Jason Mraz - Mystical Magical Rhythmical Radical Ride

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A demora foi quase inexistente. Em menos de um ano, o cantor e compositor Jason Mraz escreveu e gravou mais um álbum para sua discografia de sete discos de estúdio e quatro EPs. Intitulado Mystical Magical Rhythmical Radical Ride, o material sucede Waiting For My Rocket To Come.


Ao sonar do tibetan bowl inserdo por Chaska Potter, o ouvinte se percebe embriagado em um estágio de inconsciência transcendental. É como a meditação em que é possível viajar livremente pelas memórias, perdendo a noção do tempo e da sensibilidade corpórea, fator sensorial amplificado pelo sonar agudo e bojudo vindo dos sintetizadores de Becky Gebhardt, Nikolai Torp e Noah Terefe. Sem demora, uma voz surge como uma espécie de guia para tal viagem astral. É Jason Mraz, com seu timbre denotativamente agridoce e melódico, trazendo doçura e suavidade. Com uma cadência vocal em mid-tempo, Mraz é logo acompanhado por um trio de backing vocals formado por Chaska, Mai Bloomfield e Mona Tavakoli que, com seu teor onipresente e singelo, amplifica a harmonia da canção. Quase como um canto religioso e reenergizante, a participação das backings amplia o dulçor e a delicadeza de Getting Started, uma canção gentil, educada e melodicamente tocante que traz um olhar positivo frente a possibilidade do recomeço. Mesmo que estejamos nas sombras, no limbo ou em qualquer estágio que se pense não haver saída, o futuro é um período imprevisível, e justamente por isso, traz a possibilidade de reconstrução. Como uma música que mistura fé, perseverança e resiliência, Getting Started é ainda melodicamente bem trabalhada por possuir linhas sonoras transparentes capazes de fazer o ouvinte degustar desde o grave bojudo do baixo e o compasso acelerado do chimbal à sincronia serena e valsante dos violinos de David Davidson e Dave Angell com o violoncelo de Carole Rabinowitz.   


Ensolarada, swingada, convidativa. A canção que vem nascendo no horizonte traz consigo pressão e uma roupagem que beira uma mistura de soul e R&B a partir da combinação dos sonares do trompete de Fernando Castillo, o trombone de Raul Vallejo e o compasso tilintante do cowbell. Com uma base rítmica bem marcada pela levada simples da bateria de Sterling Campbell e do bojudo swingado do baixo, instrumento que soa ainda mais marcante em comparação à canção anterior e que ainda consegue rememorar as linhas desenhadas por John Deacon na introdução de Another One Bites The Dust, single do Queen, I Feel Like Dancing é alegre e dançante. De refrão em que é possível ouvir também o sorridente e sensual sopro do saxofone de Carlos Sosa, a canção exalta o sorriso largo, a felicidade pulsante e uma alegria indescritivelmente contagiante. I Feel Like Dancing é simplesmente a obra das almas enérgicas que lançam convites calorosos e irresistíveis para preencher a pista de dança.


Chamando atenção pela sua levada disco com protagonismo da guitarra de riff espaçado e levemente grave de Molly Miller, a introdução se apresenta com uma estética dançante, mas menos convidativa que aquela de I Feel Like Dancing. Fluindo para um primeiro verso sensual em virtude da interpretação vocal de Mraz junto ao groove do baixo, a canção é agraciada por uma valsa aguda de violinos que remetem à melodia de Call Me Maybe, single de Carl Rae Japsen. Trazendo influências que vão de Michael Jackson a Justin Timberlake, Feel Good Too, mais que encorajar para buscar as coisas que nos fazem bem, a música vem com o dever de despir o ouvinte de suas próprias inseguranças e perseguir seus sonhos. Uma obra que incentiva a leveza e ensina a se desligar da cobrança e do julgamento alheio. Não à toa que os versos “just go enjoy your life” e “stop trying to get it right” definem o intuito de Feel Good Too.


Sensual e macia como o veludo do lençol encostando na pele descansada. Serena e com um frescor quase tangível como uma onda mansa que vem e abraça suavemente as pernas despidas, a introdução vem denotativamente macia, reconfortante e verdadeiramente valsante de forma a ressaltar a delicadeza do violino e o dulçor do riff do violão. Com um compasso sincronicamente amaciado, o chacoalhar suave do chocalho amplia a noção de suavidade enquanto Pancakes & Butter se mostra, através da interpretação lírica romanceada e repleta de falsetes bem executados por Mraz, uma declaração de amor. Uma carta soul que busca conquistar o coração da pessoa amada. A prova de que ambos se completam de uma forma que, como a própria música metaforiza, é tão harmoniosa quanto a união de trovão e relâmpago, lua cheia e fantasia, panqueca e manteiga. E para amplificar a paixão, o piano elétrico de Glen Scott entra com tanta sutileza quanto a viola de Kristin Wilkinson se inserindo no time de cordas.


