NOTA DO CRÍTICO
Seguindo a cronologia do anúncio de sucessivos singles, a banda manauara Jambu enfim encontrou no começo do fim do primeiro trimestre o momento ideal para lançar seu álbum de estreia. Intitulado Tudo É Mt Distante, o material seria inicialmente um EP, que mudou de curso após a edição de faixas já compostas.
Falatórios incompreensíveis ecoam como se pronunciados em uma escadaria. Rapidamente, o violão de Roberto Freire entra no cenário ainda em construção desenhando linhas de um frescor MPB praiano e levemente melancólico. É como estar sentado na mureta de uma praia ao entardecer cinzento, observando a valsa das folhas das palmeiras em contato com a sinfonia da brisa do mar. É nesse momento que uma voz grave, encorpada e aberta inicia o enredo lírico em um tom de nostalgia. Eis Gabriel Mar, com suas pronúncia e cadência semelhantes a de Vitor Kley, que, com uma ambiência amaciadamente gélida, faz de Quem Vai Me Ensinar?? (Intro) uma nostalgia pesarosa e melancólica da pureza da ingenuidade de quando se é criança, da leveza do descompromisso. Quem Vai Me Ensinar?? (Intro) é carregada de uma insegurança construída perante aquilo que falsamente se tem como imperfeição de comportamento, da saudade de ser criança e poder errar livremente sem a pressão social.
O chimbal de Yasmin Costa é o primeiro sonar a ser inserido no novo horizonte. Seco e solitário, é ele quem vai introduzindo os indícios daquilo que virá a ser o compasso rítmico. Em seguida, a guitarra aparece com um riff ondulante e linear que se assemelha em grande medida com aquele criado por Albert Hammond Jr. em Someday, single do The Strokes. Amadurecendo com uma vertente rítmica embriagantemente new wave de grande corpo proporcionado pelo baixo de Gustavo Pessoa, Astronauta possui uma forte veia reflexiva perante o conservadorismo social e a estranheza de ser diferente simplesmente por não seguir as mesmas regras comunitárias. Quase parafraseando Renato Russo em seu último verso da segunda estrofe, Astronauta exala autenticidade e a força insurgindo contra a insegurança e os julgamentos.
Com swing refletido sobre uma melodia soft-hard-folk criada principalmente pela união sinérgica entre guitarras e bateria, a presente atmosfera cria uma influência inconsciente com relação à sonoridade oferecida pelo Måneskin, mas ainda respaldada de notável autenticidade. De estrutura macia e propriamente radiofônica, Caso Sério, além de ser declaradamente um single de Tudo É Mt Distante, é agraciado por um refrão de intensa aceitação popular por conta de sua melodia contagiante e suave. Curiosamente, Caso Sério parece conversar com Quem Vai Me Ensinar?? (Intro) como se fosse uma continuação. Falando sobre medos e inseguranças, a canção se apoia no romance para aproximar o público na análise de suas fraquezas emocionais, do receio da entrega e do que o amor, uma metáfora da vida, pode trazer de desafios.
Crescente, a nova atmosfera reapresenta o soft rock como base de sua melodia. Com um groove em compasso 4x4, a canção proporciona um contágio simples e orgânico que é acompanhado de uma sensualidade provavelmente despropositada, mas que muito funcionou no contexto. Tendo no baixo o principal elemento que desenha tal sensualidade a partir de rompantes encorpados, Sacanagem é mergulhada em um indie rock que, curiosamente, sugere ao ouvinte a estrutura de Ainda Gosto Dela, single conjunto de Negra Li, Dubdogz e Skank. Como uma música que retrata a relação com o luto do término de relacionamento, Sacanagem traz suas dores e inseguranças, mas não são as estrelas do enredo. A saudade, o pesar e o amor ainda vivo, mas não correspondido, sim, são os protagonistas desse que é um diálogo melancólico.
A maciez entra com firmeza nessa melodia suave de mistura entre o pop, a new wave e o indie rock. De estrutura capaz de fazer o ouvinte se imaginar no banco do passageiro de um carro sob um entardecer ensolarado e sentindo o vento fazendo os cabelos cintilarem através da fresta aberta do vidro, a canção apresenta uma alegria leve, emoção até então inexperienciada em Tudo É Mt Distante. Oferecendo também a sensação de plenitude, Viajei é o prazer da companhia, da amizade, do se relacionar amistosamente com o outro. Assim como Caso Sério pareceu uma continuação linear de Quem Vai Me Ensinar?? (Intro), Viajei, com sua estrutura contagiante, por pouco não alcança o mesmo feito, mas consegue criar uma sinergia ao abordar o desejo pelo viver leve, pelo descompromisso. A presente faixa, acima de tudo, transpira a busca do personagem por um lugar pelo qual se sinta pertencente.
Regido por wah-wahs macios, o novo alvorecer comunica o reggae como ritmo regente. Swingado, sutil e contagiante, ele acompanha o Jambu em sua descoberta do pacote emocional que vem junto com o amor. Sei Lá é uma música romanceada, leve, praiana e contagiante que enfim faz com que o personagem se sinta de alguma forma querido, pertencente e, principalmente, com motivação para a vida.
