Long Beatz - Inefável

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Um prazer indescritível. Essa é a junção de significados para ‘inefável’, adjetivo escolhido para nomear o primeiro álbum de estúdio da carreira de Long Beatz. Aos 29 anos, além de Inefável, o gaúcho possui meio milhão de ouvintes no Spotify e também o Núcleo Label, selo cuja intenção é assinar contrato com artistas inovadores ao redor do mundo. 


Uma marola dramática, chorosa e entristecida invade o ambiente como um abraço lascivo. Entre a base gélida promovida pelo teclado de Drow Mattos e o subgrave empregado pontualmente para introduzir pressão, o trap cheio de chimbais sincopados da faixa-título acompanha Long Beatz e os convidados Leviano e TZ da Coronel por um lirismo sobre um indivíduo que subiu na vida sem se despir de sua essência. No que tange a participação de Coronel, ele é aquele integrante cuja voz metalizada é o artifício marcante da melodia linear e minimalista da faixa-título e, também, o responsável de evidenciar a rotina do personagem lírico, que, entre a fé inabalável, faz parte do tráfico. A faixa-título é a transparência sem pudor de alguém que não esconde suas origens e que se mantém fiel à sua história, mesmo quando ascende na carreira.


O teclado vem hipnótico e entorpecido. Com uma sensualidade suave a partir da leveza inicial com que a percussão se apresenta, Dolce é regida pelo vocal mole e folgado de Romano, cujas palavras pronunciadas de maneira quase incompreensível, cooperam curiosamente com o leve swingar de sua melodia. De tom romanceado, Dolce traz um personagem que representa a classe média baixa, ou melhor, a classe trabalhadora que, para dar conforto, diversão e na tentativa do agradar à pessoa amada, chega a contar moedas para oferecer, a ela, boas experiências. Surpreendentemente, Dolce traz um contraponto no enredo a partir da voz aguda e de veludo sutil de Azzy. Ela é quem mostra a realidade de um relacionamento que, apesar de vendido como algo bom, é egoísta, unilateral, machista e controlador. A dualidade entre a vontade de um relacionamento sério e a realidade do descompromisso. Essa é mais uma questão envolvendo o lirismo de Dolce.


O teclado vem doce e em tilintares que soam como melodias de ninar. Como sindo de longe, a voz aguda de MC Dricka pronuncia o nome de Long Beatz e dá passagem para o início do enredo por meio de PTK. Com seu timbre agridoce e equalização metálica, o cantor faz de Only Fan$ um enredo cristalinamente fogoso que fala de inveja e usurpação. 


Com um início borbulhante, cujas notas pausadas do teclado recriam perfeitamente o mesmo sonar presente em Me & U, single de Cassie, a presente faixa é a primeira em que Long Beatz surge em evidência. De timbre metálico e pronúncia coloquial, ele faz de Network uma canção que destaca a falsa amizade apenas pelo prestígio que o convívio com Beatz promove. Sem dar atenção ao famoso recalque, o trapper agora recebe a participação de DNasty, cantor que, com seu timbre áspero e cadência acelerada, quase rappeada, dá conselhos a Beatz para que este foque no trabalho, que o resto com ele virá.


Embriagante, nauseante e mareante, a presente faixa vem com um ritmo de marcação ainda mais afiada em relação às canções anteriores. De chimbal mais sincopado e de caráter mais denso, Trap De Bandido 2 é narrada inicialmente por MC Tikão que, de timbre metalicamente anasalado, fala sobre superação, mas também sobre os desafios da vida até a ascensão. Já o timbre ácido, agudo e de leves aspereza e agressividade de MC GP faz de Trap De Bandido 2 um recorte dramático da ostentação e das condições para determinados ganhos.


De dramaticidade lancinante e sob melodia linear, Criminoso acompanha Lc da 100 no enaltecimento daqueles que são tidos como criminosos, na glorificação dessa profissão construída no âmbito popular e no brilhantismo da dificuldade que precisa ser atravessada para se chegar a esse título. Sob as vestes de Yung Nobre, Criminoso é ainda a narrativa da ascensão de traficante para astro. Das ruas ao palco. A mudança de vida, de paradigma. Criminoso é um rap lancinante sobre a relação com o crime associado à música.


