Greta Van Fleet - The Battle at Garden's Gate

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Três EPs e um disco de estúdio. Desde a formação do grupo em 2012 e o lançamento dos primeiros singles, o Greta Van Fleet viu sua posição no universo musical assumir uma ascensão meteórica. Para dar prosseguimento à sua firmação no cenário, o grupo anuncia The Battle at Garden's Gate, seu segundo disco de estúdio.


Um som agudo cria uma atmosfera tal como o Sol dando os seus primeiros sinais em um amanhecer. É o teclado de Sam Kiszka tomando corpo a partir de linhas rítmicas embasadas no soul e com pitadas de exoterismo. Em seguida, a bateria entra com golpes repetitivos e de velocidade progressiva até que a introdução de Heat Above finalmente explode em uníssono. Esse verso é uma combustão de melodia com capacidade de comover e fazer lágrimas escorrerem timidamente pelos olhos do ouvinte tamanha a delicadeza da lapidação harmônica nele presente. Com cadência e sutileza, o verso de ar traz o vocal tão característico de Josh Kiszka. Limpo, claro e com afinação bem trabalhada, ele apresenta de cara um choque de realidade, a ilustração triste e lamentável dos efeitos descontrolados da ação humana na natureza. Mas não apenas isso. O lirismo, que se mostra consciente a partir de uma interpretação que sugere incredulidade, aborda as guerras desenfreadas motivadas por interesses comerciais e mercantis.  Cheia de rimas ricas, as frases de Josh possuem um impacto reflexivo e chocante ao mesmo tempo. De cara, o álbum é iniciado com um single de peso.


Som de distorção em eco surge e logo se transforma em um riff de guitarra calcado no hard rock setentista tal como é recriado pelo grupo. Nele, Jake Kiszka imprime toques de malandragem e swing, fatores que casam bem com a proposta de My Way, Soon. Leve, contagiante e sedutora, ela é uma música que narra realmente a transformação de vida dos irmãos Kisza e de Danny Wagner desde a ascensão do Greta Van Fleet. De Frankenmuth, cidade do interior do estado estadunidense do Michigan com pouco mais de 5 mil habitantes, para países e plateias que em muito superam a população de sua terra natal sugerem não apenas choques de realidade, mas de culturas e de paisagens. E é isso o que a música traz. A ingenuidade de meninos que, muito jovens, tiveram de criar maturidade e enfrentar um universo totalmente novo. 


Uma guitarra de riff tímido e sugerindo um sofrimento velado, com lágrimas de desolamento escorrendo por sua face é percebida no ambiente. O vocal capta essa energia e exala uma voz leve, quase sussurrada em meio a um lirismo reflexivo sobre a retomada da paz, do bem-estar social e do dia em que a população mundial reencontra a harmonia da vida e da convivência. Mas o que impacta é a frase “Yet, we still play the game”, que sugere ventos de um futuro incerto. O instrumental, dramático e visceral, possui uma melodia que consegue encontrar o íntimo do ouvinte e, assim como aconteceu em Heat Above, arrancar lágrimas pela beleza harmônica criada em Broken Bells. Referências a Pink Floyd, Led Zeppelin e Eagles podem ser percebidas na canção, mas o mais singular é a similaridade existente entre a melodia do solo instrumental com aquela estruturada no instrumental de Battleground, faixa do Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators.


Suspense no ar. Um ambiente sombrio se mostra no horizonte. Calafrios invadem a sensibilidade do ouvinte. De repente, um riff hard rock setentista toma conta do cenário. Jake Kiszka imprime em sua guitarra uma levada amplamente swingada, levemente áspera, que muito tem em comum com a estrutura adotada por Jimmy Page no riff de Black Dog, single do Led Zeppelin. Ao mesmo tempo, o timbre ressoado pelo instrumento se equipara com a sonoridade adotada por outras bandas contemporâneas de hard rock, tais como Dirty Honey e Palace of the King. Em seguida, a bateria preenche a base rítmica com frases repicadas e cheias de groove, dando à canção uma cadência atraente. Quando ocorre a entrada do vocal, os instrumentos se combinam na elaboração de uma atmosfera dramática que serve de roupagem para um lirismo que aborda não apenas a guerra e a cultura cega do patriotismo desenfreado e egoísta. Ela coloca em cheque o que as guerras acabam proporcionando, que é o êxodo migratório, o desespero por se proteger do caos e os perigos vividos pelos fugitivos na busca por um novo lar, ao mesmo tempo em que deixam seus corações na terra natal em destruição. Claro que para dar peso a essa mensagem, Josh se coloca com uma voz demasiadamente rasgada que transmite incredulidade, espanto e toques de tristeza. Definitivamente, Built By Nations é um single lado b de peso.


