M E R O S - Pele

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Dois EPs já lançados. Dividido entre Singapura e Brasil. Área do Sol e Terra do Samba. Com essa dicotomia e abrangendo as canções de seus produtos anteriores, M E R O S anuncia Pele, seu primeiro disco de estúdio.


A guitarra surge sozinha em um riff singelo, tranquilo, mas com pitadas de angústia. Seu efeito de eco sugerem a sensação de que ela está perdida em um ambiente inóspito, pedindo por socorro. Com a entrada da bateria cujo groove é tão suave quanto a participação da guitarra, o que acontece em Dentro é a ideia da imersão. Imersão na tentativa de descobrir quem somos. Imersão em nós mesmos, nossa mente, nosso ser. Texturas como a de uma cortina de tecido fino recebendo o impacto do vento suave são oferecidas pela melodia da canção, assim como a sensação do toque, do arrepio. A escuridão finalmente ganha lampejos de luz e cores.


Violão e baixo. Uma parceria que cria uma atmosfera reflexiva em cuja sonoridade possui um espaçamento proposital entre as notas. Uma voz levemente grave acompanhada de uma sobreposição vocal em utilização de falsete invade o ambiente criando um corpo à sonoridade de Síntese. Na tentativa de buscar um propósito e assumir a própria identidade, o eu-lírico da canção se apresenta com vigor através do timbre sutilmente rasgado que Helder Filipov emprega no refrão. 


Uma estrutura de mantra se forma pela sonoridade de Ego. Minimalista ao extremo, a melodia da canção serve de base para um lirismo que aborda a busca da paz ao mesmo tempo em que tange arrependimentos passados. Após o refrão, a estrutura ganha cores mais vivas com a entrada de uma guitarra que mistura a estética indie com toques leves de um suspense enigmático.


O violão encarna linhas firmes e em tons sombrios com uma agressividade ainda no processo de despertar. Pela sua estrutura, é possível enxergar a estética do metal. Porém, a entrada do groove da bateria inclina a melodia para algo que tange a música do Oriente Médio e norte da África, de países como a Armênia e Egito. Curiosamente, no refrão a canção ganha uma noção dramática latente. Sina é uma canção que, liricamente, busca a luz, a sorte e afastar a própria sina através do vocal mais visceral de Pele até o momento.


Mescla surge como uma canção de ninar, pois as linhas do violão caminham harmônica e sutilmente por entre as escalas, criando um som confortável e calmante. Os golpes no bumbo criam uma noção dramática, mas ao mesmo tempo chamam para algo impactante. De certa forma, a canção tem uma energia exotérica singular que poderia muito ser usada como parte da trilha sonora de Into the Wild, filme dirigido por Sean Penn.


Uma expectativa se cria na introdução de Causa, uma música em cuja melodia se tem um gingado e uma malemolência singulares. Essa é a música em que, liricamente, ocorre o enaltecimento do sonho e do poder que ele possui no esclarecimento do caminho a ser seguido. 


Espelho já traz outra proposta. Com o protagonismo das notas pontuais e precisas do piano em união aos riffs de baixo compassadas, ela traz uma mensagem sobre identidade e a influência que a sociedade exerce na criação do caráter e do comportamento. E a interpretação lírica é funciona quase como a voz do inconsciente conversando com a consciência em busca de respostas que dificilmente serão dadas apenas com reflexões.


Ruídos. Teclado de notas aveludadas. Barulhos que simulam o correr da água e canto dos pássaros. O beat dá cadência e o violão uma sonoridade melódica. Já as notas de violino são inseridas no ambiente entregando toques de melancolia. Momento é um mantra calmante e tranquilizador.


Assim como o post-rock pede, Pele é aquele trabalho que não entrega melodia, complexidade rítmica ou diversos elementos sonoros. O álbum é minimalista e dá ao ouvinte a possibilidade de se relacionar com diferentes texturas, cores e energias em uma perfeita sinergia.


Feito inteiramente por Helder Filipov, cada sonoridade casa com as letras quando estas se fazem presentes. E é justamente quando a voz e a letra encontram a melodia que acontece a experiência da reflexão, da introspecção e da imersão no inconsciente. Curioso é notar que essas situações são capazes somente com a presença de poucas palavras.


A produção conjunta entre Filipov, Vivian Kuczynski e Leonardo Tows conseguiu captar essa temática minimalista e reflexiva sem prejudicar o caminhar da melodia, a qual também flerta em diversos momentos com o exoterismo e músicas fora do eixo América-Europa.


Nesse sentido, foi a mixagem de Vivian e Tows que conseguiu fazer com que toda essa ambientação fosse perceptível através de uma sonoridade limpa, nítida e, por vezes, enigmática.


A arte de capa, por outro lado, oferece uma dicotomia interessante. Enquanto a personagem central se vê deitada sobre a água, ela sugere paz, tranquilidade e suavidade. Por outro lado, o ambiente geral onde esse cenário se coloca é caótico, sombrio e supõe que os corpos nele presentes não possuem matéria pesada, como algo líquido, fluido. Tudo isso é perceptível através dos olhares do artista espanhol Anxo Vizcaíno.


Lançado em 02 de outubro de 2020 de forma independente, Pele é um disco que não vende som, vende experiência. Não oferece ritmo, oferece textura. Um trabalho imersivo e experimental que mergulha no minimalismo para trazer o máximo de sensorial. O som da consciência.

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1 Comentários

Que leitura sensível é profunda desse álbum! Amei e concordo com todas as palavras - apesar de ter demorado para ler o disco como minimalista.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.