Macia e cheia de subgraves dramáticos rondando seu ritmo, Qual Vai Ser comunica a partir das ondulações do teclado, curiosos lampejos de uma semelhança melódica com a dramaticidade intensa promovida pelas guitarras de James Hetfield e Kirk Hammett em The Unforgiven, single do Metallica. Entre rimas e uma ambiência embriagante, Raffé, Rod 3030 e Oscar fazem de Qual Vai Ser uma canção que transita entre a futilidade e o consumismo, inveja, interesse e, principalmente, ostentação. Curiosamente, Qual Vai Ser é a faixa mais melódica e curiosamente atraente de Inefável.


A cadência vocal é rappeada, mas os intensos subgraves constroem uma base trap. Tendo em 1Kilo o elemento lírico-melódico, Sem Tempo é marcada pela quebra de tempo entre lirismo e sonoridade. Ganância, inveja e prazer. A faixa é como uma embrionária expoente da vertente da ostentação.


Ogtreasure transforma Mídia Freestyle em um produto cujo enredo lírico por si só já vale a canção. Com sua boa dicção e cadência, ele mistura deboche e coloquialismo. No entanto, Mídia Freestyle, a partir da participação de Tharealjugboy, se matura como um produto crítico à mídia mainstream, que só se interessa pelas comunidades quando, delas, saem indivíduos que se tornam produtos da indústria e que geram audiência.


Entorpecente e embriagante. Como um susto, a voz grave, ácida e bem pronunciada de Cartel MCs entrega texturas e um contraponto melódico interessante. Tendo o teclado, com suas notas pontuais e aveludadas, promovendo uma singela recriação daquela melodia melancólica de Pushing Me Away, single do Linkin Park, Esquinas é um rap existencial sobre a relação com o tempo, o passado, a superação. A desarmonia, o pânico enrustido e os efeitos de uma rotina instável na construção da essência do indivíduo. A representatividade e a homenagem aos parceiros de comunidade. Novamente, a superação. Dores, nostalgia. A tentativa de uma vida melhor. Esquinas é uma canção lancinante, dolorida, melancólica. Um retrato visceral e autobiográfico da rotina da comunidade e da pureza do indivíduo como alicerce do incentivo pela busca de uma vida melhor. Sem dúvida, a canção mais marcante de Inefável.


Inefável, o prazer indescritível. É curioso como essas definições do dicionário, ao serem fundidas em uma única palavra, dão vasões para uma gama de situações que se misturam em uma rotina permeada pela dramaticidade, impunidade, periculosidade e instabilidade. A vida na comunidade é regida pela ostentação, pela aspiração à riqueza e pela simplicidade. É isso o que Inefável traz.


Entre enredos de bases autobiográficas sobre superação, romance, dor, inveja e prazer, o álbum apresenta um artista sem medo de mostrar de onde veio, suas origens e sua essência. Long Beatz veio da comunidade, do mundo do crime, com nenhum tipo de receio de apresentar ao mundo, sob uma cortina transparente, qual seu berço. Apesar de estar ascendendo na vida, seus amigos, suas rotinas e sua rotina continuam os mesmos.


Com auxílio de Mattos na produção, Long Beatz entregou, como um álbum de estreia, um produto autobiográfico que, de certa forma, pode até ser chamado de jornalístico. Afinal, ele é construído por diversos pontos de vista de uma mesma realidade, tornando o trabalho enriquecedor e diferenciado.


Lançado em 10 de fevereiro de 2023 via Warner Music Brasil, Inefável é um produto cristalino sobre a rotina da comunidade. O perigo, o armamento, o tráfico, o sexo, a ganância. É a conjuntura de retratos do ambiente que trouxe ao mundo Long Beatz, um novo expoente do trap que não tem medo de expor suas origens e que, mesmo ascendendo na vida, dela não nega e dela não foge.















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.