Matchbox Twenty - Where The Light Goes

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Foram 11 anos sem lançar um material de inéditas. Porém, esse jejum começou a ser quebrado em 2022, quando o Matchbox Twenty se reuniu novamente em estúdio para novas composições. Desses encontros surgiu o quinto álbum de estúdio intitulado Where The Light Goes, o sucessor de North.


O ambiente é astral e transcendental. É como a luz do Sol chegando com um volume de gama reconfortante aos olhos e à pele pela sensação de amornar. Ao fundo, falatórios incompreensíveis se confundem entre um coro de quatro vozes angelicalmente infantis sobrevoando o cenário, uma estratégia também adotada tanto pelo Pink Floyd quanto por Liam Gallagher para criar um contraponto sonoro. Asha Denhoy, Aya Mitchell, Joey Capella e Maia Denhoy são os responsáveis por receber o ouvinte e encaminhá-los para um local ensolarado, de ânimo honesta e sinceramente comovente que se apresenta através de uma melodia doce e contagiante que dá ao espectador a oportunidade cristalina de degustar os sons do trompete de Tony Kadleck, do trombone de Michael Davis, dos rompantes do saxofone barítono de Andy Snitzer e do baixo de Brian Yale de forma unida e, ao mesmo tempo, separadamente. Nesse instante Rob Thomas entra com seu timbre sereno e igualmente doce, de maneira até mesmo a lembrar aquele de Brent Smith, amplificando a sensação apaziguante que é exalada do contexto de Friends. Grandiosamente harmônica, a faixa ainda oferece um pré-refrão estimulante em que as notas do piano de Matt Beck podem ser ouvidas como um fator a enaltecer a melodia com suas singelas inserções de notas graves. Calorosamente aconchegante graças à valsa sincrônica entre as guitarras de Kyle Cook e Paul Doucette, ele encaminha o espectador para um refrão conotativamente emocional e contagiante que, além de contar com o retorno do coral infantil, deixa os ouvidos do espectador ainda mais sensíveis, a ponto de, nos momentos subsequentes, ser possível também identificar o sonar folclórico do uillean pipes de Cillian Vallely na base melódica. E assim, com Friends, uma música sobre fé, perseverança, confiança, adoração à vida e à percepção do indivíduo como algo real e palpável, e a importância da troca de emoções com pessoas que se importam, que o Matchbox Twenty marca seu retorno ao circuito musical global.


Um indie rock contagiante se faz presente através da bateria e da programação de Doucette. É assim que a alegria estimulada em Friends continua existindo no presente cenário mesmo que em medidas menores. Contagiante e melódica, a faixa tem uma beleza sensível através de sua melodia delicada e reconfortante em que o piano tem maior protagonismo em relação à composição anterior. Wild Dogs (Running In A Slow Dream) é um produto que, novamente, convida o ouvinte a degustar a vida em sua máxima experiência, a deixar o sofrimento de lado e a se apoiar em coisas boas. É um sonho narrado pelo senso inquietante de liberdade que desperta e incita o espectador a simplesmente se permitir.


Com um rock alternativo fresco ao estilo U2, o novo cenário é iniciado com sobrevoos amenos da guitarra e de um igualmente sereno alicerce vindo da bateria acompanhados por um baixo de grooves dedilhados bojudos e sincopados. De estrutura linear em seu primeiro verso de ar, Rebels exala uma sonoridade límpida e suave que narra o amadurecimento de maneira sincera e delicada. Deixar a rebeldia de lado, os impulsos, a teimosia, o demasiado senso de querência para, finalmente, assumir a própria identidade. Rebels é uma canção que, inclusive, traduz a nostalgia da despreocupação e da liberdade da ausência de compromissos da maior idade. É a saudade do passado com a consciência da necessidade do autoconhecimento para encontrar e assumir a própria essência.


A chuva cai em gotas de grossura generosa, mas não de forma torrencial. Seu sobrevoo até o solo é suave, mas traz, consigo, uma dramaticidade latente e lacrimal que é muito bem representada pelas notas graves e espaçadas do piano. Dá mesma forma, a voz de Thomas se apresenta ao ouvinte. Com uma visceralidade não lancinante, mas de evidente dor quase entorpecida, ela caminha de forma cabisbaixa, de olhares fundos e mente cheia de pensamentos desconexos. Como a luz do Sol rompendo o cinza denso das nuvens, o sonar do órgão hammond introduzido pelo teclado de Gregg Wattenberg surge como um lampejo de esperança, de oportunidade de recomeço. Crescendo em harmonia a partir da presença dos backing vocals de Doucette e Cook pronunciando versos de impacto, One Hit Love vai ganhando novos tons inspiradores, intensos e comoventes conforme novos instrumentos iniciam seus próprios diálogos em torno do tema central proposto pela composição. A delicadeza sincrônica executada entre os seis violinos e as quatro violas, além de dar embasamento a dramaticidade do enredo sonoro, insere doçura, sensibilidade e uma suavidade educadamente belas que fazem de One Hit Love, uma música que continua a reflexão sobre a relação com o tempo. Propondo um pensar sobre as atitudes tomadas, a música é um material que se baseia no senso de esperança, perseverança, persistência. Uma música que traz a força do amor como mote para a resistência na continuidade na trilha da vida e que conforta por trazer a certeza de que, mesmo nos dias ruins em que pendemos para o caminho errado, estamos sempre acompanhados por uma figura de pura compaixão que se importa e que cuida das pessoas para que, todas, estejam seguindo na direção correta.


