André L. R. Mendes - Rimado

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Desde 2011, ano em que iniciou oficialmente uma sequência de lançamentos que lhe daria sustância e consistência no mundo brasileiro de música, André L. R. Mendes mostrou não ser um músico passageiro. Afinal, nesses 11 anos, o também compositor, multi-instrumentista e mixador divulgou uma série de oito álbuns. E agora, no primeiro mês da segunda metade de 2022, ele anuncia Rimado, seu nono disco de estúdio.


Som do vento ecoando entre a paisagem. Um violão doce e singelo então surge como se estivesse oferecendo um acalorado abraço. Ao seu lado, a guitarra aparece tímida em seus acordes, mas cuja afinação dá sustentabilidade a essa calmaria amaciada que começa a ser alicerçada na sonoridade. Ao som de assobios e versando com palavras cujas pronúncias são quase silábicas, André L. R. Mendes entra em cena agora no comando do microfone, momento em que evidencia seu timbre agridoce e ameno. Em Beleza Baiana, o que o ouvinte encontra é uma ode à beleza da vida, à satisfação de abrir a janela e sentir o aroma do novo dia. Cativante, a canção traz uma melodia propriamente suave, com base minimalista preenchida por tímidos baixo e bateria, mas com superfície formada por distorção de guitarra e valsas violeiras de maneira a despertar, no ouvinte, uma energia enigmaticamente alegre e grata. É quase como um mantra improvisado.


Doce, alegre e contagiante, a nova canção amanhece sob a estética voz e violão de maneira a já embalar o ouvinte em seu minimalismo melódico. Fluindo para uma súbita roupagem épica e de grandiosidade harmônica a partir das pinceladas agudas da guitarra, a música ganha swing enquanto dialoga sobre proteção, carinho, afeto e cuidado. Amora E O Deus Ateu evidencia, a partir do flerte melódico do reggae, a fragilidade e a insegurança do ser humano ao ponto de deixar claro sua necessidade de respaldo vitalício.  


Frescor e maciez combinados em uma levada tipicamente MPB construída pelo violão. É possível, inclusive, notar nuances de samba de maneira a evidenciar influências de nomes como Djavan e Caetano Veloso no desenvolvimento melódico. Construída majoritariamente com auxílio do violão, a canção vai crescendo gradativamente em harmonia enquanto vai recebendo notas doces do piano, um sutil encorpamento vindo do baixo e brisas amornadas introduzidas pela guitarra. Beatriz é uma faixa romântica que narra a vida do eu-lírico antes de conhecer aquela que dá nome à canção. A transformação que alguém consegue fazer na vida do outro é tão intensa que muda até mesmo as nuances comportamentais. E é isso o que a faixa mostra: a força do amor pelo acaso do encontro narrado pela voz de fundo de Cinia M..


Beats se confundem com a valsa cambaleante do violão enquanto a guitarra vai desdenhando frases agudas e ondulantes. Se evidenciando uma canção que traz a pequenez do eu-lírico perto daquela que despertou a paixão em seu coração, Peixe Pequeno traz uma sensualidade tímida enquanto se constrói sob uma base romântica que enaltece a figura da pessoa por quem o amor se fez e coloca a outra metade como um personagem coadjuvante quando se trata da paixão. 


Uma foz feminina e no idioma inglês surge ao fundo enquanto a melodia se mostra já madura com a presença do violão em notas graves e do beat. Existe nesse trecho, inclusive, um suspense folkeado que estimula a curiosidade no ouvinte e atiça as expectativas a respeito do que está por vir. Eis que piano, violão e guitarra se combinam na construção de uma melodia conotativamente macia e aconchegante como o calor do cobertor em uma noite fria. Tão Bom Tão Bom dá continuidade ao enredo romântico iniciado em Beatriz ao evidenciar comportamentos e situações possíveis apenas quando embriagado por uma intensa paixão.


É quase como uma fusão de Faroeste Caboclo e Eduardo E Mônica, singles do Legião Urbana. Graças à forma como o violão se movimenta e que Mendes interpreta o lirismo, com um vocal grave,  empostado e acelerado, a canção ganha fortes contornos folks que superam aquele de Tão Bom Tão Bom. A Vida Do Herói é simplesmente a narrativa da contradição, da empatia movido ao interesse. A faixa é a mais pura descrição do comportamento egoísta da sociedade, que pede ajuda para conquistar seus objetivos e, quando conquistados, esnobam aqueles que o auxiliaram. Não à toa que é possível perceber toques dramáticos entorno da melodia regida majoritariamente pelo violão.


