NOTA DO CRÍTICO
Califórnia. Estado berço de bandas consagradas do pop punk, como Green Day e The Offspring. O território serviu como palco da origem também de grupos icônicos de hard rock, como Mötley Crüe, Tesla e Guns and Roses. Esse time ganhou um novo integrante. Ele se chama Dirty Honey, conjunto de Los Angeles que, depois de seu EP autointitulado, chega agora com seu primeiro disco de estúdio, também autointitulado.
Uma paisagem praiana recebendo os primeiros raiares de sol é oferecida por uma guitarra de riff melódico com leves toques nostálgicos. A entrada da linha do baixo já proporciona groove e corpo para a conjuntura atmosférica em construção. O groove em si é aquele ingrediente que, em California Dreamin’ não é mérito apenas do baixo. Afinal, o primeiro verso da canção é preenchido por um riff de guitarra groovado que, criado por John Notto, oferecem muito mais ao ouvinte. Swing, sensualidade, notas de malandragem e uma mescla de clássico com moderno se firma na estrutura da música. A imersão no hard rock setentista se concretiza de forma precisa com a entrada de um vocal afinado, rasgado e consistente. É Marc LaBelle lançando, além de frescor, uma letra que exala liberdade e confiança no destino. Existe certa semelhança, portanto, entre o sonho californiano do Mamas & Papas e do Dirty Honey. A Califórnia é reduto de segurança, mas também é local de uma vida descontraída, guiada pelo acaso.
Um uníssono entre guitarra e bateria emana groove. Essa sonoridade contem um compasso que, assim como na música anterior, segue a receita da mistura entre swing e malandragem. Curiosamente, em The Wire é o baixo de Justin Smolian que sobressai diante da harmonia. Suas linhas firmes, cadenciadas e precisas, além de funcionarem como um guia para os demais instrumentos, possuem ligeira influência e semelhança com aquela estrutura empregada por Cliff Williams nas canções do AC/DC. Do lado vocal, a canção segue mostrando a força, o potencial e a competência de LaBelle.
Em Tied Up, as linhas da guitarra transmitem ao ouvinte a certeza de que o Dirty Honey como um todo bebe da escola do Aerosmith. Afinal, os timbres e os compassos por ele empregados trazem muito da assinatura de Joe Perry e da essência melódica de Born This Way. Por essa razão, a estrutura da faixa proporciona uma convivência harmônica entre o funk, o hard rock e o blues como uma roupagem para uma letra sensualmente enigmática. Ela pode estar falando sobre o efeito e o gosto pela droga, mas também uma alusão ao sexo. Duas realidades plenamente comuns e fáceis de serem vivenciadas em uma Los Angeles dos anos 80.
Take My Hand possui uma introdução pesada, excitante e enérgica cuja estrutura se assemelha com a sonoridade apresentada no instrumental final de White Bird, single do Palace Of The King. Com uma cadência estimulante e um compasso cativante, a canção mantém a base funk construída em Tide Up, mas nessa receita é adicionada uma quantidade razoável de agressividade. Um amor selvagem e instável é narrado através da voz de LaBelle.
Um groove que bebe da mesma fonte daquele criado por Tré Cool na introdução de Know Your Enemy, single do Green Day, é apresentado pela bateria de Corey Coverstone. Mais acelerada em relação às outras faixas de Dirty Honey, Gypsy é uma música cujo pré-refrão é tão crescente que o torna uma perfeita extensão para o refrão propriamente dito. Enaltecendo a vida a partir de um lirismo que fala sobre tédio, sede de viver e uma ligeira culpa por ter deixado a vida antiga para traz e seguir um futuro desconhecido, Gypsy deixa claro que a liberdade é quase que uma assinatura de temática lírica do Dirty Honey.
De groove acentuado assim como foi em The Wire, No Warning oferece ao ouvinte um som mais alegre e ainda mais vivo. E ainda mais que California Dreamin’, a confiança no acaso domina a mente do personagem da canção numa clara imagem da sede pelo risco, pelo instável e pelo incerto.
Para muitos, não é. Mas a verdade é que The Morning tem muito de uma balada, aquele single comercial que faltava para Dirty Honey. Riffs alegres e agressivamente macios perambulam pelo vento melódico assoprado a partir de uma bateria cujo groove tem uma assinatura pop, cadenciada e com leves toques no freio. No quesito lírico, assim como aconteceu em Tide Up, The Morning proporciona a enigmática dúvida de se o que é dito na canção é referente às drogas ou a outro alguém. Nesse caso, a dúvida é o ingrediente-chave para criar o elo com o ouvinte.
A guitarra macia e aveludada presente na introdução recria a mesma estética adotada no despertar de Starlight, single do Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators. A impressão de que The Morning assumiria a função de balada do disco se esvai como uma correnteza rápida. Afinal, o que se tem em Another Last Time é maciez, notas de melancolia misturadas com nostalgia e um ritmo puramente calcado no blues com traços de hard rock. Bateria em grooves compassados na métrica 4x4 e em ritmo lento entrega um corpo suculento e que exala um conforto sonoro estridente. No refrão existe ainda, a partir do coro, uma imersão na métrica soul que engrandece essa que é uma música de melodia romântica e, de fato, comercial.
Parece que a Califórnia realmente impactou a sonoridade do Dirty Honey. Afinal, existe um frescor e uma sensualidade praianos que pouco se veem nas canções compostas por grupos de hard rock conterrâneos. Curiosamente o estado californiano conseguiu depositar sua identidade na sonoridade de uma banda que surgiu a milhares de quilômetros de distância, a Cali.
Pois bem, além de oferecer o frescor próprio da Califórnia, o que Dirty Honey fez foi lançar ao mundo músicos competentes que, no álbum de estreia, conseguiram combinar blues, hard rock e funk de uma maneira harmônica. Não à-toa que Myles Kennedy praticamente apadrinhou o grupo.
Como um expoente do hard rock, o Dirty Honey se une ao time de grupos como Palace Of The King, Greta Van Fleet, Airbourne e Rival Sons. Todos esses grupos, em suas particularidades, recriam e reciclam o hard rock. E o Dirty Honey imputa, nesse subgênero do rock, mais swing e uma agressividade a mais na sua estética tradicional setentista.
Lançado em 23 de abril de 2021 via Dirt Records, Dirty Honey é um disco excitante, sensual, swingado e groovado. Liberdade é a filosofia. Frescor é a base. E a vida, inspiração. Definitivamente, Dirty Honey é aquele grupo que tem sede de viver e competência de vencer.