Hatematter - Antithesis

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Cinco anos depois de Metaphor, o Hatematter voltou ao estúdio para compor aquele que seria seu quarto disco de estúdio. Intitulado Antithesis, o material é vendido como uma espécie de odisseia entre as dores e os sofrimentos vivenciados pelo grupo em seus primeiros anos, anos esses que dividiram espaço com a pandemia da Covid-19.


É como o som do vento, vindo do longe, ricocheteando as paredes de um ambiente ainda de forma enigmática. Conforme o sonar vai se amplificando e assumindo o primeiro plano auditivo, se percebe uma energia tecnológica e cibernética pairando no ar. Eis então que o sintetizador de Rafael Augusto Lopes oferece uma melodia linear e levemente ácida que comunica ao espectador uma leve tendência à new wave. Acompanhando essa sonoridade, uma voz estridente impõe um diálogo, uma narrativa incompreensível que faz de The Veiled Truth, um interlúdio que, do pouco que é possível assimilar das linhas líricas, disseca e descreve o que é a realidade no espaço-tempo.


O metal sinfônico se funde ao metalcore logo no início, com um punch melódico cenográfico e de toques dramáticos. Entre a sincronia grave das guitarras de André Buck e Thiago M. Ribeiro, o sintetizador faz a vez da harmonia com um sintético e baixo voo do sonar adocicadamente gélido do teclado. Épica e de uma beleza singular, capaz de construir no horizonte uma paisagem unificada entre beleza e utopia, Last Thread Of Hope tem na bateria de Marcus Dotta, quem adota extensos usos de bumbos duplos, o elemento a dar pressão, concisão e consciência a uma melodia que, por vezes, ainda flerta com o metal progressivo. Quando o grave e gutural timbre de Luiz Artur entra com as linhas líricas, Last Thread Of Hope uma canção sobre solidão, sobre os efeitos nocivos e autoflagelantes de uma mente em desequilíbrio emocional. Ainda assim, a faixa tem uma base rígida de esperança em um futuro regido pelo respeito mútuo, incondicional e constitucional que não abraça apenas as diferenças, mas encara o indivíduo como parte operante de uma comunidade, afastando, assim, o medo, a insegurança e uma hipotética realidade regada à rejeição, anulação e esquecimento.


Mais sombria, melancólica e dramática que a canção anterior, a presente canção nasce com uma melodia que bebe de uma influência céltica, enquanto proporciona um cenário trevoso e caótico, em que os céus são adornados por uma escuridão absoluta e por figuras de um perigo mitológico rondando e se alimentando do breu. Dragões e elementos desfigurados aparecem entre as rajadas trovejantes como uma mescla de treva e súplica até o momento em que o denso e o áspero dão lugar a uma sonoridade adocicada, mas histérica e agoniante. Pelo som das teclas do teclado, o progressivo volta a pairar entre os ingredientes estéticos, enquanto dá liberdade para que a guitarra insira pitadas mistas de metal alternativo e nu metal à melodia. Entre timbres limpos e guturais, Artur transforma S.T.A.Y. uma odisseia em quatro atos que apresenta um Planeta Terra colhendo os frutos dos atos de uma população fracassada, inconsciente e imprudente. Agora, esse mesmo povo procura outro lugar para seguir a vida e é cenário narrativo-céltico que faz de S.T.A.Y. uma discussão sobre a busca da esperança mesmo quando ela aparentemente está ausente das emoções terrenas.


Com uma crueza suja que se mostra como uma falha na equalização, a canção vem trazendo um ingrediente diferenciado em relação àqueles já previamente apresentados em Antithesis. Trazendo um cunho propriamente melódico através do sobrevoo da guitarra solo, Where The Grasshopper Lies chega com a promessa de, além de ser o primeiro single de caráter radiofônico do álbum, vem, também, como o primeiro material a trazer uma estética de balada do disco. Juntando sonoridades eletrônicas provenientes do sintetizador, que, assim como fez em The Veiled Truth, insere toques new waves, Where The Grasshopper Lies é narrada por vocais guturais e de notas azedas que, além de mostrar a sintonia entre Artur e Ribeiro, vez ou outra, soa como um grunhido. Adornada por um refrão em que Artur aparece de cara limpa, Where The Grasshopper Lies é uma canção que, apesar de ser melódica, apresenta o enredo mais sombrio de todo o álbum, um enredo em que a ausência de esperança e a entrega consciente ao caos não é nem uma escolha e nem uma intimação, mas um ato irracional rumo a um fim inevitável.


