Human - A New Perception

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Ele tem trabalhos lançados desde os idos de 2012. De lá para cá, sua discografia foi ganhando peso e consistência com o lançamento de um álbum e uma sucessão de singles desde 2020. Com a chegada de 2022, ainda que o mundo estivesse em contínua batalha contra a Covid-19, a baiana Human deu mais um passo em sua história e lançou A New Perception, seu segundo álbum de estúdio.


O cenário é árido e seu céu, escuro. Sua energia é sombria e tudo o que circunda o cenário é asqueroso. Repleto de rajadas de ventos que fazem a areia e a terra morta subirem e formarem algo como silhuetas de espíritos perdidos, tal ambiente é como o palco decisório entre vida e morte. Solidão absoluta e o acolhimento compassivo. Por entre uma guitarra sob posse de Níass, o qual dela retira um riff azedo e a faz assumir um cenho ligeiramente sisudo, mas incapaz de esconder os olhares assustados, a introdução vai se desenvolvendo ao nível de esconder o temor por entre sonares brutos e sombrios. Enquanto a guitarra segue sua linearidade borbulhante, o baixo de Rafael Sampaio vai fazendo da base melódica o palco da precisão através de seu groove ligeiramente azedo ao ponto de flertar com a estética do stoner rock. Nesse ínterim, a bateria de Clauzio Maia desenha frases sujas que fazem do escopo rítmico uma extensão de um caos evidente, mas de origem ainda enigmática. Tendo o Sol, com sua força, tentando achar alguma brecha para fazer a sua luz natural brilhar por entre a escuridão, a melodia é capaz de comunicar a necessidade de esperança, ao passo que o negativismo segue sendo o maior obstáculo para tal aquisição. Caminhando livremente entre a seara divisória do heavy metal e do hard rock, Clay Idols tem sua camada lírica abraçada por um timbre agudo, de essência aveludada e até mesmo floral. De posse de Lucas Laudano, ela, aqui, assume um caráter que representa imponência, mas também medo e súplica, enquanto transita entre o operístico e o toque rasgado que sugere certo grau de selvageria. Com essa estruturação, Clay idols é uma faixa que critica a cultura ao falso ídolo que, colocado sobre um pódio messiânico, dissemina a intolerância e o ódio. Ao mesmo tempo, ela quase urra por um período de amenidade para que a pureza do ar reestabeleça a mentalidade do indivíduo e o faça ter a capacidade de refletir e perceber a realidade tal como é.


Mais melódica que a estética oferecida na canção anterior, a presente introdução sugere algo ligeiramente mais brando. Enquanto isso, sua melodia vai caminhando por um heavy metal mais maduro e consistente em que todos os instrumentos se encontram em perfeita sintonia. Com uma arquitetura sonora capaz, inclusive, de rememorar as melodias atuais criadas pelo Iron Maiden em suas respectivas canções, a presente faixa, apesar de ter a guitarra como protagonista entre seus lampejos ácidos, não consegue esconder a desenvoltura escorregadia do baixo entre seus vaivéns de escalas. É dessa forma que A Call Of The Wind, uma faixa capaz de extravasar traços dramáticos em meio à sua imponência, apresenta um indivíduo fugindo de todo o circo de horrores formado por uma sociedade amplamente consumista, gananciosa e incapaz de valorizar a simplicidade. Como se refém de um chamado, o personagem opta pela natureza como forma de não apenas reconectar consigo, mas de conseguir readquirir saúde mental e o equilíbrio emocional, mas, acima de tudo, encontrar um significado, um propósito de vida.


Seu início é propositadamente nauseante a ponto de fornecer um caráter curiosamente sombrio e, ao mesmo tempo, hipnótico. Sob uma melodia ondulante e com uma postura tal qual a de um predador à espreita aguardando o melhor momento para dar o bote em sua presa, On The Way To Madness traz Laudano transitando por timbres aveludado-adocicado e nasal de maneira a rememorar aqueles de posse de Eric Martin e Layne Staley. Essa atuação entra em completa sintonia com o enredo lírico fornecido pela canção. Afinal, aqui o protagonista se assusta ao mesmo tempo em que lamenta e sofre ao observar um grande amigo ter sua aura e sua essência definhada. 


