Aetherea - Through Infinite Dimensions

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Foi a partir de 2016 que ela se firmou como banda. Contudo, foi apenas quatro anos depois de seu verdadeiro nascimento que o quinteto Aetherea se lançou oficialmente no mercado fonográfico com Look Into My Eyes, seu EP de estreia. Quatro meses se passaram e, então, veio ao mundo Through Infinite Dimensions, seu álbum de estreia.


É como uma adocicada, alegre e feliz abertura de uma peça infantil. Com raspas de uma felicidade exagerada ao estilo contos de fadas da Disney, a sonoridade épica consegue vir acompanhada de notas de drama e suspense, como se já comunicasse que o enredo a ser descoberto sofreria um turning point em sua performance regada a uma aparente perfeição inquebrável. Sonorizada completamente pelo sintetizador de Rodrigo Mello, Prelude: Origin Of The Chaos é adornada por uma harmonia quase céltica que remonta os tempos feudais.


O drama épico sobressai ante uma base ríspida e caótica governada pela sincronia grave e sombria da guitarra de Fábio Matos e da bateria de Paulo Lima. Curiosamente, existe um torpor reconfortante em meio ao caos iminente que funciona como uma espécie de proteção amorfinada que abraça o ouvinte. Apesar de o sintetizador quase apagar a sonoridade do corpo melódico, é possível perceber agressão, rispidez e um compasso regado em pedais duplos consistentes que entregam peso à melodia introdutória. Entre o protagonismo do metal sinfônico e as raspas de death metal, Weekend Prophets vai amadurecendo de maneira equalizada conforme o despertar do primeiro verso vai se aproximando. É então que uma voz rasa, quase fantasmagórica e de timbre gélido preenche a melodia. Eis Jéssica Sirius introduzindo uma energia aflitiva que beira até mesmo a loucura. Nesse ínterim, Weekend Prophets dialoga sobre hipocrisia e manipulação religiosa. Ambição, ganância e autoritarismo são outros elementos que preenchem o diálogo crítico àquilo que se mostra ser o culto evangélico. Nesse aspecto, mesmo não havendo semelhança melódica, Weekend Prophets faz com que o ouvinte ouça em sua mente o verso icônico “vi crentes no inferno por não aprenderem a rezar”, de A Face De Deus, single dos Inocentes


Explosivo, melódico, clássico. Dramático. De despertar épico e teatral, a canção logo sofre um turning point em seu compasso rítmico. Se tornando mais rápida e compassada, ela novamente deixa visível a importância dos pedais duplos na contagem do tempo melódico enquanto o perigo vai sendo construído conforme a sonoridade vai amadurecendo. Entre lampejos ásperos e frases trotantes, a guitarra consegue transmitir, por si só, o tom de alerta de que algo está à espreita, observando o personagem lírico ingênuo e sem malícia. Com direito a frases que beiram o thrash metal, em que o baixo de Vicki Marinho tem presença indiscutível na criação do corpo e da pressão sonora, My Hunter é uma canção que apresenta um personagem assombrado pelas lembranças do passado, uma pessoa perdida, sofrida e desamparada. My Hunter se mostra, na verdade, como o desejo do eu-lírico em encontrar as respostas de tanta dor e lamento. Um alento elucidante que pode até mesmo representar um falso bem-estar.


Bruta, selvagem, ríspida e agressiva. Memories tem um amanhecer sombrio que a torna mais densa que suas irmãs mais velhas enquanto sua sonoridade apresenta uma maturidade estética superior e equalização mais bem executada. Metalizada e com flertes com o doom, ela tem nas notas gélidas do teclado uma distribuição vitalícia de torpor que abraça o ouvinte em seu choro nostálgico. Tais lágrimas vêm preenchidas por dor e lamento ao rememorar pela luta em nome do amor, que, apesar da entrega, foi em vão. Memories é uma balada romântica e metalizada com direito a inserções guturais masculinas vindas de Mello.


Um coro gutural é ouvido ao fundo preenchendo a melodia introdutória ao lado do teclado de harmonia épica. Dialogando sobre impotência, insegurança e insanidade, Beyond Hell é gravada como um material dramático-agressivo que, entre uma cadência acelerada que tenta afastar o sofrimento, possui um olhar lacrimal de difícil estanque. Imerso em uma visão caótica de mundo, o personagem central pede por resgate desse ecossistema regado de autoritarismo e ambição.  Beyond Hell  é uma canção que, inclusive, questiona o falso e desmedido senso de lealdade por nações que nem sequer oferecem qualquer tipo de respaldo aos seus soldados.


