Leach - Lovely Light of Life

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Suécia, país nórdico onde, juntamente com a Finlândia, o power metal impera. Mas não só. Esses países são característicos por apresentar uma fusão entre rock e música clássica, melodias e sons caóticos. Empregando essa máxima, trio Leach anuncia Lovely Light of Life, seu terceiro álbum de estúdio.


Silêncio. De repente, um som crescente de uma guitarra em riff distorcido se desperta. É como se, no horizonte, a neblina da noite se dissipasse e a visão de um exército pronto para a batalha se tornasse nítida.  Essa é Prelude, faixa que, em forma de medley, encaminha de maneira fluída o ouvinte para a próxima faixa.


Um susto, no sentido mais empírico da palavra. Mas um susto estranhamente bom, pois o que recebe o ouvinte é um uníssono que exala o fator melódico. Apesar de trazer uma roupagem thrash, existe uma sinergia entre os elementos que acaba funcionando como uma peneira, retirando a agressão e imputando um som sinfônico sem nem ao menos precisar de instrumentos clássicos. Introdução superada, o thrash metal ganha força com a guitarra distorcida em tons graves e um vocal regado em drive. Markus Wikander em alguns momentos ainda insere gritos brutos e ocos tal como a métrica screamo pede. No mais, Serenade (For The Broken Brave) tem groove e, pelo seu tom áspero, muito bebe de fontes como Testament, Exodus e Sepultura.


Assim como em Prelude, aqui a sonoridade começa crescente, mas já comunicando algo grande e áspero. A partir dos repiques intensos trazidos pela bateria de Joachim Dahlström, uma jornada acelerada como o speed metal e agressiva como uma composição do Slayer se inicia. Em Carry the Stigma, porém, Wikander se coloca com um vocal agudo e rasgado de tal maneira que muito se assemelha ao timbre de Joel O'Keeffe, vocalista do Airbourne. Como um todo, portanto, a faixa é um blend que caminha livremente pelos ambientes thrash, metal e speed metal. Uma agressividade rápida.


Em Trench Walk fica nítido que a introdução calcada no uso de fade in é uma das assinaturas do Leach. A surpresa sempre vem quando os instrumentos são percebidos de maneira clara e aqui a sonoridade assume uma brutalidade transbordante a partir da tradicional métrica nu metal ao estilo Slipknot. Ao mesmo tempo, se percebe uma semelhança rítmica com aquela criada nas canções do Megadeth, tendo como especial o single Symphony of Destruction.  Fora os flertes com melodias alheias, o que Trench Walk apresenta é a perfeita mistura de thrash metal com nu metal e o metal. Afinal, há trechos que, apesar de bruto, possui uma melodia atraente que quebra momentaneamente a aspereza. Com destaque para o riff grave do baixo de Anders Nordlander, que sobressai por entre a névoa, a canção traz um lirismo sobre a morte, sobre o medo, mas também sobre o efeito de governos radicais e ditatoriais sob a população.


Sem amaciar os ouvidos previamente, o punch já chega no limite. Pedal duplo, distorção grave e dedilhados igualmente graves por cima da carcaça. É assim que Scorched Earth Tactics se apresenta ao ouvinte. Cobiça, falta de firmeza em demonstrar opinião e má-fé são algumas das críticas colocadas em um lirismo que é proferido em tom de incredulidade. E para dar peso a esse conteúdo, o metal flerta com o thrash em uma sincronia que constrói precisão e captura as emoções do eu-lírico.


Groove pode ser uma das palavras que melhor definem Aniara. Desde o início, a cadência trazida pelo riff da guitarra e pelo groove simples, mas pesado da bateria, é estimulante e envereda pelos campos do metalcore. De lirismo sobre a busca pela liberdade e sobre o descaso dos governos para com seus cidadãos, a canção é recheada de frases de impacto como “Moving on towards the brink. Like sheep led to slaughter. Blank pages, black ink but still we write in water”. 


Agressividade, aspereza, brutalidade. True North é uma típica faixa thrash metal com sua levada agressivamente acelerada calcada no compasso 3x4. Aqui, dificilmente se ouve com clareza os instrumentos em sua própria individualidade, afinal, o punch é tamanho que o que se tem é um som único, geral, que dá passagem ao único elemento que consegue sobressair ao caos, que é a voz. E é essa voz que segue com o intuito de estimular a reflexão, mas aqui, o assunto é solidão e falta de sentido na vida, fatores que atualmente muito se percebe nas pessoas.