A guitarra readquire sua postura ácida e seus olhos penetrantes no horizonte. Por meio de sua aspereza curiosamente sensual, o restante dos instrumentos, como em um chamado, entram em cena desenhando um escopo rítmico-melódico formado por sujeira, consistência e pitadas de estridência. Na forma de um hard rock de cadência rítmica em 4x4, Unknown Sea tem uma ambiência um tanto folclórica, dramática e épica que dá ao ouvinte a capacidade de enxergar, em seu próprio horizonte profundo, um navio lidando com tormentas grandiosas enquanto tenta alcançar terra firme e explorar o desconhecido rumo ao fantasioso pote de ouro. Sincronicamente, o indivíduo aqui apresentado se encontra em um processo de profundo autoconhecimento em que sua força e sua coragem o impedem de perder para o medo, o auxiliando, consequentemente, a atingir o Sol e descobrir suas entranhas emocionais desconhecidas para, enfim, amadurecer e adquirir um inquebrável senso de autoconfiança.


Nesse novo cenário que começa a ganhar a luz do Sol, a melodia responsável por puxar a introdução já se mostra pronta para testar novas texturas. A partir daí, ela passa a se emaranhar pelo campo do speed metal de maneira experimental, mas de consistência evidente. Com base sonora heavy metal, a canção assume ares curiosamente venerantes a algo ainda enigmático, enquanto suas silhuetas vão se tornando, gradativamente, ásperas e agressivas. De guitarra trotante e baixo ácido, a faixa-título é onde o Human exorta sua rebeldia política e destaca sua adesão pelo anarquismo ao mesmo tempo em que repudia a censura, a manipulação e a padronização como forma de calar e esconder a diversidade social.


A brisa traz um agradável frescor ao fim de tarde. Ainda que em meio ao coração do sertão, o calor parece ter dado uma trégua e o conforto físico passa a reinar entre os indivíduos. Com o céu limpo em seu azul-turquesa, as aves fazem revoadas em busca de seus ninhos e o Sol faz, do horizonte, um quadro de beleza natural em tons crepusculares gradativos. Vindo como um respiro à agressividade e à densidade das melodias anteriores, Sea Of Sensations propõe um minimalismo estrutural, mas não harmônico. Delicada e de atmosfera reflexiva, pensante, a canção traz curiosos e interessantes toques de suspense em sua arquitetura lírico-melódica, enquanto dialoga sobre as escolhas como atitudes capazes de definir todo um destino e desenhar o futuro. Nesse ínterim, Sea Of Sensations é como uma indireta busca pelo autoconhecimento. Afinal, a partir das escolhas feitas se percebe quais as prioridades, as negações e as querências do indivíduo.


Seguindo o mesmo intuito melódico da canção anterior, a nova introdução também bebe do minimalismo estrutural, enquanto desenha, a partir da união dos violões, uma sincrônica melodia folk. A partir daí, é como se fosse possível acompanhar um andarilho seguindo, solitário, pelas estradas áridas do sertão. Incansável, imparável. Seus olhos são fixos em um horizonte sem fim. Seus passos, curtos, mas firmes, tentam formar uma base capaz de trazer um mínimo de senso de pertencimento ao mundo terreno. Enquanto as bojudas gotas de suor escorrem por toda a sua face, sua determinação se fortalece no alcance de um objetivo fisicamente inalcançável se não se permitir olhar não para o longe, mas, sim, para dentro. Magik Key é um instrumental de conjuntura minimalista que é capaz de trazer a saga de um indivíduo em busca de respostas sobre si, mas sem saber ao certo como as procurar.