Sons percussivos aparecem como a introdução de um cântico nativo. Quando a guitarra ocupa seu lugar, uma suavidade fresca é construída de forma a promover a sensação de se estar presente em um mosteiro ou em algum templo de religiosidade oriental. Rompantes de um sonar bojudo são colocados de maneira cuidadosamente pontual para instigar crescentes harmônicas momentâneas como se fossem avisos de uma embrionária dramaticidade melódico-narrativa. Com um singelo swing trazido pelo compasso do baixo, Warm Blood, com sua narrativa inicialmente sobre relacionamento, ela é uma canção que instiga o ouvinte a expor sua verdadeira identidade, a mostrar quem é de forma autêntica. Uma música que incentiva a não ter medo de julgamentos alheios e expor seus ideais, seus pensamentos e suas características a partir de uma mistura de indie rock com post-rock.


Doce, delicado, comovente e reconfortante. A introdução executada somente pelo piano traz uma intensa sensação de aconchego que transcende o contexto melódico, um feito que acompanha o espectador durante toda a execução da faixa. Mantendo o quesito sensível em sua base melódica graças a uma bateria de igual generosidade embutida por Gunnar Olsen, Queen Of New York City se matura como um material folk melódico que traz uma personagem central como artifício de deixar a narrativa mais viva e penetrante. É a partir desse sujeito que Queen Of New York City atrai o ouvinte para sua narrativa sobre liberdade, autoconfiança e, também, fé.


É como um time lapse mostrando o desabrochar das flores, o nascer do Sol, o secar do sereno no gramado. Semelhante à introdução de Beautiful Day, single do U2, o amanhecer da nova faixa tem na sensibilidade entre guitarra e vocal como seu principal ingrediente penetrantemente melódico. Entre frases ondulantes, mas com perceptível harmonia, a faixa-título é um produto de narrativa delicada que apresenta um personagem lidando com momentos introspectivos nocivos ao seu psicológico. A insegurança, a depressão e sua falsa sensação de conforto como fatores que, mesmo quando quase vencidos, impedem o indivíduo de se enxergar e de reassumir o controle sobre suas próprias emoções. É assim que a faixa-título se apresenta como um material sobre autoconhecimento bem como enfrentamento dos medos e temores que acompanham intuitivamente o ouvinte em sua jornada terrena. É a pura instabilidade emocional frisada em versos como “and I walk on wires”, “and I lose myself” e “I'm still afraid”.


Delicada e reconfortante como um abraço materno, a união entre o piano e o sonar do hammond trazido pelo teclado sugerem um torpor curiosamente protetor como se o ouvinte estivesse livre de qualquer tipo de sofrimento a partir da envolvência de uma estrutura semelhante a uma redoma. De harmonia delicada, mas comovente e ao mesmo tempo estimulante, Hang On Every Word é como a continuidade do diálogo da faixa-título, pois propõe força, resistência, persistência, autoconfiança e estabilidade emocional. Tal como um mote onipresente da faixa-título, Hang On Every Word conforta o ouvinte ao dá-lo a certeza de que, mesmo nos momentos de dor, sempre haverá uma figura invisível promovendo acolhimento e proteção para que o indivíduo sofrente caminha pelos terrenos instáveis com admirável resiliência.


Com um indie rock contagiante e minimalista, surge o novo alvorecer. Em um compasso 4x4 e uma harmonia mais contida, Don’t Get Me Wrong, além de Friends, se apresenta como uma música de carácter radiofônico. Curiosamente, porém, a presente faixa apresenta um personagem imerso em sentimentos antagônicos de cansaço e frieza. A relação com um passado negado cujas vivências moldaram uma personalidade escondida de muitos, mas cujos instintos surgem sem aviso e surpreende os demais. Don’t Get Me Wrong é a assumição de uma fase de fraqueza em que o interlocutor exibe a necessidade do apoio para poder superar sua fase de instabilidade emocional. 