Entre rompantes de um violino nascente que soa como o despertar da luz solar por trás das montanhas e o compasso sincopado da percussão, o vocal doce e sedutor de Mraz vem preenchendo o escopo melódico. Por vezes acompanhado pelo trio de backing vocal em momentos que dão destaque a alguns versos, ampliando assim a harmonia, o cantor faz da música outro produto sensual em seu caráter lírico interpretativo e melódico. Disco Sun é mais uma música de Mystical Magical Rhythmical Radical Ride a apresentar um caráter motivacional em meio a uma sonoridade chiclete. Trazendo a dança como um pretexto, a música ensina o ouvinte a se valorizar e a se dar a chance de ser vibrante enquanto, em diversas vezes, dialoga diretamente sobre o efeito psicoativo de ervas psicodélicas. Disco Sun é a simples gratidão pela vida sob um viés hippie em sua máxima ‘paz e amor’.


De harmonia lírica contagiante e acompanhada por uma participação melódica das backing vocals, a sonoridade amanhece tímida, mas marcante em sua delicadeza construída entre o baixo e o teclado. Com participação mais notável do sobrevoo do violoncelo em meio a uma base melódica macia e sem punch, Irony Of Loneliness é uma sequência de questionamentos que fazem o ouvinte refletir sobre suas próprias atitudes quando a vida parece cruel. Acima de tudo, Irony Of Loneliness incentiva o ouvinte a ter perseverança ao enfrentar os momentos de dificuldade e a perceber que a dor e o sofrimento, apesar de indesejáveis, nos lembram que estamos vivos e aprendendo a arte de viver.


É serena, macia e delicada. Com a sintonia entre violão e o sonar do fender rhodes vindo do teclado, a canção surge tocante e com um veludo tão aconchegante quanto um reconfortante abraço. Completada pelo sonar ácido-macio do wurlitzer, a esfera melódica da faixa se mostra serena, educada e generosa, mas sem grandiosidades rítmicas. Como uma música que dialoga diretamente com o tempo, Little Time discute os desejos e os planos para serem executados durante uma vida. Um dos maiores ouros da humanidade moderna, o fator tempo escorrega das mãos e faz com que as pessoas às vezes se sintam improdutivas, sem propósito e, principalmente longe de alcançar seus objetivos. Porém, é também o tempo que nos dá a arte da vida, da convivência e das experiências. Nesse sentido, Little Time auxilia o ouvinte a se despir de suas autocobranças e a atingir a máxima sincera gratidão pelos momentos vividos. 


O sonar estridente e agudo do sitar é o que recepciona o ouvinte no novo ambiente. Acompanhado de batuques percussivos e de uma valsa serena vinda do violino, ele é o instrumento que faz da introdução um produto a parte por promover uma textura até então inexperienciada em Mystical Magical Rhythmical Radical Ride. A partir de uma mistura de disco e soul, gênero que é introduzido principalmente pelo compasso bem marcado do baixo, You Might Like It, mesmo com sua base swingada, possui a capacidade de fecundar um senso de euforia no ouvinte por conta de seu lirismo. Afinal, a canção vem com o propósito de incentivar o espectador a lutar pelos seus objetivos com um enredo que soa quase como as máximas ‘fazer por merecer’ e ‘faça você mesmo’. De maneira contagiante, You Might Like It também dá ao ouvinte a tarefa da ousadia, de romper os marasmos comportamentais e da rotina. É por isso que, mais do que um verso definidor da canção, “it's never too late to be what you might've been” fica ecoando na mente do ouvinte como um mantra, uma frase de efeito que, do inconsciente, faz surgir mudanças grandiosas.


