NOTA DO CRÍTICO
Dando seguimento a A Dream, seu primeiro EP, e anunciando a continuação de lançamentos de materiais cheios, atividade estacionada em 2019 com Mais Que Os Olhos Podem Ver, seu primeiro álbum, Jade Baraldo lança novo material. Intitulado Infame, o novo extended play chega com o propósito de reforçar a luta das mulheres por direitos iguais.
O amanhecer é gélido e sintético a partir do teclado de Maurício Oliveira e Thiago Gomes. Ainda assim, são esses mesmos sonares que indicam uma possível inclinação melódica ao campo do pop, algo que vai se confirmando, mas sob ares barrocos. Interessante aqui é notar que, enquanto Jade Baraldo se apresenta com um timbre grave de interpretação sussurrada, ela também dá propositais noções de uma sensualidade provocativa cuja intenção é enfrentar seu próprio cansaço perante a falsidade e futilidade de um relacionamento sem alma. Não à toa que Fim Da Festa mostra uma personagem pronta para entrar em um colapso como forma de extravasar sua impulsividade incontrolada. E para dar um verdadeiro clima de festa, não apenas a programação de Damien Seth coopera com a criação de uma estética lounge music, mas também o baixo auxilia na obtenção de uma firmeza melódica que contrasta com a cenografia de descontração e mesquinharia.
Apesar de as guitarras de Oliveira e Fabrício Matos puxarem a introdução com riffs alegres que sugerem, inicialmente, uma fusão entre reggae e soft rock, o que se matura melodicamente é um ritmo swingado com uso de subgraves e grooves de baixo marcantes dando pitadas de pressão ao ritmo. Desse momento em diante, sim, o soft rock se apresenta, mas mais tímido do que o inicialmente suposto, na retaguarda de um inicial synth-pop de caráter provocante e sensual. Adornada por um refrão bem construído e com estrutura chiclete, Hello é uma canção divertida e dançante, mas que guarda um enredo forte que escancara o relacionamento abusivo e o ciúme excessivo como fatores que geram insegurança e, portanto, autodesvalorização, fragilidade e medo. Um grande exemplar de Infame.
O coro é valsante, mas traz consigo uma curiosa energia funesta que desemboca em uma atmosfera dramática, mas sorrateira, com um lirismo trazido tal como um sussurro, um segredo. Entre sintomas de imposição e egoísmo, a personagem se vê refém, tal como em Hello, de um relacionamento abusivo e unilateral, mas manipulada no que se refere ao verdadeiro significado de amor. Como outra canção sensualizada, Me Maltrata é imbuída em uma estrutura R&B marcante que, graças à levada da bateria de Thiago Silva e do groove do baixo, contagia o ouvinte e o faz esquecer, por alguns instantes, da crítica em relação ao machismo estrutural que cria noções de uma falsa dependência na mulher.
O sonar do piano vem dramático, cabisbaixo, entristecido. Se maturando como um exemplar da música eletrônica através da electro house music, Sabotar traz outro enredo forte que propõe ao ouvinte acompanhar uma personagem em seu processo de vingança contra aquele que a fez sofrer. É como a inversão de papéis em que aquele dito como sexo frágil assume as rédeas da situação e exige retratação pelos maus tratamentos sofridos. Apesar de seu ritmo dançante e de algo que soa quase como um sample do verso lírico “eu só quero que você se top, top, top, uh”, retirado do single Top Top d’Os Mutantes, Sabotar traz a verdade de que uma mulher que sofre de abusos do companheiro não é um caso isolado e que ela encontra nas outras vítimas um apoio para se desvencilhar de tal realidade autoritária.
Um som eletrônico e de leve estridência azeda vem tomando conta do cenário aos poucos pela programação de EcologyK. Nesse ínterim, Jade surge com uma interpretação sussurrada, mas que sugere uma raiva sonolenta e com potencial de implosão. Melodicamente evoluindo para uma base reggaeton, mas de superficialidade de um leve pancadão, Xóra é a primeira faixa do EP em que a cantora exorta de maneira transparente o poder feminino e coloca a mulher, definitivamente, no controla da situação, de suas escolhas, de suas vontades. Ao contrário de Hello, a personagem aqui se encontra em perfeita coesão emocional, o que a torna capaz de enxergar suas virtudes e não se deixar diminuída por outro alguém cuja baixa autoestima o faz necessitar transparecer superioridade para mascarar a própria fragilidade.
Ele é coeso com a forma como é vendido. Infame não é apenas um material de chamativo slogan no fútil intuito de angariar ouvintes de apenas uma viagem. Ele é mais. É um material que representa a mulher reprimida, a mulher desvalorizada e a mulher aquém de sua liberdade. É um produto que dá voz à mudez consequente da repressão, do medo e da submissão.
Pode parecer que o EP não possui tais qualidades, é verdade. Afinal, seus ritmos e melodias são convidativos, atraentes e divertidos. Incitam a dança, o sorriso e, também, a sensualidade. Mas são esses elementos que, em união às linhas líricas, cria uma antítese entre a influência de terceiros sobre a essência do indivíduo, o fazendo pensar ser fraco e dependente, da verdadeira conjuntura emocional que, de fato, define a pessoa.
Não é difícil, a partir daí, perceber que Jade Baraldo faz, em Infame, críticas ferrenhas ao machismo estrutural e aos seus consequentes afluentes que contaminam a sociedade moderna. Autoritarismo, abusos de diversas naturezas, egoísmo, personalismo e um senso de escravização moldam os comportamentos dos homens de maneira institucionalizada a tal ponto que, para muitos, é algo normal por ser tão comum.
Para então conseguir criar um interessante, proposital e provocativo contraponto entre enredo lírico e melódico, Jade recrutou Johnny Maia para o trabalho de mixagem. Com a ajuda do profissional, Infame conseguiu caminhar por campos como pancadão, pop, electro house music, lounge music, R&B, reggaeton, synth-pop e soft rock.
Lançado em 01 de dezembro de 2023 via Warner Music Brasil, Infame é uma ode contra o machismo estrutural. É a representatividade. É a voz de cada mulher reprimida, oprimida e diminuída a tal ponto de se ver inferior ao homem. Motivacional, o EP vem com o intuito de valorizar a mulher e recuperar tanto o amor-próprio quanto a autoconfiança daquelas renegadas ao cárcere do autoritarismo masculino.