Enquanto o piano se apresente com dedilhares que mesclam agudez e grave, outra voz se apresenta ao ouvinte. De timbre levemente mais grave e com sutis toques ásperos, Cook assume os vocais em I Know Better, uma música que, além de introspectiva, é majoritariamente minimalista cuja harmonia oferece uma curiosa sensação fantasmagórica. I Know Better é uma canção em que o Matchbox Twenty apresenta uma narrativa de dois personagens em que um é tido como um ser superior, onipresente e espiritual. O outro, um ser mundano. É aí que nasce o diálogo em que o primeiro se mostra atento a todos os atos do segundo e todas as advertências possíveis de lhe afetar. Saber todas as respostas, é apenas um meio de dizer que, como um indivíduo onipresente e transcendental, possui a capacidade de enxergar o futuro, o destino que cada atitude tomada pode levar. É assim que I Know Better se mostra como uma continuidade de Hang On Every Word.


Reenergizante, alegre, colorida. É como um banho de esperança e ânimo, uma sensação de uma enigmática felicidade esplandecedora. De base new wave e estrutura que mistura elementos do rock alternativo, No Other Love ainda surpreende ao mergulhar na experimentação entre R&B e soft rock com um toque extra de frescor vindo da voz que acompanha Thomas. Suave e com pitadas de uma delicadeza gélida, o timbre de Amanda Shires deixa No Other Love ainda mais contagiante. De base lírica romântica que trata inicialmente da superação do término, a faixa traz consigo a verdade de que até mesmo as imperfeições podem cooperar para a perfeição, para a beleza. Assim como Wild Dogs (Running In A Slow Dream) e Queen Of New York City, No Other Love incita o personagem a se manter em movimento, a obedecer um senso de liberdade como método para sentir a força da presença de uma figura onipresente maior e religiosa.


Na forma de um folk majoritariamente minimalista, Selling Faith é uma canção melódica em sua estrutura melódica enxuta e com uma energia contagiantemente simples. Tendo na guitarra o elemento a trazer leveza e cor a uma base sonora opaca, Selling Faith é uma canção em que o personagem lírico se encontra perdido em uma parcela de culpa por seus atos e aprendendo a conviver com ela. Inclusive, ela é mais uma canção de Where The Light Goes em que o indivíduo se percebe necessitado da ajuda de uma figura onipresente para encontrar o caminho da evolução e do crescimento espiritual.


Foram mais de 10 anos para que o Matchbox Twenty compusesse um material com canções ineditas, mas Where The Light Goes mostrou que tal intervalo fez valer a espera. Afinal, o novo material do quarteto floridense é fresco, melódico, educado, harmônico e, acima de tudo, motivacional.


Não é um material que pode ser considerado cristão, mas seus 12 enredos ensinam o ouvinte a ter fé, a confiar no destino e a saber que tudo o que acontece em nossas vidas tem um propósito. Comunicando e se apoiando na ideia de que todos os indivíduos, sem exceção, são acompanhados por uma figura onipresente que acalma, conforta, tranquiliza e auxilia no encontro do caminho certo a ser trilhado, o álbum possui um viés esperançoso que muito flerta com aqueles presentes em Acoustic Hymns Vol. 1 e Dominion.


Tendo Friends como a música mais significativa e completa no que se refere à conjuntura harmonia, melodia, ritmo e letra, Where The Light Goes é repleto de títulos de bela sonoridade e que servem como base para importantes lições. One Hit Love, Warm Blood, Hang On Every Word e Selling Faith são bons exemplos.


Entre comunicar a força do amor como estrutura para manter a vida em funcionamento, instigar a autoconfiança e dar a certeza de que nunca estamos sozinhos, as faixas são como o verdadeiro alicerce da proposta moral e narrativa do álbum. Não por menos que tais títulos surpreendem o ouvinte pela profundidade de suas mensagens.


Para encaixar uma trilha sonora que representasse bem cada palavra e cada sentido proposto às músicas, o Matchbox Twenty se aliou a Manny Marroquin, Serban Ghenea e Rob Kinelski para o trabalho de mixagem. Os profissionais conseguiram fundir indie rock, new wave, folk, R&B, soft rock, post-rock e rock alternativo de maneira cristalina e exalando uma perfeita sinergia entre os integrantes.


Lançado em 26 de maio de 2023 via Atlantic Records, Where The Light Goes é um álbum de belas, educadas e polidas harmonias. Motivacional e construtivista, o material tem forte caráter religioso ao trazer enredos sobre fé e sobre a figura de um ser onipresente como espécie de um protetor. É um álbum que funciona como um remédio espiritual em que o ouvinte, ao acabar de ouvi-lo, tem a sensação de estar reenergizado, leve, esperançoso e positivo sobre a vida.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.