Luno - Homo Pacificus

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Depois de integrar a composição de Plástico Lunar e ao mesmo tempo em que divide suas atuações com as bandas sergipanas A Banda dos Corações Partidos e Madame Javali, Luno se lança de maneira solo no mercado musical nacional. E seu primeiro trabalho nessa nova empreitada é o álbum intitulado Homo Pacificus.


É curioso como com apenas dois elementos se cria um ambiente gótico. O tilintar do sino e os gritos das corujas dão um ar sombrio, algo que ganha um peso substancial assim que ocorre a entrada de Luno Torres. Apesar de sua voz aguda e de sotaque nordestino contagiante transformar a atmosfera em algo mais ameno, o teor lírico da força à energia sombria e, até mesmo, mórbida. Isso porque a morte flerta com o mistério em meio a um ritmo minimalista. E nesse aspecto, Leo Airplane tem grande importância. Afinal, é seu piano em ritmo cadenciado que cria um movimento atraente em As Corujas – Parte 1 (Prenúncio), quase como um blues.


Como continuação da faixa anterior, As Corujas – Pt. 2 (Para Mário Jorge) tem um início de energia totalmente diferente. Com uma ambientação totalmente imergida na mistura entre as melodias psicodélica e progressiva, a canção tem linhas de baixo bem marcadas que entregam um groove acentuado que se soma à estética planetária oferecida na canção.


Com o mellotron novamente na dianteira sonora na introdução, Valerie possui uma cadência e um groove ainda superiores àqueles observados em Coruja – Pt. 2 (Para Mário Jorge). Parece que essa crescente em elementos de contagio e de movimento melódico é uma determinante assinatura sonora de Homo Pacificus. Mas especificamente na presente canção, essas características se devem à interpretação de Perninha, que criou uma linha de bateria imergida no forró e harmonizando com o groove do baixo.


Em Senhorita Aflita a melodia experimenta uma nova roupagem. Formada entre o blues rock e o acid rock, ela tem uma harmonia macia e confortável que parece carregar o ouvinte como a brisa mais amena. É com a entrada do refrão que a canção mostra todo o seu potencial atrativo e sua estética radiofônica. De estética sonora chiclete, ele se baseia em frases monossilábicas, mas capaz de capturar o ouvinte.


É uma tarefa difícil ouvir a introdução de Lá Se Vai Mais Uma Vida e não associar a melodia com aquela arquitetada no icônico despertar da faixa tema de abertura da série A Família Addams. Afinal, as linhas de piano criadas na música de Homo Pacificus produz sonoridade de extrema semelhança. Com a entrada do verso de ar, a estrutura se inclina para um blues folk tal como acontece em I’m on My Way, single do The Proclaimers. Apesar dessas semelhanças, a canção de Luno apresenta um lirismo de peculiar humor que, apesar de crítico, encanta.


Melódica no sentido mais estrito da palavra. Groovada em sua melhor definição. Mas ao mesmo tempo, comercial sem ser clichê. Eis Fera Humana, uma música com veia blues, mas que tem também flertes entre diversos estilos que transitam entre o tropicalismo e blues, a canção tem um quê de melancolia que se esvai momentaneamente durante o solo de guitarra, o qual cria uma sonoridade de semelhança latente àquela estrutura adotada por Harvey Hinsley em Every 1’s a Winner, single do Hot Chocolate.


Com instrumental incrustado na estética progressiva, Troféu Nada Sou tem groove, tem uma musicalidade complexa não por conta de uma rigidez rítmica, mas por conta da criação de uma sincronia entre os instrumentos capaz de criar harmonia sonora encantadora e bela. 


No mínimo diferente, peculiar. Causa suspense e pitadas de pavor. A introdução de Circo de Focas tem uma dramaticidade e uma sonoridade de ar aterrorizante que causam uma expectativa masoquista por parte do ouvinte para saber quais serão os próximos passos da estrutura rítmica. E nesse quesito existe surpresa, afinal, a inserção da sonoridade da sanfona cria um ar de ingenuidade e desproteção que enaltecem aquela noção de perigo.


Com base no jazz e blues graças às linhas de bateria, Incensai é hipnotizante tal qual o efeito de drogas ácidas. Por outro lado, o ritmo construído na canção carrega uma melancolia latente que pode ser expressa pelo solo do mellotron, o ponto alto da composição.


Sem delongas, o trabalho de estreia na carreira solo de Luno é uma viagem à década de 80, às discotecas e às drogas ácidas. Homo Pacificus é um álbum incrustrado na psicodelia, mas com uma mistura latente com o progressivo. Em menor quantidade, outros gêneros se fazem presentes nele, como o folk, o blues rock, o tropicalismo e o forró.


É interessante notar que o trio não esconde sua origem nordestina, pois em diversos momentos a base rítmica recria a sonoridade dessa região. Porém, essa não é necessariamente a assinatura melódica de Homo Pacificus. Ela se baseia em uma crescente instrumental e na presença predominante e em destaque do mellotron, a qual cria uma ambientação planetária e astral tal qual o acid rock e o psicodelismo pedem.


Gravado em 2019 no Orí Estúdio e no Disco de Barro, o disco consegue capturar essas características em sua arte de capa. Feita por Gabriel Barreto, ela possui cores que se misturam entre vivas e frias, mas ambas em tratamento estourado. Com efeito tremido, ela causa ainda a ideia de movimento estático, tudo cooperando e reforçando aquela base ambiental ácida.


Lançado em 25 de março de 2021 de forma independente, Homo Pacificus é um disco definitivamente psicodélico e progressivo. É necessariamente um disco ácido. É convidativamente inebriante. É audaciosamente experimental. 

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.