O peso continua o mesmo, mas agora, há uma estranha calmaria. Em relação a faixas como True North, Aniara, Trench Walk e Scorched Earth Tactics, o que se tem aqui é um paraíso. Os riffs são metalizados e distorcidos, mas se encontram controlados assim como o groove de bateria, que segue na métrica 4x4. Mesmo assim, há certo caos melódico na sonoridade. Recheado de rimas consoantes, o lirismo de Down for Counting aborda um misto de religião com o comportamento hipócrita. Má-fé e luta para preservar o que ainda há de valor nas pessoas. Um single lado B de Lovely Light of Life.


De início parece ser uma composição do Metallica visto os golpes uníssonos do trio instrumental bateria-baixo-guitarra. Mas quando a introdução de fato desperta, a agilidade e a agressividade ali presentes se distanciam daquela emanada pelo grupo californiano. Afinal, além de agressiva, a sonoridade criada em Vultures emana temor e caos. E como em todo o caos, existem aqueles que se negam em perceber algo desarmonioso. Isso é um dos principais tópicos de que o lirismo trata: o negacionismo, comportamento que muito entrou em evidência especialmente nesse momento, período regido pela pandemia do Coronavírus.


Se é que pode chamar de leveza a união entre baixo e bateria, então ela existe. A introdução de Gaslighting é calcada no protagonismo do baixo de linhas graves, o qual acompanhado de um groove cuja levada permeia uma esfera mais popular. A guitarra, por sua vez, perambula como um personagem onipresente que, de repente, toma a dianteira quando a melodia retoma o peso característico do Leach. Pedal duplo, riff distorcido, mas em tom afinado e melódico. O primeiro verso permeia o ambiente misto de metal e metalcore. Solos melódicos de guitarra também preenchem esta que é uma canção que discute religião e igualdade. Outra composição com forte caráter de single.


A sonoridade metalizada em tom épico cria uma roupagem típica de trilha sonora para cenas de batalha. Quando a melodia, em crescente ascensão, encontra seu ápice, vem o então primeiro verso. Bruto, rude e agressivo, Sweet Blasphemy possui um lirismo ainda mais atual e urgente do que aquele criado em Vultures. Aqui, ele aborda o que OMS declarou como sendo excesso de informação, ou infodemia, algo que nasceu com a pandemia e não para de fazer cada vez mais parte do cotidiano. 


Para a Suécia, Lovely Light of Life é um álbum ousado. É fato que no seu despertar ele traz uma sonoridade melódica que beira o sinfônico, mas o que enraíza a sua sonoridade é uma vertente do heavy metal nascida na Europa, o thrash metal. Afinal, o som proferido no disco é pesado, agressivo, mas também cheio de groove.


Como a própria estética thrasher pede, o lirismo das canções se encontra por um tema comum, a sociedade. Cada uma das 11 faixas analisa um aspecto social, seja ele religioso, político ou mesmo comportamental. Há ainda ano conteúdo lírico críticas a situações atuais que emanam certo nível de urgência.


Mas se engana quem pensar que o Leach explorou, em Lovely Light of Life, única e exclusivamente o thrash metal. O disco transita por outros subgêneros do rock, como o metal e outros que, inclusive, são vertentes do heavy metal, como metalcore. É por essa razão que, no meio da agressão, brutalidade e rispidez sonora, há sempre aquele momento melódico que suaviza esse peso.


Christian Silver, portanto, conseguiu, no seu exercício como produtor, canalizar toda a energia e senso de urgência do trio na criação de uma sonoridade que, unindo todas as influências, fosse única e original. E essa sonoridade, em seu produto final, se mostra lapidada a ponto de passar toda essa experiência sensorial e instigar o ouvinte a até mesmo criar uma roda Mosh. 


No que tange a arte de capa, ela passa uma dupla mensagem que faz com que o ouvinte simplesmente reflita. É verdade que o álbum se chama Lovely Light of Life, mas o que foi feito por Anders Nordlander transmite, a partir dos pares de sapatos unidos e suspensos banhados pela iluminação dos raios, passa a dupla ideia de luto e ressurreição. Essa dualidade, inclusive, permeia o conteúdo lírico das 11 faixas, mesmo que se presencie em suas profundezas.


Lançado em 21 de maio de 2021 via Brutal Records, Lovely Light of Life é um disco agressivamente urgente. É a prova mais fidedigna de que os brutos também amam. A brutalidade está apenas na camada mais superficial. Nas profundezas, mora a ânsia por um mundo melhor.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.