Apesar de, por ligeiros instantes, parecer recriar a atmosfera de Haunted, single do Evanescence, a canção logo evidencia seu aroma reflexivo, doce e melancólico. Sob um terreno introspectivo e minimalista em relação aos bojudos instrumentais oferecidos até então, Dance Of The Night, consegue, inclusive, se enveredar por energias nostálgicas que são acompanhadas de um vocal mais firme e encorpado por parte de Jéssica. Curiosamente, em doses ainda maiores que as de Memories, Dance Of The Night se mostra ser a verdadeira balada romântica de Through Infinite Dimensions. Neste romance mórbido, o personagem lírico segue incessante na busca por algo ou alguém que ofereça motivações suficientes para continuar trilhando o caminho da vida e se afaste da escuridão da morte.


Como se estivesse oferecendo doses generosas de esperança a partir de um horizonte límpido e pacifista, Look Into My Eyes tem seu amanhecer. Por entre frases repicadas da bateria, a canção escorrega para uma segunda etapa introdutória que é regida por um instrumental belo em seu caráter épico, melódico e sinfônico. Com raspas agressivas e metalizadas, a canção é adornada por contrapontos que quebram a hegemonia aveludada da melodia enquanto transita por terrenos sonoros gélidos durante o primeiro verso. Look Into My Eyes traz um personagem mergulhado pelo medo do fim iminente, mas ainda embebida pela ideia de sonhos que não mais serão concretizados. Dialogando inclusive sobre desesperança, a faixa é outro exemplo de produto do álbum que aborda, de certa forma, o conceito de manipulação.


O piano surge com notas chorosas e estridentes. Acompanhado pelo sonar de violinos que dão ainda mais corpo às lágrimas bojudas que escorrem por entre a melodia sofrida de suas teclas, o instrumento parece sonorizar os olhares entristecidamente saudosos por algo que não mais pode ser experienciado. Quando a guitarra entra em uma postura controladamente distorcida, ela auxilia na criação de uma estética rítmica ainda mais emocional e tocante. Depois de uma pausa dramática, Jéssica entra em cena com um vocal grave e quase embargado que rememora as dores de um falso amor. Inquieto e exalando raiva por ter se enganado diante de um sentimento vendido de maneira tão pura, o personagem lírico se mostra firme na continuidade da vida. Eis então que Bleeding evidencia seu enredo, cuja mensagem é o amadurecimento pela dor, uma educação sentimental que prepara a pessoa para as decepções que a vida por ventura pode oferecer. 


Com um alvorecer estimulante que despeja notas generosas de empoderamento, a harmonia épica da introdução logo escorrega para algo lento e melódico, mesmo tendo o tempo cadenciado a partir dos lineares e precisos bumbos duplos. Com repentes caóticos e quase dissonantes, a canção acaba flertando com o terreno do rock progressivo enquanto divide espaço com pausas dramáticas e pontes açucaradas que evidenciam a escola clássica e dramática de Beethoven pela desenvoltura do piano de Mello. De súbito, Face The Lies se torna bruta e de cadência lenta de maneira a flertar com o doom. É nesse momento que o enredo é evidenciado de maneira a dialogar novamente sobre manipulação sob uma ótica da loucura do bem-estar ludibrioso. Como alguém perdido procurando o caminho certo a seguir, Face The Lies é a representação dos últimos resquícios de força usados para pedir ajuda para se desvincilhar do vazio das ilusões.


Metalizada e com rompantes dramáticos que soam como avisos. Sem delongas, a introdução é preenchida por uma guitarra melódica que grita em meio a uma base que mistura racionalidade e torpor. Com forte inclinação ao power metal, Forgotten Humanity (Through Infinie Dimensions, Part. 1) é enérgica e excitante em sua cadência rítmica trotante e levemente acelerada. Dialogando sobre legado, persistência e predestinação, a canção tem um lado sombrio ao tratar da forma como enxerga a humanidade. Nesse ínterim, Forgotten Humanity (Through Infinie Dimensions, Part. 1) ainda recebe a presença de Andressa Lé imprimindo um vocal que amplifica a doçura gélida de Jéssica.


