Calêendula - Rolê Pelo Bueiro

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

O surgimento de artistas e o lançamento de álbuns ou EPs de estreia não param de acontecer. Seja internacional ou nacional, o cenário musical está sendo constantemente abastecido e aqui pode-se citar a contribuição de bandas como Sacrifix, Dirty Honey, Katze, M E R O S e Tuuh. Agora, esse time ganha a companhia de Calêendula, artista que se lança no mercado com Rolê Pelo Bueiro, seu EP de estreia.


Uma voz aguda em uma narração que exala sentimentos de agradecimento e saudação. A forma como Calêendula se apresenta transporta a memória afetiva do ouvinte para estilos de canto tal qual o de Rita Lee em sua passagem pelo Os Mutantes e transborda a canção de uma energia alegre. Leve é uma canção com uma ambientação completamente tropical e com base rítmica na tropicália. Sobreposições vocais e canto de pássaros ainda sobrevoam a melodia, a qual ainda é preenchida por uma malemolência típica brasileira. Essa conjuntura sonora é a cama mais apropriada para uma letra que, acima de tudo, agracia a vida.


Curiosa e surpreendentemente a introdução de Deixa Pra Depois tem uma base pop que, no que se refere à sua sonoridade, abriga semelhança e referência à melodia construída no solo de Bad Guy, single de Billie Eilish. Fora essa temática mais pop moderna, existe um groove acentuado trazido pelo som do baixo, o qual dá um corpo atraente à composição. E não. Definitivamente o mergulho no pop não é a única coisa que impressiona. Ao se ouvir a voz, o ouvinte tem a impressão de ser outra pessoa assumindo o microfone quando, na verdade, ainda é a própria Calêendula. Aqui ela se apresenta com uma interpretação pé no chão, grave e longe do excesso e mesmo do uso de falsetes. Isso mostra uma versatilidade e uma consciência vocal por parte dela que são dignas de admiração. Na segunda estrofe, mais uma novidade. Helleno forma uma dupla a partir de um duo que, da forma como foi construído, transmite mais a ideia de sobreposição vocal tamanha a sincronia entre os cantores.


Do pop, o espectador salta para o synth-pop em Tik Tok. Refrescando na mente do ouvinte a sonoridade do Eurythmics, a música possui um lirismo baseado na autovalorização que, apesar do nome, em nada se refere ao aplicativo Tik Tok. Na verdade, a expressão em si é um artifício usado pela cantora como forma de atração de público, uma vez que a cadência vocal ao pronunciá-la estimula a memorização e o canto conjunto. Outro ponto importante da faixa é a participação de Traemme nos vocais, afinal, nesse aspecto acontece a mesma coisa que em Deixa Pra Depois: perfeita sincronia. Mas aqui também há individualidade, o que acaba somando e acrescentando mais cores à melodia.


O estalar de dedos cria a cadência. As notas do violão de Gabriel Hammer dão lampejos de uma tonalidade pastel que, na totalidade, acaba criando uma sonoridade tal qual a executada por Lulu Santos em suas composições atuais. Há algo nauseante, mas ao mesmo tempo a batida pop levanta a energia, a qual ganha uma crescente desde o pré-refrão estimulante que explode em uma mescla de dance music e pop que se forma no refrão. Olhar Castanho é, no seu lirismo, uma homenagem à pele mulata, ao Sol e, claro, ao relacionamento.


Sons percussivos imprimem um ar caribenho e praiano. O teclado, por outro lado, por meio de suas notas moles sutilmente estridentes criam uma confusão rítmica proposital até o momento em que segue o caminho da harmonia, evento que acontece no primeiro verso. Samambaia Fofoqueira é, não fosse a repetição de seu título por meio do canto, um instrumental.


Por muito pouco, ainda, Samambaia Fofoqueira não funcionou como medley para Ritual Selvagem, uma música que se inicia com o som de ruído e vozes ao fundo realizando, de fato, um ritual. Com groove e um ritmo macio, a canção é recheada de coros formados por Hammer e Bia Barros. Principalmente no que tange as técnicas vocais empregadas por Calêendula, a faixa funciona como um looping narrativo em relação à Leve, pois aqui a cantora reafirma a força e a precisão de seu falsete. Além disso, a cadência lírica formada no refrão imerge na estrutura do soul, o que acaba engrandecendo essa que é mais uma faixa expoente do ritmo pop com flertes no synth-pop.


É uma perfeita experimentação sonora. Ao mesmo tempo em que se percebe traços bastante marcantes da tropicália, Rolê Pelo Bueiro também tem muito do synth-pop e do pop moderno. Se utilizando então desse gênero popular, vem a empreitada inquestionavelmente social abraçada por Calêendula.


É verdade que em nenhum momento o lirismo do EP aborda temas relacionados à pandemia, mas é fato que esse cenário tem causado desconforto e, até mesmo, certo desânimo. E é aí que entra a força das letras de Rolê Pelo Bueiro. Enaltecimento da natureza, da fluidez e, principalmente, agradecimento e a oferta de alegria à vida são temas que moldam as oito faixas do trabalho.


Outro ponto interessante é que em canções como Leve e Ritual Selvagem existe uma grande imersão melódica no universo do sonoro criado pelos Secos & Molhados. Um universo que é abordado também na arte de capa feita por Beto Assem, afinal, as cores quentes dividem espaço com cores frias em uma alusão entre movimento e rigidez. Mas o que também causa uma semelhança à banda de Ney Matogrosso é a forma como Calêendula se apresenta. Afinal, sua roupa e maquiagem encarnam a essência temática do grupo setentista.


Lançado em 30 de abril de 2021 de forma independente, Rolê Pelo Bueiro é essencialmente tropical, indiscutivelmente pop e imergido no conceito da tropicália. Um Brasil dos anos 60 e 70 é musicalmente fundido no EP de estreia de Calêendula.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.