Karla Testa - Karla Testa

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não é comum de observar lançamentos de nomes expoentes da música eletrônica e que as representem na função de DJs. Alok, David Guetta, Calvin Harris e Avicii podem ser exemplos daqueles que atingiram notório estrelato. Nesse caminho encontra-se Karla Testa, DJ de Brasília que, após 10 anos de idealização, enfim anuncia o autointitulado álbum de estreia.


Calmo, relaxante e macio. O horizonte que se firma perante os olhos do ouvinte é o de uma praia deserta cuja maré vaivém de forma suave, promovendo, além do frescor, uma sensação reconfortante de paz. Ao fundo, porém, um som crescente e sutilmente áspero começa a tomar conta do cenário até que o compasso rítmico passa a ser desenhado por um bumbo seco e embriagante. Conforme um som agudo e tilintante que chega a imitar aquele do xilofone vai criando mais texturas, o ouvinte se perde em seu próprio inconsciente, como se estivesse vivendo lucidamente um sonho. É aí que uma voz de timbre forte, mas curiosamente suave, completa o escopo melódico de O Mar. Como a sonorização da voz do inconsciente, Karla Testa, com poucas palavras, consegue dialogar sobre a necessidade de acolhimento e a busca pela noção de pertencimento. A instabilidade, a intensidade e a insegurança como fatores que desencadeiam a carência de carinho. O Mar é sobre isso.


A lounge music vem com força a partir de sua sonoridade dançante. Com companhia de rompantes ácidos vindos da distorção da guitarra, texturas mais ásperas são inseridas em um ambiente linear, enquanto a interpretação vocal assumida por Karla vem com toques levemente mais sensuais. Curioso nesse aspecto é notar que Jogos De Amor, com seu enredo mais complexo, narra a manipulação amorosa como forma da negação do fim e da rejeição. 


Um sonar reenergizante e pacificante invade a atmosfera. Flertando com o chiptune, a ambiência vai formando silhuetas de um torpor que mistura conforto e confiança a partir de uma leveza flutuante. Apesar do título, Desvio De Fé é uma canção que, de certa forma, funciona como uma realidade paralela àquela apresentada em Jogos De Amor, pois traz uma personagem depositando confiança em uma nova aposta pelo amor. 


Uma mistura de forest music com toques latinos do reggaeton. Com esses ingredientes, a canção vem com um sabor contagiantemente dançante a partir da evocação da temática da house music. De linguagem simples e sem dificuldade de interpretação, Sacode O Corpo é a instrução de Karla para que o ouvinte espante as más energias e fique aberto para as positividades escondidas na imprevisibilidade do destino. Sacode O Corpo é a pura ganância do êxtase de bem-estar.


A atmosfera recria a ambiência das danceterias setentistas. Uma melodia de batida dançante começa a desenhar contornos surpreendentes de synth-pop fundidos em uma base house music. Dançante, Se Liberta é uma canção cujas linhas líricas sugerem distintos caminhos. A canção pode tanto ser uma ode a liberdade no sentido mais estrito da palavra como também fazer referência à aceitação dos próprios corpo e sexualidade. O fato é que a busca pela paz de espírito é, mesmo que de forma não tão explícita, é novamente o foco da canção.


Falatórios ambientes. Uma imersão na fusão da house music com electro music, sendo a última a base melódica da canção. Com flertes no pop, U And Me é dançante em sua essência, mas pobre em lirismo. Porém, ela atende bem aos próprios requisitos de ser contagiante e atraente às massas. É para dançar e se desligar do mundo por alguns minutos.


Um suspense gélido paira pelo ar na nova introdução. Com base em um eletrobrega de base curiosamente forrozeira a partir das linhas groovadas do baixo, Névoa Fresca também passeia livremente pelo campo trap enquanto, diferente de U And Me, traz um lirismo mais bem desenvolvido que retoma o diálogo no amor. Um diálogo que, heterogêneo ao de Jogos De Amor e semelhante ao de Desvio De Fé, pois é o cenário do retorno, do reatar, da segunda chance. Uma noite de prazer. Não por menos, o fundo lírico de Névoa Fresca é libidinosamente penetrante.


Com uma paisagem enigmática e um vocal metalizado, Karla convida o ouvinte a caminhar por uma sonoridade incerta enquanto dialoga sobre a instabilidade emocional do indivíduo. A falta, a vontade. O desejo, a saudade. Navios é a sonorização dos pontos opostos que se comunicam em um único elo no inconsciente de uma pessoa perdida em suas próprias emoções.


Um synth-pop ondulante e amaciadamente contagiante amanhece e convida o ouvinte a dançar. Fundido na house music, Paranoá vem com uma Karla de timbre aberto e nasal que dialoga sobre o desprendimento do passado. Existe aqui, porém, traços de uma insegurança endêmica que consome a alma do personagem lírico que simplesmente almeja por liberdade de ser quem é.


O chiptune que amanhece na nova canção traz um contorno melódico nos mesmos moldes presentes naquele de Mr. Saxobeat, single de Alexandra Stan. Uma animada house music é o que Sexta-feira oferece ao ouvinte. Claro que a canção guarda consigo a comemoração da mudança, do amadurecimento e do acesso ao próprio bem-estar.


Falar de amor é algo que inunda grande parte dos materiais midiáticos. Seja um filme, série ou música, esse tema está sempre presente de alguma forma nas narrativas. Porém, o que Karla Testa fez foi dar outro viés à temática. Por meio de seu álbum autointitulado, ela convida o ouvinte a dançar e a refletir sobre o outro lado desse sentimento.


As inseguranças, o amor-próprio, a necessidade de bem-estar e a busca por pertencimento e carinho são temas secundários, mas que tomam todo o controle dos 10 enredos líricos propostos em Karla Testa. Nesse aspecto, a brasiliense ainda se utiliza de estruturas lírico-melódicas sensuais para tratar de aceitação, um fator posto em cheque nos últimos anos com a alta da bancada conservadora.


É assim que Karla atinge os patamares de aceitação popular. E com o auxílio de Ramiro Galas na mixagem, ela fez de Karla Testa um passeio reflexivo, mas também divertidamente dançante que caminha por campos da house music, lounge music, synth-pop, pop, reggaeton, trap, chiptune, forest music, forró, electro e eletrobrega.


Fechando o escopo técnico do álbum vem a arte de capa. Assinada por três mãos, sendo Marcus Barozzi, Anderson Matta e Thiago Alencastro, ela é simples em estrutura por trazer Karla em evidência. Com uma indumentária de cores chamativas típicas dos anos 70, ela, por si só, já consegue comunicar a vertente dançante do álbum, algo que fica ainda mais em evidência com o fundo cristalinamente azul.


Lançado em 08 de março de 2023 de maneira independente, Karla Testa é simplesmente a dança do autoconhecimento e da autoaceitação. É um material que entretém e que convida a pensar sobre si e sobre as emoções. Pensa o amor e as inseguranças que dele desencadeiam. É a busca pelo bem-estar.
















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.