Um sonar exotérico se confunde com sopros quase mudos do saxofone de Ítalo Tale. Esse dueto instrumental cria uma atmosfera melódica macia e entorpecente que dá passagem para um lirismo surpreendente pela sua estrutura rappeada. Criança é uma canção cheia de rimas, de veia reflexiva e que traz novamente a ingenuidade e a pureza como ingredientes que indicam a possibilidade de vitimismo a partir da manipulação social. Dar voz às emoções, ser leve, ter respeito por si mesmo, desconfiômetro e aprender com os desafios da vida são alguns dos quesitos ofertados pela faixa. Criança é, em si, uma aula sobre viver, sobre se respeitar. Sobre ser quem se é.
Macia, contagiante e com leves toques de estridência. A nova melodia introdutória traz o indie rock como norteador, mas recebendo, ainda, notas de new wave. Curioso aqui é notar como a guitarra rítmica, com sua linearidade quase trotante, consegue comunicar influências do Snow Patrol na construção de suas linhas rítmicas. São elas que, além de darem embasamento ao corpo oferecido por um baixo suave, funcionam como um personagem onipresente acompanhando os paços do protagonista. E em Não Vou Ficar Legal, a luta do indivíduo é para que seja ao menos notado por aquela pessoa por quem tem apreço. Parece um enredo juvenil, mas ele, além de ter traços de ingenuidade, traz o medo e a insegurança pela possibilidade da rejeição.
Sem precisar de muito, a melodia desenhada pela guitarra solo na introdução já comunica uma curiosa similaridade estilística com a estrutura rítmica de Everybody Wants To Rule The World, single do Tears For Fears. Com sua maciez estonteante, Você Não Sabe De Onde Eu Vim é mais uma canção que, assim como Astronauta, dialoga sobre as normas sociais, a padronização do indivíduo e a sensação de falta de pertencimento. Aqui, porém, o medo vem respaldado por uma carapaça de segurança e determinação que, apoiada pela consequente ansiedade, busca no ato de viver a intensidade que falta para que o personagem possa, curiosamente, se sentir vivo.
A guitarra solo, como já vinha sendo das outras vezes, segue sendo o elemento a desenhar a energia indie rock nauseante. Tendo tal roupagem rompida pelas insurgências bojudas do baixo, principal fator sonoro nas frases de ar, A Vida Tem Dessas convida o ouvinte a mergulhar na realidade do personagem, uma realidade comum a muitas pessoas. É a narrativa do caminho do destino, um caminho que gera desapontamento, culpa e tristeza. A solidão em meio a multidão. A dúvida e a falta de pertencimento. Novamente o Jambu traz, em A Vida Tem Dessas, a saudade dos tempos de criança como sinônimo de ingenuidade, pureza e bondade. A Vida Tem Dessas é simplesmente a pressa do personagem em se encontrar e tomar, com certeza, as rédeas da própria vida.
Com uma cadência melódica mais acelerada, mas sem esconder a leveza, Não Vou Fugir Daqui é embebida em um refrão contagiante que oferece notas curiosas de reenergização. A faixa é um produto que fortalece o reencontro com as raízes como forma de se encontrar e entrar em contato com a própria essência. Não à toa que o personagem faz, no último suspiro lírico da faixa, a promessa: “prometo que não vou fugir de mim”.
A guitarra solo, em um riff dissonante e quase desarmônico, consegue comunicar uma mistura de melancolia e nostalgia interessante. O piano de Lucas Mesquita possibilita a construção de uma melodia psicodelicamente dramática que, sem dúvida, é a mais profunda, visceral e emocional de todo Tudo É Mt Distante. Afinal, como um enredo linear, cada faixa do álbum acompanha o personagem nas buscas por respostas sobre quem e por que é assim. E de uma forma comovente, em Saudade ele encontra a resposta. A hereditariedade materna, o carinho, o aconchego. O comportamento passou de um para o outro. E nesse momento, a saudade bate e, dessa saudade, a gratidão.
Não tem o que enrolar. Tudo É Mt Distante começa como um álbum qualquer. Melodias macias e contagiantes, muitas vezes mais do mesmo. Letras que misturam reflexões e pensamentos sobre a psiquê e o social. Mas ele logo surpreende ao amadurecer como um trabalho conceitual que acompanha um único personagem nas buscas por respostas sobre si mesmo.
É aí que Tudo É Mt Distante ganha um brilho inapagável. Com sutileza, humildade e trazendo as dicotomias emocionais que nascem a partir do momento em que o indivíduo passa a se sentir perdido, o álbum dialoga sobre pertencimento, sobre insegurança. Mais do que isso, ele evidencia a vontade do eu-lírico de se reconectar consigo.
E nesse processo, o Jambu se uniu a Lucas Cajuhy na construção de um som que conseguisse transmitir todas as emoções propostas. Foi assim que, por meio da mixagem de Cajuhy, o álbum mergulhou na fusão de MPB, indie rock com new wave, folk, hard rock, pop, soft rock, reggae e rap.
Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Demi Brasil e Luiza Alencar, ela causa o mesmo efeito da direção tomada por Zachary Gray na criação da capa de This Is Why, álbum do Paramore. Contendo os quatro integrantes com os rostos prensados em uma superfície de vidro côncava, ela é quase como a demonstração dos desafios que a vida dá no processo rumo ao autoconhecimento. Porém, mesmo apanhando, sendo julgado e se sentindo solitário, essa busca não termina.
Lançado em 17 de março de 2023 via Bolo de Rolo, Tudo É Mt Distante é simplesmente o retorno às origens como forma de autoconhecimento e autoaceitação. É a saudade da ingenuidade, da pureza e da bondade de criança com um toque de frescor. A busca por si mesmo. E é aí que o ouvinte pode encontrar a verdade humana.