população por outra direção, mas aqui a interpretação é vasta. Pode ser em âmbito político, econômico, social e mesmo cultural. O consenso é que existe insatisfação, mas uma insatisfação que precisa de um estímulo para ser expressa.


O sensorial melancólico-reflexivo de fato parece ser a marca da sonoridade de Nick Murphy, um ingrediente que é posto em evidência em Take In The Roses e que segue na introdução de Green Eyes. Com um swing denso e introspectivo, a faixa é um produto que, claramente, explora diferentes texturas no caminhar de sua melodia a partir da inserção de elementos como o chocalho na contagem do tempo rítmico, o som oco e aveludado da haste da caixa que ecoa pelo ambiente, o linear e constante veludo do mellotron ou mesmo a utilização do falsete vocal. Green Eyes é uma emotiva e tátil canção que aborda, com sua delicadeza e respeito, a depressão e o ato do se sentir perdido.


Com seus vaivéns de notas mistas de veludo e acidez, o mellotron desperta uma melodia macia, cadenciada, groovada e de uma sensualidade irresistível. Curiosamente, a ambiência rítmico-melódica proporcionada pela faixa remete à introdução de They Stood Up For Love, single do Live. O fato é que grande parte dessa sensação swingada vem através da precisão do baixo de Tim Mislock que se une à delicadeza do pedal steel e das notas do mellotron. Born In The River é uma canção que certamente é considerada um forte single de Take In The Roses.


Macia e com um misto de nostalgia e melancolia, a melodia que nasce traz consigo uma levada que faz com que a composição logo seja considerada uma balada sentimental. Com uma dramaturgia diferenciada graças à inserção das notas lamentosas do violino de Jake Falby e de The Program proporcionando os vocais de apoio no refrão, All The Things é uma música que, ao imergir no universo do folk, ilustra um personagem em seu processo de autoconhecimento e percepção das próprias qualidades que, outrora, ou estavam adormecidas ou não receberam a devida atenção.


Se Green Eyes explorava texturas, Things é um interlúdio que é a sonorização das mais diversas sensações. Sensações essas que podem ser físicas e emocionais. Transmitindo paz, conforto, alegria, aconchego e ainda conseguindo acessar o lado mais profundo da nostalgia, Things é uma composição instrumental delicada e de um veludo encantadoramente transcendental.


A delicadeza e a suavidade continuam de mãos dadas com uma energia emocional. Trazida pelos riffs do violão, ela possui uma doçura nostálgica contagiante que conforta o ouvinte através de uma melodia minimalista, doce e que fala por si só. Feels Like Coming Home é uma canção que nem precisava do lirismo para completar a energia. O instrumental já faz esse papel de maneira emocionalmente sensitiva.


É como se perceber de olhos fechados percebendo apenas a brisa do vento moldando o corpo. A mente vazia, os músculos relaxados, as mãos abertas. A união baixo-guitarra-violino traz aqui uma sensação de alegria, de prazer, de energia e de positivismo que é amplamente contagiante. Quando a bateria entra em cena, uma pressão amplifica essas sensibilidades a partir de um compasso 4x4 singelo. Morning Meditation é um mantra que, assim como as canções Green Eyes e Things, explora as mais diversas possibilidades de texturas. 


Uma estrutura diferenciada das até então experimentadas em Take In The Roses se firma. Aqui não há instrumentos solitários puxando a introdução. “You get it wrong, you get it wrong”, diz Murphy sob o apoio do compasso da bateria, que logo é recebido por um riff grave e encorpado do baixo. Repleta de sonoridades destoantes que beiram o princípio do caos, Get It Wrong é uma canção que guarda um tempero sensual a partir do enredo lírico que acaba harmonizando com a melodia.


Uma maciez delicada, reconfortante e singela se firma a partir da união voz-violão que traz consigo a atmosfera folk. Apenas pelo minimalismo melódico e pela forma como o vocal de Murphy se pronuncia, o contágio emotivo já estava garantido. Porém quando se soma ao conteúdo lírico, Old Dog tem a emoção amplificada pela delicadeza e a sutileza do enredo. O que o cantor oferece é um enredo sobre um alguém que volta pra casa buscando abrigo e apoio. Ainda jovem, o personagem exala um misto de fragilidade e imaturidade que destoa da aparente imagem decisiva, firme e entendedora. 


O que impressiona em Take In The Roses é a delicadeza e a sutileza com que Nick Murphy compõe as melodias e, nelas, insere lirismos que amplificam a sensibilidade emocional. O contágio, a aproximação e a emoção do ouvinte são fatores inevitavelmente presentes.


Apesar de contar com um time de músicos amplo, o álbum se solidifica como um produto capaz de encantar com pouco. O minimalismo que recheia grande parte de suas 10 faixas é o ponto alto do trabalho, pois possui uma harmonia encantadora que abraça o ouvinte e o faz trilhar, de mãos dadas com os personagens, os enredos líricos escritos.


Como primeiro álbum a ser co-creditado ao parceiro The Program, Take In The Roses consegue oferecer diferentes ambientes rítmicos, os quais vão do trip hop, passam por elementos do R&B e chegam no folk. Contudo, o mais importante no quesito harmônico-melódico do álbum é a intensa experimentação de texturas que ele proporciona, o fazendo imergir, também, no campo do post-rock.


Mixado por Jonathan Kreinik, o disco acaba criando uma atmosfera que muito remete àquela proporcionada pelo Counting Crows em seu EP Butter Miracle, Suite One. Ao mesmo tempo, Take In The Roses consegue soar tão intimista quanto o trabalho feito por Eddie Vedder em Into The Wild, seu primeiro disco solo.


Lançado em 10 de dezembro de 2021 via Detail Records, Take In The Roses é um trabalho encantadoramente sensitivo. Doce e delicado, o álbum ainda guarda sensualidade e groove inseridos em uma temática intimista que é abraçada pelos educados, calmos e reflexivos lirismos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.