A melodia surge linear em sua estética indie rock ao estilo Snow Patrol, mas de baixo marcante e que emprega pressão à sonoridade introdutória, enquanto fica por conta da bateria de frase simples a entonação rítmica. Entre sobrevoos de uma mistura melancólica e nostálgica vinda dos violinos, a canção ganha aromas puros de folk com o sonar de uma guitarra agudo-aveludada em seu lap steel. Contagiante em sua simplicidade estética, Lovesick Romeo é uma obra romanceada, mas assim como propôs os violinos, triste e saudosa por um inesperado fim de relacionamento. Retratando um coração apaixonado, mas que não consegue superar a rejeição, o personagem segue com a falsa esperança de que o namoro será reconstruído com a mesma pessoa, como se nada tivesse acontecido. É nesse processo que surgem a insegurança e um senso de solidão que parece interminável, mas necessário para fortalecer as emoções, algo não aceito pelo personagem central que sonha com uma retomada.


Doce, suave, educada e compreensiva, a melodia introdutória vem com uma estética minimalista simples, mas cativante. Aveludada e reconfortante a partir dos sobrevoos de aromas compassivos do time de cordas clássico, a canção é preenchida por melismas singelos e por um ritmo generosamente sereno que chega a comover o ouvinte. De caráter melodramático, mas de belas harmonias, If You Think You’ve Seen It All é uma canção que visa educar o ouvinte a se despir do orgulho e aguçar seus sentidos para que possa degustar até mesmo as coisas mais singelas. Uma música que, assim como um mote do álbum, evoca a esperança e um senso de persistência ao trazer a mensagem de constante evolução do ser humano. A vida é uma obra sem instrução ou catálogo do que nela será encontrado. Por isso, ela surpreende. Por isso, ela educa. A existência é uma grandeza inesgotável de experiências e sensações. Uma arte que deve ser vivenciada em sua integridade com honestidade, pureza e, principalmente, humanidade.Curioso é ver que, mesmo com uma estrutura melódica menos grandiosa,  If You Think You’ve Seen It All, com sua delicada melodia, emociona e marca profundamente aqueles que a degustaram por inteiro. Uma música que facilmente fica marcada no inconsciente.


Um álbum leve, mas com pressão e swing. Um produto alegre, capaz de fazer até mesmo os ouvidos mais desavisados sorrir. Eufórico, um disco enérgico que causa um curioso frenesi de querer viver. Mystical Magical Rhythmical Radical Ride é um material de viés puramente motivacional, mas que com seu carisma, generosidade e delicadeza, não se torna piegas em seus incentivos.


Jason Mraz é um nome que sempre esteve relacionado a canções de melodias serenas e lirismos de mensagens reflexivas e motivadoras. Inclusive, esses fatores marcam o enredo de seu novo álbum com o acréscimo de ser agraciado por contagiantes melodias e belas harmonias proporcionadas pelo time de músicos recrutado


Educado, paciencioso e compreensivo, o contexto do álbum não surge personificado na figura de um pai ou de uma mãe querendo o melhor para seu filho, mas de um amigo que se importa e que deseja o melhor ao outro. Sempre com um fundo compreensivo e delicadamente estimulante,  Mystical Magical Rhythmical Radical Ride busca pelo sorriso, pela alegria e pela mudança em prol de melhorias.


Entre valorizar a vida,  ensinar a ser grato e aceitar a rejeição como um evento emocionalmente fortificante, o álbum surge como um mantra, uma educação musicada de como levar o presente de existir. Cada cheiro, textura, paisagem e temperatura causam diferentes sensações, mesmo que em alguns momentos o sofrimento ofusque essas experiências. Porém, mora aí um grande trunfo do material: o de encarar a dor como algo que nos lembra que estamos vivos e aprendendo a viver.


Não é à toa que a grande maioria das músicas possui frases de efeito marcantes e melodias tão bem trabalhadas que chegam a ser táteis. E esse foi um feito de Martin Terefe, produtor afrente de Mystical Magical Rhythmical Radical Ride, e Tony Maserati, o engenheiro de mixagem.


Juntos, os profissionais fizeram do álbum um material alegre, sorridente e dançante, mas também reflexivo e pensante sobre como lidamos com a vida, com nós mesmos, com a gratidão e com o tempo. E para que isso tivesse o impacto desejado por Jason Mraz, o álbum exalou uma combinação rítmica que caminha pelo pop, a disco music, R&B, o indie rock, o folk e o soul de maneira a torná-lo acessível às massas.


Lançado em 23 de junho de 2023 via Interrabang Records, Mystical Magical Rhythmical Radical Ride é um mantra contagiante que educa o ouvinte como viver da melhor forma. Com leveza, despretensão e sem pressa, o álbum é de uma delicadeza e generosidade tocantes cujo único intuito é fazer da experiência da existência algo bom para se lembrar e, principalmente, agradecer.


















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.