É com uma doçura melancólica que um novo horizonte começa a ser evidenciado. Novamente introduzindo raspas melancólicas, o Aetherea consegue mesclar drama, lágrimas e delicadeza em uma melodia valsante. Trazendo uma canção dolorosa sob a experiência da decepção, o quinteto apresenta ao ouvinte Faceless Face, uma canção introspectiva que dialoga sobre desilusão e sobre a insistente tentativa de preencher o vazio a partir de novos erros que recriam os mesmos deslizes do passado. Faceless Face é nada menos que a sonorização da cegueira desesperada para estancar as feridas criadas por sonhos e ideias não concretizadas. E quando o ouvinte pensava já ter vivenciado toda a experiência que a canção tem a oferecer, uma quebra rítmica surge enquanto o vocal rasgado e quase sussurrado de Mello surge, na ponte, colocando suspense em uma narrativa que beira a estrutura de um conto épico 


O violão surge dedilhado construindo uma melodia folk céltica. Flertando inclusive com o flamenco, ela oferece uma mistura interessante de swing, delicadeza e uma narrativa propriamente folclórica. De súbito, essa atmosfera é surpreendida por explosões ásperas que destroem todo o terreno da sutileza. Ainda assim, existem conceitos propriamente melódicos nas silhuetas power metal/metal sinfônico oferecidos, principalmente, pelo teclado doce e gélido que sobressai perante a base distorcida e com pitadas brutas. Épica e com direito a uma guitarra que grita e exorta seus sentimentos saudosistas, Those Eyes tem uma introdução potente, penetrante e, principalmente, marcante. Conduzindo o ouvinte novamente para um enredo que discute e busca por motivações suficientes para continuar a vida, questiona a fé como norte e critica a hipocrisia religiosa, a música tem uma quebra rítmica que encaminha o ouvinte para uma ambiência mais rápida, enérgica e com direito a inserções pontuais de um vocal masculino gutural e rasgado. Those Eyes é mais uma música de desolamento, mas com o diferencial de ser a mais bem trabalhada de Through Infinite Dimensions.


É difícil de se ver, em um país perpetrado e preenchido pelo Sol, pela alegria e pelo calor humano, bandas que se enveredam por campos melódicos mais densos, complexos e nórdicos. Chamando de ousadia ou não, esse foi o caminho escolhido pelo Aetherea que, com Through Infinite Dimensions, apresenta enredos introspectivos e preenchidos por uma intensa mescla de nostalgia, melancolia e melodrama.


Por meio de uma base inquestionavelmente sinfônica, o quinteto montou um trabalho dramatúrgico e teatral que, por meio de grandezas que fundem classicismo com os campos mais densos do rock, dialoga sobre manipulação religiosa, má-fé, desmotivação, desolamento e uma necessidade insana de companheirismo como mote para o fortalecimento emocional.


Para dar peso a esses temas de tamanha sensibilidade sensitivo-introspectiva, o Aetherea mergulhou, inclusive, nos terrenos do folk, power metal, doom metal, metal, death meta, metal progressivo e thrash metal na tentativa de chamar o ouvinte para dar voz a tais reflexões. Até porque, a pandemia foi um momento delicado em que o mundo foi convidado para pensar a vida. E Through Infinite Dimensions apenas dá mais caminhos para esse devaneio pensante.


Com mixagem assinada por Wagner Meirinho, o álbum tem alguns escorregões no que tange a equalização especialmente nas primeiras canções. O interessante, porém, é notar que o produto mais bem trabalhado acabou sendo Those Eyes, o último dos 12 capítulos do álbum.


Isso mostra que o Aetherea ainda está trilhando o caminho do amadurecimento rítmico melódico, mas com a certeza indiscutível de querer representar o metal sinfônico. É aí que entra o trabalho de Fábio Matos. Além de ser guitarrista, o músico também se divide na função de produtor, que nada mais é do que a consciência de qualquer grupo. 


Quando fiel e em sintonia com aquilo que o grupo deseja experimentar, é quase como a certeza de um grande trabalho. E Matos provou sua sinergia com o quinteto, mostrando que o amadurecimento como equipe está sendo construído de maneira correta, cabendo então ao ouvinte aguardar ansioso para o sucessor de Through Infinite Dimensions, um álbum que, inclusive, contou com a participação especial de Marcus Dotta na criação de frases metalizadas na bateria.


Encerrando a parte técnica do álbum vem a arte de capa. Assinada por Romulo Dias, ela traz uma mulher em feição de torpor com o peito aberto de maneira a evidenciar seu coração. Com contornos nas mãos que remetem as rendas vitorianas, o que conduz o ouvinte à noção clássica que preenche o álbum, além, claro, da questão emocional que é indiscutível.


Lançado em 03 de abril de 2021 via MS Metal Records, Through Infinite Dimensions é um disco repleto de harmonias profundas, melódicas e gélidas que, com intenso torpor, chama o ouvinte para pensar  a religião, a fé e, principalmente, a vida. É por isso que, além de entreter com seus romances dramáticos e até mórbidos, o álbum tem a força e a certeza de conduzir o espectador para o mais profundo e íntimo de suas emoções.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.