Seu sonar sugere o sombrio, o cinismo, o pós-apocaliptico. Com apenas a reprodução de um som, Precognitive Dissonance vem como a trilha sonora de um momento que antecede o ápice do terror. É um interlúdio que serve, linearmente, como introdução de Condemned To Unexist, uma faixa de despertar histérico, descontrolado e dissonante. Colocando agora também raspas de death metal em sua base progressivo-alternativa, o Hatematter faz da faixa um produto também groove metal, enquanto o melodramático assume a dianteira sensitiva exalada pela melodia. Com bumbos sequenciais como maneira de recriar lapsos de consciência, Condemned To Unexist é uma faixa trevosa que lamenta o fim da liberdade de expressão e a morte do pensamento crítico, questionador. Além disso, tal como Last Thread Of Hope, a faixa dialoga sobre a anulação, mas aqui sob o viés da manipulação política, que transforma cérebros em marionetes que assumem como fatos, inverdades das mais variadas origens.


A guitarra vem com um som azedo ao fundo. Crescendo aos poucos em uma escalada semelhante àquela feita em The Veiled Truth, o instrumento, em sua dobradinha estrutural, passa a dominar o escopo melódico dessa que se mostra ser uma canção de base levemente galopante. Com uma embrionária e proposital dissonância, All Blind Eyes Turned evolui para um cenário melódico grave, robusto e sombrio, mas ainda capaz de desdenhar frases com requintes de dramaturgia. É assim que a faixa discute o ódio, a intolerância, o senso desmedido de conservadorismo. No entanto, o que All Blind Eyes Turned traz em suas entrelinhas é, entre o gutural e o screamo associados ao death metal e ao metal alternativo, uma narrativa que critica a forma como os líderes religiosos agem de tal forma a manipular seus seguidores em prol de uma falsa fé. Uma rotina que, no fim, lhes traz uma culpa sem chance de ser sanada e, portanto, corrosiva.


O sci-fi retorna com peso durante a nova introdução. Uma voz feminina encaminha o ouvinte para uma cenografia espacial próxima à órbita de Netuno. Em seguida, o que se constrói é uma ambiência melódica metalizada, mas de fácil digestão. Ela não tem um viés radiofônico como aquele de Where The Grasshopper Lies, mas ainda assim consegue ser atraente em sua base rítmica em 4x4 grave, densa e repleta do uso sequencial e trotante do bumbo. Entre timbres endemoniados e outros puramente guturais e limpos, Artur tem a companhia de Mayara Puertas no microfone, o que confere, a partir do timbre gélido e de interpretação sofrida da convidada, uma dramaticidade estonteante a Liberate Me. Com essa estrutura, a faixa dialoga sobre solidão e inveja, mas também de uma vontade insana de se libertar do convívio com esses comportamentos negacionistas, falsos. É uma espécie de torpor criogênico no intuito de superar o se relacionar com uma comunidade em decomposição em virtude de seus atos mentirosos institucionalizados.


Pelo sonar do hammond, com seu dulçor ácido, o ouvinte não apenas se sente na passagem entre ecossistemas, mas também se vê banhado por um senso de esperança e renascimento em um novo ambiente, onde tudo é novo e onde a pureza está intacta. Inviolável. Unseen To Lesser Eyes é um interlúdio tocante, que traz o progressivo como sua base estética e que, em sua máxima harmonia, se torna um deleite ao sofrimento do viajante que se depara com um planeta recheado de indivíduos perdidos em comportamentos de índole egoísta e limitada.


