Goo Goo Dolls - Chaos In Bloom

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Três anos depois do anúncio de Miracle Pill, o duo de Buffalo Goo Goo Dolls rompeu com a pandemia e reiniciou suas atividades em estúdio para originar um novo material de inéditas. Intitulado Chaos In Bloom, o recente trabalho assume o posto de 15º álbum de estúdio do grupo.


Uma brisa reconfortante, melódica e harmônica surge no horizonte de forma a reciclar na mente do ouvinte a sonoridade criada por Brian May em Crazy Little Thing Called Love, single do Queen. Com um golpe certeiro e estridente na caixa da bateria de Craig Macintyre, John Rzeznik entra em cena com seu vocal agudo e ácido que, por si só, traz uma roupagem britpop típica. Apesar da linearidade sonora, Yeah, I Like You traz um lirismo motivacional e estimulante que incentiva o ouvinte a romper a insegurança e a buscar por coisas que excitam, desafiem e afaste a zona de conforto. Tendo no baixo de Robby Takac um elemento que entrega uma atmosfera new wave em meio ao pop rock indie apresentado na melodia, Yeah, I Like You também questiona os escapismos momentâneos e intencionais da realidade e mostra que todos são perfeitos em suas imperfeições.


Doce, dramática e contagiante. Essas são as palavras que definem a introdução melódica construída a partir da sincronia entre a guitarra de Brad Fernquist, cujos riffs soam tão leves como o veludo, a bateria de levada delicada e o doce quase floral do teclado. Na passagem para o primeiro verso, o compasso rítmico acaba sendo guiado pura e simplesmente pela linearidade precisa do baixo enquanto a bateria se une à percussão em sonares que dão texturas mais táteis e racionalizam o torpor. War é uma canção de melodia marcante que é agraciada por um lirismo que narra uma espécie de impotência e insegurança. É como se fosse a voz de uma figura divina avaliando os atos da humanidade e lhe entregando o perdão sob a voz do amor, um sentimento de pura bondade.


Como um aviso de chuva chegando, o balançar do prato de ataque informa uma transformação na paisagem. Quando o estopim chega, o céu não se acinzenta ou mesmo o horizonte não se enubla. O que acontece é uma chuva de verão com a luz do Sol proporcionando uma luminosidade reconfortante que ilumina cada gotejar. É nesse momento que, amplificando a energia serena em desenvolvimento na introdução, entra um dueto de timbres vocais que se complementam pelas suas doçuras. Entoando sons onomatopéicos, Rzesnik, ao lado de Genevieve Schatz, consegue trazer uma leveza de fato relaxante em meio a um cenário denso. Como uma canção estimula o reerguer, Save Me From Myself dialoga sobre solidão e um sofrimento associado a uma embrionária culpa de eventos passados que ainda assombram o interlocutor. Emocional e gradativamente contagiante em seu indie rock, Save Me From Myself tem a capacidade de, por meio do segundo baixo de John Button e da guitarra serena de Jason Soda, fazer marejar os olhos do ouvinte ao aproximá-lo do personagem lírico a partir da comoção construída entre sua humildade e seus sinceros pedidos de ajuda para não mais visitar lugares que estimulem as emoções negativas e depreciativas.


Um aroma doce vindo de um cenário bucólico exala do suavizar folkeado do violão de Chris Szczech de maneira a, curiosamente, recriar a estética oferecida pelo dedilhar de Billie Joe Armstrong na introdução de Good Riddance, single do Green Day, e pela desenvoltura de Joe Perry na melodia de Wild Horses, single do The Rolling Stones. Tendo a harmonia amplificada pela companhia de um segundo violão ministrado por Rzeznik, Let The Sun acaba soando, com seu minimalismo rítmico, como um mantra que tenta desmontar a maldade. A maldade, um caráter que, na faixa, é trazido como consequência da ausência de amparo, proteção, afeto e carinho. Uma característica que impede que boas paisagens e experiências se construam. Não à toa que Let The Sun é uma canção que, no seu mais íntimo desabafo, pede para que o Sol retorne. Uma clara metáfora para que a vida retome seu curso de positividade e redenção. É o suor da sensibilidade despejado pela doce interpretação lírica de Rzeznik.


