Henrique Frederico - Lavanda

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

Seis anos de dedicação em carreira solo. Um processo que demanda autoconhecimento, concentração e empenho. Mas também é uma empreitada que pede uma reconstrução do tempo. E é nisso que Henrique Frederico mergulha para compor Lavanda, seu disco de estreia.


Pelos olhares do ouvinte, um ambiente banhado por uma chuva de verão agraciada por raios de sol de um entardecer reconfortante. Quando as primeiras notas do violão são ouvidas, portanto, uma mistura de sentimentos transita pelos poros. Melancolia divide espaço com uma felicidade em ascensão. O choro interrompido começa a ser descarregado. Isso, talvez, se deva a uma possível semelhança sonora entre a introdução de Vocabulários com aquela estruturada em Novo Mundo, um dos últimos singles póstumos à morte de Chorão lançados pelo Charlie Brown Jr.. Fora essa singela igualdade, a faixa de abertura do disco possui um quê bucólico que ganha força com o vocal sussurrado de Frederico. Abordando temas como meritocracia, personalismo e até mesmo um canibalismo industrial, a canção é pura reflexão da sociedade atual que ganha um paladar suculento com a entrada do baixo de linhas simples, mas encorpadas de André Aranha.


Toques de jazz são sentidos, mas ao mesmo tempo são abordados por uma enxurrada blues proporcionada pela sonoridade inicial de Bem Melhor. Transitando entre ambientes musicais independentes e alternativos, o riff da guitarra acompanha uma narrativa sofrida. E nela, a cadência vocal e a pronúncia de Frederico mistura referências à música emo ao mesmo tempo que, de forma proposital, algumas palavras não são proferidas por completo, o que transparece certo cansaço e desânimo por parte do personagem da canção. Musicalmente, a faixa possui groove acentuado proporcionado, aqui, pelo baixo de Deilson Borges, e uma agressividade momentânea que representa a busca por uma motivação que ainda não foi vislumbrada.


Uma explosão sentimental se firma. Bateria e guitarra se comunicam em uma sinergia melancólica linear que acompanha um vocal que, majoritariamente, possui pronuncias incompreensíveis por parte do ouvinte por ser, em volume, superada pelo instrumental. O refrão é o momento em que a equalização encontra um equilíbrio proporcionando a compreensão de um lirismo sobre o ressurgimento do brilho, da vontade de viver e da fuga da depressão. Isso fica notável em frases como “(...) mas eu não tinha cor” e “o preto agora não convence”. Ânsia é isso: o estímulo e a valorização pela vida em uma melodia que cria uma dicotomia entre a letra motivacional. Afinal, a sonoridade é de uma melancolia afiada.


A bateria de Junior traz, na introdução de Questão de Hábito, uma mistura de olodum com pancadão. Com a entrada dos instrumentos de corda, o ambiente se transforma em amenidade, um conforto cuja melodia resplandece um ar de intimidade a partir da base blues. Diferente de Bem Melhor, a faixa retoma o equilíbrio sonoro a partir de uma mixagem que, feita por Aranha, é bem executada. Curiosamente, a melodia da canção possui estrutura semelhante àquela empregada em A Cruz e a Espada, single de Paulo Ricardo e Renato Russo.


O violão que desperta Complacente apresenta ao ouvinte linhas cuja melodia se assemelha ao riff marcante de More Than Words, single do Extreme. Aqui, porém, uma atmosfera astral proporcionada pelo sintetizador abraça a sonoridade criada pelo instrumento numa criação sensorial que permite ao ouvinte tornar real a sensação do vento caminhando pela pele em uma sincronia reconfortante. No refrão, o sobrevoo das notas do violino de Helen Carvalho insere uma questão emotiva latente à melodia.


Chico Ferreira e Vinícius Faria puxam, com a guitarra e o baixo, respectivamente, a introdução de Memento. Com groove em uma sonoridade puramente alternativa cujo singelo flerte puxa para algo post-grunge, a música recria a atmosfera musical de um Brasil oitentista e apresenta um Frederico ousando ligeiramente na interpretação lírica ao incluir falsetes em seu canto. Ingenuidade, fé e a busca pelo amadurecimento em uma alusão do tempo líquido são alguns dos temas abordados nessa que pode muito bem ser considerada música single de Lavanda.


Semelhanças com Everlong, single do Foo Fighters, podem ser percebidas. A verdade, porém, é que o riff introdutório de Entre o Ácaro e a Mediocridade transparece um ar mais caseiro, de garagem, e, até mesmo, sujo. Mas esses detalhes em nada são prejudiciais, uma vez que eles entram em harmonia com o tema lírico e sua consequente proposta: a liquidez do tempo, a empatia e a sujeira emanada pelo novo comportamento social. Tudo por meio de uma melodia mais compassada e uma linha lírica narrada.


Uma guitarra em riff harmônico se apresenta. As notas por ela proferidas denotam toques de veludo e uma afinação que desperta o lado emocional do ouvinte. Quando ocorre a entrada da base sonora, aqui se referindo à bateria e ao baixo, a canção ganha groove e uma cadência bem marcada. Curiosamente, determinadas frases criadas por Junior possuem a mesma métrica daquelas empregadas por Scott Phillips nas canções do Alter Bridge. No segundo verso, o emprego do violino insere mais peso e dramaticidade para Anagrama, uma canção sobre anonimato e a normalização de questões sociais que em nada possuem de normais.


Desde o seu início, Lavanda é aquele disco que soa caseiro. Mas não um caseiro de forma pejorativa, afinal, o trabalho de Henrique Frederico conseguiu captar o melhor do conceito ‘garagem’, que é o frescor e a originalidade no que tange as composições líricas e melódicas.


Assim como fez Rodrigo Novo em Sítio, Frederico experimentou em seu disco de estreia uma atmosfera bucólica. Presente em algumas canções, essa ambientação proporciona uma interiorização do ouvinte e uma maior capacidade de reflexão. Claro que as oito faixas do álbum não possuem única e exclusivamente essa energia.


Muitas das canções de Lavanda transitam por subgêneros do rock que vão do heavy metal e o metal. O alternativo e o indie. O post-grunge e o pop. É importante ressaltar que muitos traços desses estilos se encontram entre as frases dos instrumentos como um tempero que realça o sabor, não como sendo a base.


Por falar em instrumentos, os músicos recrutados por Henrique Frederico exalam vontade e sincronia entre si. Mas o baixista Junior é aquele que demonstra mais competência e mais precisão, pois suas interpretações são singelas, mas capturam a pressão e a energia necessárias para cada música.


No quesito sonoro, o único ponto que Lavanda patinou em qualidade foi na mixagem. Assinada por André Aranha, esse campo pareceu transitar entre trabalhos bem feitos com outros nem tanto. Ânsia é aquela canção em que o desequilíbrio entre voz e instrumental é total. Felizmente, todas as outras sete faixas possuem um trabalho majoritariamente bom e que não impede a compreensão do ouvinte.


Não menos importante, é chegada a arte de capa. Esse é o fator conquista para que o ouvinte se sinta intrigado a desvendar o que o álbum guarda. Assinada por Walmir Dias, ela possui um quê enigmático. É verdade que Frederico é o ponto central, mas existe em seu terno um degrade de cores que parecem esconder uma imagem. De toda a forma, a capa transmite um ar melancólico tal qual a rápida fluidez do tempo.


Lançado em 27 de maio de 2021 de forma independente, Lavanda é aquele trabalho em que o ouvinte transita por sonoridades que exalam melodia e outras que emanam desconforto por conta do forte convite à reflexão. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.