Ecos. O som da guitarra perambula pelo ambiente criando uma noção de suspense intrigante e enigmático. Ao mesmo tempo, esse mesmo instrumento reivindica um espaço maior, o adquirindo através de lampejos de protagonismo que conferem um tempero salgado e que criam uma expectativa ao ouvinte sobre quais serão os próximos eventos de Age of Machine. Ao fundo, passa-se a ouvir Josh, cuja voz surge em volume progressivo até trazer o verdadeiro verso de introdução da faixa. Nele, Danny Wagner empenha um groove firme e de precisão tão exacerbada que a base blues pode, por vezes, até passar despercebida. Como todas as faixas de The Battle at Garden's Gate mostraram, a presente faixa segue a premissa de um lirismo reflexivo e crítico sobre cenários sociais, mas aqui, o centro desse vislumbre se encontra na dependência que a sociedade criou e continua a alimentar desenfreadamente em relação à tecnologia. Para chamar o ouvinte para pensar no assunto proposto, a canção se utiliza de riffs pontuais da guitarra criados com base no heavy metal, o que cria um ar sombrio e arrepiante.


Um violão de riff melancólico perambula pelo ar. Uma semelhança singela com Stairway to Heaven se constrói em rápidos instantes da sonoridade introdutória de Tears of Rain. É possível sentir tristeza pela melodia apresentada, mas também uma dramaticidade. O lirismo foi construído como uma prece, uma oração que, para muitos, pode ser para a natureza, para a Amazônia que sofreu focos de incêndio alarmantes entre 2019 e 2020. Inspirada nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, o que a canção guarda é um lirismo que funciona como uma prece pedindo para que Deus olhe para a pobreza. Para as pessoas humildes. Lhes ofereça um alento. A chuva é aquele abraço reconfortante que funciona como aquela icônica frase “Vai ficar tudo bem”. 


Um cenário épico é formado na introdução de Stardust Chords. As frases iniciais de bateria possuem a mesma estética de uma marcha militar. O mais interessante da faixa é que ela é uma perfeita intersecção entre música e religião. Sua letra constrói cenários comparativos à Santa Ceia e metáforas que abordam a ressurreição de uma terra desamparada. De uma sociedade apoiada em uma fé negligenciada e que defende divulgadores hipócritas.


Sam Kiszka puxa a sonoridade com um piano de notas agridoces, preenchida por uma bateria de grooves repicados com base no blues. É como se um quadro munido de união, companheirismo e uma sociedade reciprocamente respeitosa fosse criado em frente ao ouvinte através da conjuntura melódica que mistura melancolia com uma alegria nostálgica. A entrada do vocal proporciona aquele momento em que os olhos ficam marejados e lágrimas tímidas passam a escorrer livremente pelo rosto do espectador. Afinal de contas, a narrativa lírica é como se o personagem pudesse transitar entre passado e presente, alertando sobre ocorrências do futuro ao mesmo tempo em que pede proteção, e que presa para que o amor seja o sentimento distribuído pelo mundo. Essa é Light My Love, a balada até então mais emotiva de The Battle at Garden's Gate.


Os riffs, ao mesmo tempo em que se mostram baseados no metal, emanam as notas tão características da sonoridade do Greta Van Fleet. Caravel é uma música que começa rude, brusca, como se estivesse dando bronca no ouvinte. O ritmo que se cria no segundo verso é extremamente compassado e sincopado, com uma cadência atraente. No pré-refrão, a estética lírica possui uma estrutura comercial, que convida o ouvinte a participar ativamente do canto ao lado de Josh Kiszka. 