O piano aparece em notas graves e pausadas enquanto o violão vai desenhando uma sonoridade MPB suave. Trazendo um enredo melancólico e quase deprimente que evidencia um personagem que vive em sofrimento no caminho rumo aos próprios objetivos, De Segunda Mão é uma canção que, em meio a essa descrição, apresenta um enredo romântico em que o eu-lírico, sob caráter de plebeu, tenta demonstrar seu amor por uma pessoa de casta superior. É o desapontamento ao ver tanta dedicação ser esnobada sem o mínimo de atenção. Talvez por isso o sofrimento seja um sentimento que emana de cada aresta sonora.


Um som crescente desemboca em uma melodia já alegre graças à forma como o violão se apresenta e ao reforço do assobio. Tão contagiante quanto Beleza Baiana, a canção traz uma paleta de cores ampla por meio do entrosamento do piano, da guitarra e do violão. De harmonia simples, mas de beleza singular, Lisboa E Benim é preenchida por sobreposições vocais que amplificam seu caráter cativo enquanto dialoga sobre as diferenças culturais encontradas entre capitais e cidades interioranas. A enaltação da simplicidade e da calmaria regem a completude de Lisboa E Benim.


Um beat eletrônico amanhece solitário, mas logo é acompanhado por um violão de riff linear e tristonho. Com a entrada da guitarra em personalidade chorosa, o vocal entra assumindo todo esse caráter lamentoso por meio de uma postura introspectiva e tímida. Porco é uma canção que, sob auxílio do ácido do hammond, traz um enredo de solidão e saudade daquele por quem o amor se criou. É como a descrição das tentativas de aquietar a saudade.


Sem enrolação, o violão e o baixo dão roupagem para um lirismo em primeira pessoa que evidencia o desejo de se diferenciar da multidão, quando, na verdade, se é igual a todos. O Samba Do Homem Comum é a evidência de um indivíduo carente de autoestima, a representação das pessoas comuns que caminham sem destaque em meio às suas rotinas, mas que almejam reconhecimento e atenção. Com pitadas de um humor dramático, O Samba Do Homem Comum consegue aproximar ouvinte e enredo por apresentar um contexto realista e facilmente observado enquanto transforma sua melodia em algo animado regido pelo caxixi, o que dá à canção um contexto ainda mais melodramático.


Um trabalho que se destaca pela musicalidade minimalista. Rimado é um trabalho de um homem só que fala a vida, o amor e representa todos aqueles que têm desejos, paixões e outros sentimentos que os tornam humanos. Um trabalho que dá voz ao homem comum e que poetiza tudo aquilo que, na rotina, passa despercebido.


Sob melodias brasileiras da MPB e do samba,  André L. R. Mendes presenteia o ouvinte com um trabalho capaz de ser contagiante, chiclete e reflexivo com poucos elementos. Afinal, no decorrer de Rimado, o que mais se vê é a estrutura voz e violão em enredos líricos constantemente romanceados. Claro que há momentos de melodias mais aprimoradas, mas o fato é que existe grandeza harmônica com o mínimo.


Juntando o folk ao MPB e ao samba, Rimado traz uma sonoridade madura guiada por uma voz de timbre que muito lembra aquele de Marcello Ribeiro. Levemente grave e suave, ele ajuda a misturar brandura com drama, sofrimento e romance em meio aos 10 capítulos do álbum, que tem uma sonoridade limpa e bem equalizada.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Cintia M., ela traz uma atmosfera retrô e intimista ao apresentar a figura de Mendes ao centro com seu violão e rente a pilhas de livros. O interessante é que, ao ter o seu celular sobreposto nos livros, dá a ideia de passado e futuro, a cultura do ontem com a de hoje, uma noção de tempo e espaço que é amplificada pela janela aberta e pelas cortinas capturadas em tímidas silhuetas formadas pela brisa.


Lançado em 15 de julho de 2022 de maneira independente, Rimado é um apanhado de poemas intimistas e musicalmente minimalistas que representam o romance, as vontades e os sofrimentos do homem comum. Um trabalho de fácil digestão que chama atenção pelas melodias contagiantes estruturadas a uma mão e com poucos elementos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.