In Venus - Sintoma

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No início da infância. Aos seis anos de idade, o grupo paulistano In Venus finaliza inaugura o segundo trimestre de 2021 com o anúncio de seu novo álbum. Intitulado Sintoma, o trabalho dá sequência a Ruína, disco de estreia da banda.


Uma atmosfera que mistura new wave e synth pop se instaura nos primeiros segundos de Hen to Pan por conta da união entre o sintetizador e a bateria. Posteriormente, essa mesma bateria inicia desenhos punks graças à Duda Jiu, que imprime frases aceleradas, mas ao mesmo tempo atrativas. Em seguida, a guitarra sutilmente distorcida entra na obra ao lado do baixo, que dá corpo à melodia. Quando Cint Murphy domina o microfone, um ar de resistência, insatisfação e enfrentamento pairam pelo ambiente a partir de um lirismo que aborda a dicotomia entre harmonia e destruição social.

 
Em Ninguém se Importa, o que se tem é uma introdução que caminha entre o ska e o rock alternativo devido à afinação empregada pela guitarra. Porém, assim como aconteceu na faixa anterior, é a bateria que localiza o ouvinte qual o verdadeiro gênero defendido pela In Venus. Afinal, suas frases continuam repicadas e sutilmente aceleradas. No refrão, as frases rápidas entoadas por Cint são pouco compreendidas em meio a uma melodia que gera caos e desarmonia devido à união da sonoridades do trompete e teclado inserida pelo sintetizador.


Um cenário curioso se constrói em Quatro Segundos. Rodrigo Lima entra com uma guitarra suja e acelerada, remetendo a sonoridade do grunge. Mas ao mesmo tempo, o baixo groovado de Patrícia Saltara e a batida da bateria criam um ambiente que permeia o manguebeat. É nessa roupagem sonora que Cint invade o cenário trazendo frases de indignação sobre a fome. E é nesse momento que a interpretação lírica ganha ares sombrios, pois os sussurros dão a ideia de temor.


Ainda com a energia da sonoridade recifense, Cores vai recuperando aqueles ares grunge. Curiosamente, por conta das linhas da bateria o segundo verso introdutório da canção remete ao despertar de She Builds Quick Machine, single post-grunge do supergrupo Velvet Revolver. O que segue, porém, é a entrada de um vocal gutural de frases que, assim como acontece em Ninguém se Importa, são dificilmente compreendidas pelo ouvinte.


Um ritmo cadenciado serve de base para frases de indignação e questionamentos trazidos pelo vocal distorcido de Cint. Essa é a paisagem inicial de Bordas, a canção de maior duração de Sintoma. Recheada de rimas consoantes, o refrão da faixa expõe questões sobre dominação, êxodo rural, falta de apoio governamental, coisas ligadas pelo elo da política, fator que rege o lirismo da música.


Apesar de a guitarra parecer, por vezes, desconexa, a melodia que se forma na introdução de Ansiedade é, até o momento, a mais convidativa do álbum. Com o vocal mais limpo e audível de todo o disco, Cint se destaca em meio a um cenário rítmico caótico que é sustentado somente pela base bateria-baixo, a qual segue entregando lapsos de melodia e harmonia. Em relação ao lirismo, ele segue à risca a proposta do título da canção, pois expõe todos os sintomas da ansiedade.


Em Silêncio fica claro que uma das assinaturas da In Venus é a presença do cowbell fazendo a contagem do tempo. É nessa faixa que também acontece algo de curioso. Fugindo do manguebeat, a batida empregada pela bateria na introdução está impregnada pela temática do samba, algo que é desmontado tão rápido como um sopro. Afinal, Cint se impõe na melodia trazendo um conteúdo lírico áspero que mistura loucura, depressão e desespero. Nesse meio tempo, quem se posta constante e audivelmente em destaque é o baixo com sua linha simples, mas encorpada.


Apesar de acelerado, o ritmo de Velocidade Líquida sugere que a canção seja um convidativo cartão de visita do álbum, fazendo com que ela se una à Ansiedade no time de singles de Sintoma. De melodia clara, crescente e atraente, a presente faixa possui um ritmo harmônico. Por outro lado, o lirismo mistura elementos da filosofia e questões sociais sem que haja uma ligação entre eles, deixando a letra sem sentido e, o ouvinte, confuso. 


A guitarra distorcida chama um instrumental groovado que tenta entregar tons perceptíveis a uma melodia desarmônica e caótica no que se refere à conjuntura de suas sonoridades. No quesito lírico, a crítica permeia o ambiente trabalhista e a sociedade de consumo. E para isso, a interpretação lírica é narrada, quase como se fosse oradora em uma manifestação. Essa é Hipócritas.


A bagagem deixada pelos antepassados está sendo dizimada pela sociedade de consumo, do anti-afeto. É isso o que sugere o lirismo de Ancestrais, uma canção de ritmo caótico que possui lapsos de harmonia causados, principalmente, pela cadência do canto no refrão. Ela é também uma faixa que possui a ponte mais bem elaborada. Afinal, nesse trecho o que a In Venus sugere é um diálogo direto com nossos ancestrais ao mesmo tempo em que um narrador expõe as diferenças das realidades do passado e do presente.


Como um todo, o que Sintoma ao ouvinte é uma sonoridade que, constantemente, divide espaço com ruídos. O detalhe transmite a ideia de amadorismo e som de garagem, algo extremamente válido para a proposta punk. O que incomoda, infelizmente é a presença de uma voz que frequentemente oscila entre momentos de desafinação e controle vocal.


Mas não apenas isso. O disco possui, ainda, uma mixagem inconstante. Sob o domínio de Malka Julieta, ela possui momentos em que o instrumental se encontra em destaque ante o vocal e ocasiões em que o contrário acontece. Quando o som sobrepõe a voz, fica difícil compreender o que está sendo cantado.


E por falar em canto, ele está completamente de acordo com a temática punk, pois ele transmite a energia da raiva e da indignação. Inclusive, o conteúdo lírico é recheado de críticas sociais. Porém, existe um entrave. Muitas das letras do disco soam como palavras soltas, sem um elo que entregue sentido e contexto.
    
Transitando entre estilos como ska, manguebeat, grunge, synth pop e samba, o disco possui, em diversas vezes, um caráter experimental mesmo que majoritariamente seja calcado na estética punk. Porém, a produção de Mari Crestani conseguiu captar, em Sintoma, justamente essa essência punk exalada pela In Venus.


De toda a forma, é interessante notar como o experimentalismo caminha harmonicamente ao lado de um único estilo, o punk. Isso se observa até mesmo na arte de capa, setor em que o ar experimental domina completamente as ilustrações. Feita por Erikat, o que a capa comunica é uma completa confusão exotérica. Afinal, em um único espaço o ilusionismo divide espaço com o sombrio, o enigmático e o astral, detalhes que não se fazem presentes nos conteúdos líricos.


Por outro lado, pode ser esse o intuito do álbum: criar uma sintonia, um elo entre o transcendental, o passado, com um presente caótico e cheio de imperfeições em todos os setores que abrangem a sociedade moderna.


Como um todo, o que se tem em Sintoma é um In Venus cheio de vontade e de energia, mas que precisa ainda amadurecer e se unir para criar conteúdos com mais consistência e química.


Lançado em 05 de abril de 2021 via No Gods No Masters e Efusiva, Sintoma causa desconforto através de suas melodias e letras rodeadas de insatisfação, incredulidade e, acima de tudo, crítica social. Experimental ou não, é preciso estar equilibrado para ouvir o caos social que é escancarado pelo In Venus.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.