Assim como em The Veiled Truth e Where The Grasshopper Lies, o sci-fi surge como protagonista estético a partir dos sonares tilintantes do sintetizador. Não demora muito para que as guitarras se fundam em uma mescla de dramaturgia e o conceito denotativo de melodia, enquanto suas frases vão se tornando cada vez mais chorosas, angustiantes e suplicantes. Caminhando livremente entre os terrenos do progressivo e do metal alternativo, With Mankind Beneath My Feet é narrada por um gutural sem sofrimento, mas, sim, imponente e com pitadas de uma espécie de raiva controlada. Crescendo em harmonia durante o refrão, a faixa é onde o personagem lida com a culpa e o remorso de um passado, enquanto se vê mergulhado em rebeldia, agressividade e impulsividade como formas de mascarar, ou até mesmo dar voz aos sentimentos conflitantes que crescem a cada dia em que o ontem se torna cada vez mais doloroso.


É como se sentir flutuando perante a infinitude do universo. Enquanto a voz ecoa sem limites, os pensamentos assumem uma velocidade incalculável em seu processo de repescagem de situações e eventos vividos. Apesar de ser a guitarra quem puxa a melodia junto ao vocal, é a delicadeza gélida das notas do piano que fazem ondulações melancólicas capazes de capturar o ouvinte em seu sofrimento entorpecido. Como uma faixa perfeitamente melodramática, In The Silent Still se apresenta como a faixa mais  tocante e visceral do álbum. Afinal, aqui o personagem dilacera sua dor e a coloca de forma transparente para que todos entendam o motivo de tanto sofrer. E aqui, a razão está envolta no luto, na superação da perda, e no remoer de memórias que não mais poderão ser vividas.


Não há discussão em relação à sua brutalidade. Ainda assim, em Antithesis, o Hatematter provou que a crueza e a agressividade são apenas escudos para esconder a essência delicada, sofrente e emocional de um indivíduo em desequilíbrio sentimental. É aqui que as lágrimas e o ódio formam um só corpo sensitivo, capaz de confundir o que é impulso e o que é sincero.


Nesse aspecto, é interessante perceber como o álbum apresenta uma equilibrada mistura entre o melodrama, o azedume, a intensidade e a força rítmica. São por esses elementos que o ouvinte consegue capturar, de fato, as antíteses emocionais de uma vida em processo de autoconhecimento e superação.


Entre questões sociais e psicológicas, Antithesis é um álbum visceral que traz um indivíduo lidando frequentemente com os sensos de solidão, mas que também lamenta o fim da liberdade de expressão e critica a manipulação religiosa. Principalmente, porém, o personagem do álbum se vê capturado por um senso de profunda desesperança no futuro da sociedade global, tanto como unidade, quanto como coletivo.


Para representar esses vieses melodicamente, o Hatematter se aliou a Brendan Duffey e, também, ao próprio orquestrador Lopes. Por meio deles, Antithesis caminhou livre e intensamente entre os campos do metal alternativo, death metal, metalcore, screamo, new wave, metal sinfônico e o nu metal. Ainda assim, é a combinação entre sci-fi e metal progressivo que forma a base melódica do álbum e por onde a tecnologia encontra a emoção.


No entanto, apesar de a mixagem ter favorecido uma boa degustação dos ritmos propostos, ela, paralelamente, pecou na equalização individual dos instrumentos. Afinal, no decorrer das 11 faixas do álbum, não é possível ouvir com clareza as contribuições de André Martins na melodia. O baixo parece ser engolido pelos rompantes da bateria, da dupla de guitarras e até mesmo pelo sintetizador. Por isso, a base do álbum soa como se estivesse faltando um elemento para deixá-la ainda mais concisa e encorpada.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Daniel Gava, ela consiste no foco de um indivíduo humanoide que, observando uma muda de planta delicadamente elevada por sua mão esquerda, comunica a busca da pureza, da fertilidade e, acima de tudo, pela esperança de um futuro melhor adquirido a partir da disseminação do senso de humanidade. De certa forma, a obra carrega boa influência e referência à animação Wall-e, da Pixar, pois os personagens centrais se combinam em suas funções determinadas.


Lançado em 06 de outubro de 2023 de maneira independente, Antithesis é o melodrama provando que a brutalidade é apenas um escudo das emoções mais delicadas. O álbum é onde o Hatematter busca por autoconhecimento capaz de ajudá-lo a superar a dor do luto e a tristeza institucionalizada perante a ausência de esperança.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.