Uma melodia surpreendentemente amaciada na estética do jazz é apresentada pela valsa entre guitarra e bateria. Junto ao baixo, o teclado de notas ondulantes executadas a duas mãos por Jamie Muhoberac e Billy Perez auxilia na maturação de uma sonoridade macia e suave. Enquanto sonares de castanholas são pinceladas na canção por meio de Luis Conte, Loving Life se amadurece sobre um enredo que traz um personagem lírico agraciado por uma segunda chance à vida. Gratidão e amor pelo ato da existência unidos a uma espécie de revigorar energético dá à canção um senso motivacional positivista embriagantemente alegre e esperançoso. Não à toa que os versos definitivos de Loving Life são os que formam a trinca: “I’ve seen the sunbeam shine a light with all the shadows gone from sight, and I really hope you believe in loving life”. Simplesmente uma bela ode de valorização à vida que traz o backing vocal de Jim McGorman como elemento que levanta o ânimo do ouvinte já atiçado pela melodia popeada.


Surpreendentemente, a canção começa com um tempero diferenciado. Fora da zona de conforto até então construída em no álbum, de um reconfortante estado de torpor quase transcendental, o novo cenário tem a guitarra distorcida e uma bateria precisa como protagonistas melódicos desenhando uma estrutura calcada na mistura entre o rock alternativo e o pop punk. Entre rajadas encorpadas do baixo, o contágio é engrandecido por uma interpretação lírica mais viva e em tons mistos de desabafo e um estranho senso de cansaço. Fluindo para um refrão de sonoridade tranquila e amena que remonta estruturas rítmicas de nomes como Snow Patrol, Going Crazy narra o estado de caos interior, uma explosão desarmônica emocional que, ainda, consegue oferecer um mínimo e súbito sinal de normalidade. É uma canção que mostra e representa o estado desordenado do ser humano, que insiste e pede incansavelmente por ajuda para sair da instabilidade emocional. Uma comunidade que, apesar de perdida e exalando um aroma de loucura, ainda possui essência bondosa madura o suficiente para ser lapidada. Going Crazy é, então, uma canção fora do eixo melódico-padrão do álbum, mas que apresenta estrutura capaz de torná-la um single lado b de Chaos In Bloom até pelo motivo de quase descrever o título do disco.


A neblina se movimenta rapidamente enquanto um aroma adocicado e amorfinado paira pelo ambiente. Uma silhueta obscura surge no horizonte a passos lentos na direção do personagem, que se encontra imóvel e tenso. Esse é o cenário construído pela melodia introdutória que, graças às notas excessivamente graves e espaçadas do teclado que aqui recria a sonoridade do piano, imputam densidade, e toques de um sombrio arrepiar. Medonho a ponto de fazer surtir no ouvinte um estado de insegurança inquebrável, o contexto de Day After Day é construído sobre uma base rítmica cadenciada sob a estrutura do rap, mas sem a sincronia do vocal. Abordando novamente um contexto de caos social que, aqui, é mergulhado na mesmice do dia a dia enquanto reflete sobre um estado automático de vida, de como se vive. Como se fosse uma peça teatral de apenas um ato, o dramático, Day After Day é o relato da desvalorização da existência estimulado por uma insegurança tamanha que gera uma espécie de delírio. Um delírio curiosamente consciente por socorro. Com auxílio de Will Scott também na bateria, Day After Day acaba se mantendo em uma sonoridade popeada que muito tem familiaridade com as melodias do Coldplay.


Dramática e levemente melancólica, o novo cenário é construído sobre um terreno alternativo nauseante e levemente azedo que bebe da influência do R.E.M.. Com possíveis percepções de morbidez, a canção transpira uma transcendentalidade entorpecente pelo teclado que, com auxílio do chacoalhar linear da percussão, consegue seu objetivo hipnótico. De refrão harmônico, mas demasiadamente tristonho, Past Mistakes é uma canção sobre amadurecimento, o enfrentamento do passado com o incerto do futuro. Tratando do convívio das dores e sofrimentos anteriores que, hoje, são grandes auxiliadores para o fortalecimento emocional e a preparação para outra fase da vida, Past Mistakes é a mistura da ansiedade pelo fim do ontem com o medo do início do amanhã.


