Katze - Fratura Exposta

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não basta apenas ficar na coxia da música. Às vezes, experimentar o front é necessário para crescer. Isso se deu com o mergulho em carreira solo e, mais do que isso, com Moon Phases of a Relationship. Mas agora, Katze usou o destaque do palco para anunciar Fratura Exposta, seu primeiro álbum.


Uma voz em eco se apresenta. A sensação é que essa mesma voz é um personagem onipresente, um sopro de ar constante que narra e explica a origem do comportamento agressivo Esse mesmo sopro se transforma em um vento de clima nem quente nem frio, mas sim em um conjunto de sensações esvoaçantes que constroem um ambiente que beira a psicodelia e o astral a partir do uso sonoro de sintetizadores. Trono de Lótus é uma canção que, no âmbito melódico, apresenta uma transição entre synth pop, o indie e até o post-rock no que se refere à experimentação de texturas. Com sobreposições vocais e minimalismo rítmico, a canção ensina a enxergar a dor como um caminho para o crescimento e o amadurecimento.


Um riff de guitarra lento, mas áspero, se firma de forma linear e refresca no ouvinte a sonoridade nu metal. Ao seu lado, um som ululante vindo do sintetizador dá um corpo embriagante à canção, que se firma um rap metalizado. Em Invisível, Katze também se apoia na sobreposição vocal, mas aqui, ambas as vozes são sussurrantes, o que imprime um ar sombrio com toques de drama à canção, que se caracteriza por ser o relato de um relacionamento abusivo.


Subgraves dão peso. Mas também inserem uma conotação sinistra. Um ritmo compassado e de melodia ligeiramente estridente se firma. Kani-Kama é uma canção calcada também no rap, mas cujo lirismo oferece uma conjuntura complexa e delicada. De primeiro momento, pode-se entender que se trata de mais uma canção sobre relacionamento malsucedido. Porém, o uso de uma terceira pessoa apenas metaforiza o ato da solidão e do acesso a um subconsciente caótico. Se entender com a própria hostilidade talvez seja a mensagem principal da canção e a busca do eu-lírico.


Uma noção astral, quase como um mantra, se forma. Em seguida, o som de uma bateria cujo groove é baseado em constantes repiques entrega cadência à melodia. Servindo como cama para um desabafo sobre a relação com a morte, o sofrimento da perda de um ente querido e, também, o comodismo, está um ritmo alternativo indie que se assemelha, em sua estrutura, com aquele empregado em Clint Eastwood, single do Gorillaz. Por isso, Psicostasia é uma canção que pede estômago para ser atravessada.


Em Samsara, Katze se apresenta com notas sensuais em sua voz que, tradicionalmente em Fratura Exposta, se mostra quase como sussurrada. No que tange a melodia, a forma como o bumbo é empregado, de forma espaçada, cria uma cadência cativante para esta que é uma canção sobre pertencimento. Aqui, porém, a superfície lírica pode até mesmo parecer abordar a questão da adoção, mas no íntimo, está, além do pertencimento, a aceitação. 


O ouvinte é, surpreendentemente, transportado para o oriente através da sonoridade inicial de Obsidiana. Golpes acelerados no chimbal moldam a melodia e dão, no que tange a divisão do tempo rítmico, uma dicotomia agradável. Paralelamente, em meio à cama trap está um lirismo sobre depressão, sobre indícios suicidas e a incompreensão do mundo. 


Uma sonoridade oriental, tal como aquela ouvida em templos budistas ou outras localidades de imersão religiosa no que tange a ambientação indiana serve como base para o lirismo narrativo de Shiva (Interlúdio). O sensorial e a experimentação de texturas se mistura com uma voz doce que fala sobre questões iminentes da sociedade atual no que se refere ao comportamento e a sentimentos em voga. Quando a canção se torna trap, o narrador deixa claro que sua explanação é sobre a trajetória do ódio e deixa isso bem marcado em frases como “O ódio nosso é um esvaziamento dessa potência – criativa –. Ele vira o quê? Ele vira ressentimento”.


O riff inicial da guitarra cria uma semelhança, mesmo que singela, com aquela linha melódica criada por Daron Malakian na introdução de Aerials, single do System Of A Down. Os subgraves criam uma atmosfera pesada que se confunde em meio à delicadeza anteriormente apresentada pelo sintetizador. Mas esse caos melódico de Faca é apenas uma textura áspera que explicita a raiva e a angústia mental vivida pelo personagem lírico em meio ao diálogo entre seus próprios id e superego.


Assim como aconteceu em Faca, a introdução de Estarless, puxada pelo som da guitarra, também guarda semelhança com a melodia de outra canção. E aqui essa paridade se forma com relação à Ten Years, faixa do Rev Theory. Esse, porém, é apenas um pequeno detalhe desse despertar que é um completo menu de experimentações sensoriais. Em meio a essa viagem de sensações, o ouvinte é, também, surpreendido por um vocal masculino agridoce. É Bface que, imerso no trap, imprime toques rappeados a partir de sua cadência vocal levemente acelerada. Liricamente, Estarless pode ser entendida como mais um ponto de vista frente à depressão.


Uma atmosfera agressiva e áspera se pronuncia somente através do som do riff sujo da guitarra. Enquanto golpes sequenciais do bumbo criam a cadência e o movimento da canção, o lirismo invade a cena com questões sobre aceitação e autoconhecimento. Curiosamente, apesar de ser a última faixa do disco, Dissocial é aquela música que guarda um caráter comercial latente. A sonoridade, que apresenta uma melodia facilmente digerível, traz um vocal que, ao menos no refrão, parece convidar o ouvinte a cantar junto numa clara tentativa de fazê-los refletir sobre si mesmos e pensar se se aceitam como são. 


Acima de tudo, Fratura Exposta é experimentação. É um disco que não é post-rock, mas a essência que o subgênero prega referente à exploração de texturas sonoras está enraizada nas melodias. Até porque, na camada mais externa da sonoridade, o álbum se mostra um expoente que mistura trap e rap. 


Bastante uso de subgraves, chimbals cooperando com a marcação rítmica e uma cadência vocal característica informam essa imersão trap-rap. Porém, há também uma imersão em um ambiente mais astral a partir das sonoridades mais suaves e aveludadas proporcionadas pelo sintetizador.


Toda essa dicotomia serve como uma perfeita ilustração da mente humana, que nada mais é do que uma batalha entre os sentimentos mais instintivos e os racionais. Raiva e compaixão. Ódio e compreensão. Tristeza e felicidade. A depressão é um tema latente do lirismo de Fratura Exposta, mas também a aceitação é outro tema em destaque. 


Indo nessa linha, a arte de capa apresenta o raio x da região do tronco, local em que é armazenado o órgão dos sentimentos, o coração. De caso pensado ou não, a criação de Sayuri K. capta bem a questão da emoção como guia da vida e, com a utilização de uma coloração avermelhada, passa a ideia de urgência para que a intuição obtenha seu devido valor nos cotidianos individuais.


E capturando tudo isso está a mixagem, setor que, comandado por Gustavo Salun, torna audível todas as saliências rítmicas e as imersões sonoras em suas propostas individualizantes de experimentação. A imersão muito bem preservada a partir da equalização sonora.


Lançado em 29 de abril de 2021 via Suite Music, Fratura Exposta é única e exclusivamente, os reflexos individuais da existência na Terra. Afinal, como o próprio nome do álbum sugere, todas as pessoas são fraturas expostas dos efeitos da vida. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.