NOTA DO CRÍTICO
O grupo tem seis anos, mas já traz uma experiência que o faz assumir uma maturidade precoce. Com um disco de estúdio na bagagem, o Stella Folks inclui mais um item em sua mochila: o primeiro EP da carreira. Intitulado Vênus Em Aquário, o trabalho chega após o anúncio sequencial de dois singles.
É como estar sentado sob a areia branca da praia observando o vaivém da maré em um entardecer de verão. Ao fechar os olhos e simplesmente se concentrar nos sentidos táteis, é possível sentir a brisa acariciando a pele ainda úmida do mar e causando arrepios de frescor. Esse é o cenário paisagístico-sensitivo que a melodia formada pelo doce riff da guitarra de Rafael Pollmann unido tanto ao suave ressoar do violão de Thiago Mates quanto pela macia levada da bateria de André Guesser oferece ao ouvinte durante a introdução da faixa-título. Em uma interessante mistura de pop e folk, a canção vai adquirindo cada vez mais uma textura reconfortante como o balançar da cortina ao receber os ventos do amanhecer. Sendo possível identificar, a partir de esquinas sonoras do primeiro verso, singelos parentescos com a melodia de Quem De Nós Dois, single de Ana Carolina, a canção ganha uma amplitude de leveza com a entrada de um vocal categoricamente suave, harmônico e tranquilo. É novamente Mates imputando uma tranquilidade extasiante que é agraciada por uma dose extra de doçura percebida a partir da sutileza do fender rhodes que paira tímido pela superfície rítmica. Ganhando dramaticidade e participações pontuais e necessárias do piano para levantar a energia emocional, a faixa-título evidencia um lirismo que conta a história de um personagem que, em vista da fuga da solidão, parte em busca de algo que lhe desperte a noção de pertencimento, autoestima ou que simplesmente lhe possibilite esquecer, ao menos por um instante, as memórias de um alguém que um dia lhe deu amor. No mais, na faixa-título é possível encontrar, ainda, influências melódicas com Hey Jude, single dos Beatles, ao mesmo tempo em que se percebe parentescos estilísticos com algumas das baladas do Jota Quest e mesmo de Nando Reis na receita melódica.
É como o observar do horizonte pelo vidro embaçado pela chuva em um entardecer de outono. Um olhar profundo, mas vago, como se estivesse tentando encontrar uma passagem específica entre as gavetas da memória. É como a saudade formando lágrimas cuja origem foi súbita, mas correspondida pelas emoções do momento. É com um aroma nostálgico-melancólico esvoaçando entre a paisagem que a canção tem seus primeiros sonares. Com um vocal mais aberto e com uma correspondente comoção e afinação adocicada, Mates é acompanhado por pinceladas de dulçor colocadas delicadamente pelo fender rhodes entre as fases melódicas dessa que é uma canção que vai fazendo o céu se abrir e a luz do Sol banhar o gramado de maneira suave e constante. Com um embrionário hard rock folkeado, Quebrando Vidraças surpreende o ouvinte com a entrada de um vocal forte e levemente grave. É Gui Guedes trazendo, ao lado dos dedilhares folks vindos do dobro de Daniel Arena que sobressai delicadamente perante a sonorização, potência e presença para um lirismo que estimula o ato de ser quem se é, de esnobar julgamentos alheios, de abrir um sorriso ao mundo, de ser grato e do presenciar o agora. Melódica e pra cima, a melodia da faixa chega a fazer os pelos se arrepiarem, os olhos brilharem e uma estranha felicidade embebida de adrenalina tomar conta do corpo. Sem dúvida, Quebrando Vidraças é um importante single de Vênus Em Aquário.
Uma guitarra folkeada é ouvida ao fundo acompanhada de um som trotante. Eis que uma levada com nítida influência do hard rock folkeado do Aerosmith toma forma e fôlego. Com um swing grave, a melodia vai fazendo com que o ouvinte, aos poucos, vá sendo fisgado pela personagem central da canção, uma figura enigmática e onipresente que o espectador apenas ouve falar. Aos poucos, com uma guinada de groove e rompantes de um baixo encorpado inseridos por Raphael Faria, o público finalmente entende que Stella é uma canção sobre uma figura mitológica e fabulesca que representa a liberdade, o desprendimento e o puro espírito de independência perante a imagem da insegurança melancólica que é o eu-lírico.
Risada. Guitarra elétrica distorcida e aguda. Clima de descontração e diversão. A bateria entra em uníssono promovendo uma levada contagiante. Aqui, por outro lado, a melodia não traz uma mistura com o folk e sim com o funk, o que acaba por construir um swing até mesmo mais acentuado e um groove mais marcante que é preenchido por uma acidez entorpecente vinda do hammond. Fundo Do Poço é uma música sobre um personagem que, como o próprio nome sugere, está no fundo do poço, na pior. E nesse ínterim, existe o diálogo que põe a fé no cenário de maneira a estimular o personagem central a nela se apoiar para não perder as esperanças.
A própria grafia usada para adornar as letras de Stella Folks já diz muito do que se encontra no EP. Afinal, Vênus Em Aquário é um trabalho cuja base rítmica é profundamente enraizada no folk, mas é aberta para outros gêneros que vão compondo a paleta de cores das melodias, como é o caso do puro rock e do hard rock.
É possível de se perceber, a partir daí, aromas bucólicos, interioranos e até mesmo de um velho oeste estadunidense com os swings presentes entre as curvas rítmicas do EP, um produto leve e divertido, mas muito preciso, de som firme e bem executado que informa que o time de músicos responsável por fazer a sonorização das faixas é consistente e competente.
Falando de assuntos como uma paixão não correspondida, solidão, melancolia e ao mesmo tempo de busca pelo autoconhecimento, autoestima e fuga do vazio. Tudo isso de maneira singela, amena e até mesmo divertida com direito a muito groove, swing e também leveza.
Graças à autoprodução, Vênus Em Aquário soou autêntico, consistente e original. Mas existe também a mão de Rafael Pfleger na arquitetura sonora do trabalho. A partir dela, todos os instrumentos, inclusive os sons de fender rhodes e hammond feitos pelo piano acústico de Diego Stecanela, conseguem ser degustados individualmente e em conjunto, além de ocasionar um resultado equalizado e de alta qualidade.
Fechando a conjuntura da obra, vem a arte de capa. Feita entre Renan Casarin e Moyses Lavagnoli, ela traz como se fosse a personificação astrológica da união dos signos vênus e aquário. Na fotografia, existe certo suspense provocante pelo fato de trazer a personagem, ali representada por Mandy Justo, de costas. É como a narrativa da música Stella. Ela é uma figura mitológica que só é sensitivamente percebida. No mais, a paisagem adornada na imagem comunica tudo o que o EP oferece: leveza, tranquilidade e pitadas de nostalgia.
Lançado em 27 de abril de 2022 de maneira independente, Vênus Em Aquário é um EP que reforça a competência do Stella Folks. É um trabalho consistente, bem executado e com muito groove e swing. Cada melodia nele presente merece a devida degustação devido ao resultado da união dos elementos sonoros ali presentes.