Introspectiva, lamentosa e bluesada. Puxada por um teclado de notas melancólicas executadas por Muhoberac, a melodia assume aromas florais gélidos ao mesmo tempo em que flerta com noções transcendentais. Captando tal energia, Rzeznik entra em cena com uma interpretação emotiva e sensível que beira o intimismo. É com essa doçura lacrimal que flerta com a mesma estética melódica de Hey Jude, single dos Beatles, que You Are The Answer se apresenta ao ouvinte. Sonoramente minimalista mesmo em seus repentes de crescente harmonia, a faixa dialoga sobre decepção, sobre a assumição de uma carapuça fria para esconder a sensibilidade. You Are The Answer é uma música que, acima de tudo, estimula o ouvinte a seguir a trajetória da vida e rompa as barreiras negativistas da depressão e da solidão. Não à toa que os versos “close your eyes, realize some hearts, they can't be sold”, “you are the answer you've been looking for” e “don't let the bastards steal your soul 'cause they don't see you're gold” ajudam o ouvinte a não apenas se valorizar, mas perceber que a motivação que muitas vezes é procurada está dentro de cada um. You Are The Answer é uma música que inquestionavelmente consegue arrancar lágrimas e arrepios por conta da ampla beleza e sensibilidade de sua mensagem. Um grande single de Chaos In Bloom.


O som do piano vem grave em suas pausas dramáticas. Não há cenários descritíveis, apenas diversos tons bailando em uma sincronia levemente melancólica abraçando o interlocutor de maneira sensível enquanto a bateria vai se harmonizando com a energia sonora ao inserir linhas de um groove intimista. É assim que Superstar, uma canção que beira o religioso, se apresenta ao ouvinte. Uma canção de fé, de confiança, de uma força maior que protege e oferece força para seguir na vida, mesmo quando ela beira o caos. Por isso que, de maneira consciente, desprendida, confiante e conformada, o eu-lírico pede para que “turn out the lights and dance with me until the bitter end”. Superstar é simplesmente a sonorização transcendental do abraço entorpecente e afetuoso que oferece aconchego em meio ao caos eminente que chega a, inclusive, flertar com a melodia melancólica de I Am The Highway, single do Audioslave.


Intenso, dramático, melancólico. Motivacional. Chaos In Bloom não é apenas a representação dos conflitos emocionais vividos por todas as pessoas como indivíduos. É um álbum que estuda a sociedade e traz visões que se deleitam sobre a constatação de que uma grande transformação está a caminho.


O diálogo com a dor, com o sofrimento, com a solidão. O desamparo, a desmotivação, a desesperança. O choro, o grito, o desespero. É a representação da instabilidade emocional de um povo que se vê na recente, mas passada, mais dura batalha de sobrevivência dos últimos tempos: a pandemia do Coronavírus. E em Chaos In Bloom, seus efeitos não foram mostrados no conceito físico, mas sim no íntimo. No cerne do indivíduo.


Ainda que perdido em intensos e reconfortantes torpores que tentam amenizar o desconforto, o álbum tem em sua essência uma mensagem puramente positiva e estimulante que motiva o ouvinte a deixar desabrochar a sutileza e a bondade que existe em cada um. É como um pai falando com o filho e dando-lhe votos de afeto e confiança. É a deixa para que a positividade, a energia e a força se unam e façam nascer uma comunidade fortalecida, regida no amor e no senso comunitário do companheirismo recíproco.


Para a construção de uma sonoridade tranquila e entorpecente, mas ao mesmo tempo intensa e insana, Chaos In Bloom contou com a cooperação de nomes como Mark Endert e Joe Zook. A sincronia sensível dos profissionais fez com que o álbum resultasse em uma sonoridade plural que, por meio do indie rock, do pop, do rock alternativo, do jazz, do britpop e do pop punk, o Goo Goo Dolls conseguisse transmitir sua visão de que a sociedade como um todo está vivendo um caos em flor. Uma vulnerabilidade emocional desmedida.


Para que o álbum fosse o mais autêntico possível, a produção foi feita a três mãos. Rzeznik, ao lado de Fernquist e Gregg Wattenberg fez criar uma espécie de trinca emocional. Como um tutor auxiliando um estudante quais os melhores caminhos, os três fizeram com que os músicos entrassem em uma sinergia quase espiritual para estimular o que há de melhor em cada pessoa.


Lançado em 12 de agosto de 2022 via Warner Records, Chaos In Bloom é um disco emocional e intenso que retrata a sociedade em seu período de maturação após o caos da pandemia. É a perfeita metáfora de que, os seres humanos representados por flores, estão vivendo seus próprios demônios ao mesmo tempo que caminham para a redenção da serenidade e do amor. É a máxima sensibilidade de uma dupla que consegue enxergar, no pandemônio, a bondade lutando para se manter ativa.

















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.