Ela nasce metalizada, mas decididamente diferente das canções que sucederam Magik Key ou mesmo Sea Of Sensations. Aqui, a melodia vem com a mais alta dose de dramaturgia emaranhada, inclusive, em um denso senso de melancolia. De essência lamentadora, a presente canção parece apresentar um trabalho de mixagem e equalização diferenciada em relação às outras, afinal, seu volume, apesar de ser o mesmo entre os instrumentos de corda, soa mais baixo que aquele obtido nas faixas anteriores e traz a bateria como prova de tal constatação. Ainda assim, evidenciando sua crueza já tradicional, o Human faz de Infodemic uma jornada épica e tocante em que as guitarras se dividem entre choros de tristeza e súplicas que extravasam a decepção. Com uma interpretação raivosa, Laudano transforma Infodemic em uma análise caótica dos tempos que evidenciaram que também as notícias podem ser prostituídas e levadas para o uso equivocado, parcial. Irresponsável. Olhando anos mais tarde, o que a canção oferece é uma espécie de lente que afasta o ridículo da nova realidade, mas não deixa de relembrar o quão frágil e manipulada a sociedade pode se tornar quando no comando das mãos erradas. 


Sociopolítico. Talvez, para início de elucubração, essa possa ser um primeiro detalhe a ser levantado a respeito do álbum. Afinal, A New Perception é aquela união de faixas que faz as pernas entrarem em contato direto com o coração. É a base dialogando com o sentimento. Com o material, o Human volta a expor, em uma tarefa necessária de recordação, o quão a comunidade, como aglomeração de pessoas, é frágil, volátil e facilmente manipulada.


Lançando luz aos momentos mais sombrios vividos pela população global em virtude da bola de neve de acontecimentos oriundos da crise pandêmica da Covid-19, o álbum avalia os eventos com tom de lamentação, de tristeza e decepção. Nesse viés, portanto, cada instrumento, em suas particularidades, parece chorar, se contorcer perante a angústia de enxergar o quão distante da luz a sociedade chegou.


Sob o tema da política, o Human aproveitou para criticar não apenas a forma como o Palácio do Planalto, em clara menção ao Brasil, lidou com a pandemia. O caos declarado do evento até então inédito que ficou conhecido como infodemia e o culto ao falso ídolo e a consequente idolatria irracional sobre pessoas sem mérito para tal são detalhes que marcaram uma época. Contemporaneamente, o Brasil viveu o pico de ódio e intolerância como ações quase constitucionalmente aceitas, algo que, inclusive, o grupo, no álbum, repudia veementemente.


Contudo, não é só de política que se trata A New Perception. Afinal, o material é bem dividido entre dois temas principais. Em relação ao outro, o social, o Human cria, sim, relações com o âmbito político, mas, com muita sabedoria, também soube lidar com o lado emocional. É aí que existem os diálogos mais profundos sobre autoconhecimento e as intensas buscas por motivação e propósitos.


Visto isso, existe a versatilidade entre o caminho da razão e da emoção. Para representar tal dualidade, o Human chamou Marcos Ribeiro para a atividade da mixagem. Por meio dele, os instrumentos conseguiram extravasar todas as emoções líricas de forma cristalina, enquanto deixam claro ao ouvinte suas imersões nos campos melódicos do hard rock, do heavy metal, do speed metal, do stoner rock e do folk. 


No entanto, na faixa Sea Of Sensations Ribeiro a mixagem não acompanhou o mesmo brilho das demais. De volume geral mais baixo do que as sonoridades das faixas anteriores, a música teve a bateria como a principal vitrine de tal ocorrência. Afinal, o instrumento soou opaco e completamente refém da imponência dos instrumentos de corda. Ainda assim, felizmente isso não prejudicou a degustação geral do álbum. 


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Claudio Putrid, ela consiste em uma arte que evidencia não apenas a solidão abissal, mas a realidade de que cada indivíduo tem um caminho próprio para seguir rumo ao seu autoconhecimento. Isso fica claro através do cenário árido e sombrio cortado por uma estrada de aparente mão única, o que também indica um caminho sem volta ou imutável.


Lançado em 14 de outubro de 2022 de maneira independente, A New Perception é um álbum que traz uma recordação necessária de um passado social sombrio. Um trabalho que usa a política como gancho para falar da sociedade como corpo plural e da sociedade como uma aglomeração de indivíduos com distintas personalidades. Com ele, o Human faz o ouvinte refletir o quão frágil, manipulada e inconstante uma pessoa pode ser quando posta em perigo, seja ele físico ou emocional.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.