Como o próprio nome sugere, The Barbarians tem seu despertar com uma sonoridade ao estilo épico. Mas o que surpreende de fato é que ela foge da estrutura convencional do mercado musical e coloca, já no segundo verso, um solo de guitarra sutilmente aveludado. Semelhante, mas ao mesmo tempo diferente da temática lírica de Stardust Chords, o que a música sugere é a união de melodia e uma fé apoiada em algo até de certa forma mítica. Afinal, ela coloca a realidade da pandemia do Coronavírus em cheque e questiona se, a partir dessa situação, nós, os habitantes da Terra, somos os filhos renegados da Capela, um planeta que, na teoria da religião espírita, é o berço da civilização terrena.


Riffs sincopados, em caminhares lentos entre escalas, ao lado do teclado, criam uma atmosfera excitante e atraente na introdução de Trip the Light Fantastic. Mais alegre em relação The Barbarians, Abordando questões inerentes à fake news e à poluição, a faixa possui uma cadência cativante e possui singelamente a mesma estrutura comercial de Caravel.


The Weight of Dreams faz o ouvinte parar bruscamente. Pensar. Refletir. O lirismo sugere a reconquista do brilho, da vivacidade da população e do próprio planeta. Ao mesmo tempo, a letra escancara os atos desenfreados e desrespeitosos para com a exploração dos recursos naturais da Terra. Envolto em um instrumental dramático, salpicado com notas de uma melancolia quebrada, o que a música de fato questiona é se as mais de 7 bilhões de vidas merecem um perdão e se estão no caminho da evolução.


Realmente o Greta Van Fleet vivenciou um salto imensurável na qualidade de composição lírica e melódica entre Anthem of the Peaceful Army e The Battle at Garden's Gate. Mas curiosamente, eles se complementam de alguma maneira no que tange os temas das músicas.


Exclusivamente sobre The Battle at Garden's Gate, ele se mostra pura e unicamente um disco conceitual. Diferente de discos recém lançados como In Another World, do Cheap Trick, e World Decay 19, do Sacrifix, que retratam a pandemia e o âmbito exclusivamente social da população, o segundo álbum do Greta Van Fleet se apoia mais nos campos cultural e comportamental. E nesse aspecto, ele funciona como um espelho questionador e reflexivo sobre o que nós, seres humanos, estamos fazendo como pessoas e como participantes de uma comunidade global.


É aí que entra a questão instrumental. Afinal, de nada adiantaria letras complexas e densas se a melodia não transmitisse esse grau de urgência e sugerisse mudança. Mais ainda. Não adiantaria essa evolução lírica se os músicos não tivessem acompanhado de igual maneira esse crescimento. É notável, portanto, a ampliação da competência e musicalidade de Jake e Sam Kiszka. Isso foi muito bem canalizado pelo produtor Greg Kurstin, quem conseguiu registrar o progresso evidente na química e na sinergia dos integrantes.


Por essas razões, The Battle at Garden's Gate se tornou um produto que não apenas é hard rock. Ele é progressivo, exotérico, metal. O fator astral é outro detalhe fortemente presente na melodia e harmonia do disco. Mas existe outro ponto importante na composição total do álbum.


A arte de capa, sucinta, concisa, oferece uma sensação reflexiva. Com o plano de fundo preto, ela coloca, bem ao centro, um portão tridimensional feito com abóbada. No centro desse portão, um ponto sugere algo atemporal, uma viagem no tempo. Toda dourada, a conjuntura do portão do paraíso parece resgatar a cultura Inca de veneração do Deus Sol e da vida.


Lançado em 16 de abril de 2021 via Lava/Republic Records, The Battle at Garden's Gate mostra um Greta Van Fleet com integrantes conscientes como músicos e com seus papéis de influenciadores. Mas não só. O disco mostra que os integrantes cresceram em consciência como cidadãos. E isso, logicamente, reflete no som, que se mostra maduro e potente.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.