Depois de lançar uma sucessiva sequência de singles ao longo de 2021, o grupo estadunidense Fuzzrd decidiu dar um novo passo em sua carreira musical e lançar, oficialmente, seu primeiro álbum de estúdio. Intitulado Near Life Experience, o material conta com 10 canções autorais e tem, como produtor, o baixista da banda Soul Asylum.
A acidez é o primeiro ingrediente degustado pelo palato de um ouvinte ainda incerto do que irá encontrar. No entanto, esse mesmo detalhe, produzido pela guitarra de Brett Petrusek, é capaz de conferir uma noção de leve imponência e sonoridade marcante. Sem qualquer aviso, no entanto, o espectador é retirado de seu torpor a partir de uma sonoridade explosiva e uníssona que conta com todo o corpo instrumental. Enquanto o swing é formado pela união da segunda guitarra introduzida pela guitarra solo de Eric Fairchild, a bateria de Scott Savage desfila autoconfiança e precisão em meio às suas frases explosivas. Desse momento em diante, a obra se deleita em um primeiro verso em que Petrusek, agora imbuído em sua função de vocalista, coloca seu timbre áspero e ligeiramente metálico na dianteira das camadas melódicas, enquanto incentiva a construção de uma atmosfera levemente sombria. Através de seu embrionário caos que causa sensos de tensão e insegurança no ouvinte, Monster Carnival acaba hipnotizando a audiência por meio de seu enredo que apresenta um personagem a ponto de entrar em ebulição em virtude da alta gama de raiva há muito guardada em seu interior. É assim que a canção, sob uma tomada cenográfica, mostra um indivíduo, finalmente, escancarando sua verdadeira essência ao tirar a máscara que esconde a face mais sincera de seu ser.
É através de um relâmpago ácido oferecido pela guitarra que a canção em seu despertar. De pose agressiva e de cenho sisudo, ela traz consigo uma imponência embebida em requintes de raiva aparentemente imparáveis que chegam a oferecer certo grau de perigo ao ouvinte. Afinal, rapidamente até a bateria entra nessa sintonia emocional, se apresentando através de golpes consistentes na caixa que fazem ressoar uma estridência incômoda. Nesse aspecto, inclusive, é possível perceber que o baixo de Robert Berg, pela primeira vez audível até então, desfila uma estridência até superior, de forma a trazer sujeira e doses extras de agressividade que chegam a oferecer uma interessante tangibilidade entre stoner rock e thrash metal. A partir daí, Give Up The Ghost acaba fazendo o espectador fluir para um primeiro verso embebido em uma sensualidade cínica que, conforme se desenvolve, amadurece uma atmosfera sombria quase pegajosa que chega a tirar a audiência de seu senso de razão. O curioso é que, apesar de trazer uma atmosfera densa, Give Up The Ghost, assim que sua narrativa verbal encontra maturidade, mostra que, em sua essência, está dialogando sobre superação em um contexto que, ao que parece, envolve relacionamento.
O clima é de suspense. Um suspense cínico de forma a parecer que o ouvinte é uma presa prestes a sofrer o bote de um predador à espreita esperando seu momento de máxima vulnerabilidade. Sombria pela maneira com que as guitarras combinam seus riffs, mas um tanto espacial pela sonoridade sintética ondulante e adocicada, a canção, no decorrer de sua introdução, faz o ouvinte reviver as sensações de insegurança ofertadas na faixa anterior. Rígido e retraído, portanto, o espectador aguarda apreensivo pelos próximos passos dessa narrativa ainda enigmática. No entanto, assim que a obra atinge um primeiro ápice, o espectador se vê em um ambiente experimental em que o metal alternativo se tangencia de maneira uniforme com o metalcore, de forma a fornecer uma atmosfera melódica ligeiramente dramática em sua intensidade visceral. Mantendo o experimentalismo de atmosferas sombrias, a canção explode em um refrão melódico em que Petrusek, surpreendentemente, acaba fornecendo um timbre rasgado em seu drive de forma a rememorar saudosamente, de maneira inconsciente e indireta, aquele timbre obtido por Steve Lee. Embebida em tais referências, Pins And Needles traz novamente o Fuzzrd explorando vivências pós-término de relacionamento, em que o indivíduo deve reaprender a viver solitariamente, mesmo que por um tempo. O mais importante, aqui, é que o grupo propõe uma reflexão perante a dependência que se deposita no outro alguém, fazendo com que quando tais eventos acontecem, a insegurança, o medo e a carência se unem e tiram o senso de razão da pessoa, a tornando escrava de sua própria fragilidade.
Voz e guitarra se unem de maneira a introduzir o ouvinte em um ambiente que, aparentemente, mostra ser imbuído em uma espécie de sensualidade áspera. No entanto, o que se configura assim que o primeiro verso se inicia é uma estrutura rítmico-melódica propositadamente rígida que, minimalista em sua estrutura, traz consigo toques sombrios que abrangem toda a atmosfera. Explodindo em um apogeu melodramático, mas de harmonia capaz de engrandecer a sua sonoridade, a canção assume contornos tão sentimentais que chega a ser até mesmo lacrimal, em certo aspecto. Novamente experimentando, de forma mais clara, a paisagem do metalcore, Life Turned Black soa como uma irmã de Pins And Needles. Afinal, aqui existe a continuação da experiência sensorial dolorosa do fim de relacionamento. No entanto, de maneira audaciosa, pode se dizer, na presente faixa existe um diálogo paralelo sobre saúde emocional e psíquica, evidenciando sintomas da depressão enquanto clama por ajuda para superá-la. Contudo, ainda que esse tema seja, de fato, abordado, Life Turned Black inevitavelmente, continua a tendência de abordar o relacionamento.
Parece como um suspiro. Não um com sinais de alívio, mas um último, derradeiro. De caráter sufocante. Produzido pela guitarra, ele é seguido de um curto momento de silêncio que é rompido por sonares ácidos seguidos por um momento explosivo, mas de caráter curiosamente melódico. Elétrica e mantendo a assinatura do Fuzzrd no que tange o toque atmosférico sombrio, Demons se mostra sob uma postura inquieta e selvagem que, conforme se desenvolve, faz o espectador se perder perante uma hipnótica sensualidade áspera. Dramática em sua essência e demonstrando sinais de visceralidade principalmente quando alcança seu refrão, a canção apresenta um diálogo um tanto inovador. Afinal, em Demons existe a discussão sobre propósito, motivação e identidade em uma clara alusão à ausência de autoconhecimento por parte do protagonista lírico. Ainda que trazendo o relacionamento de novo à tona, o que a faixa propõe, essencialmente, é colocar em pauta o assunto da identidade, da autocompreensão e da autopercepção em um claro processo do já citado autoconhecimento de maneira a incentivar o ouvinte a manter a sua essência, independente da situação.
A guitarra surge ácida e sob uma postura raivosamente imponente. Ainda mais selvagem que a canção anterior, a presente faixa, desde seu início imediato, demonstra ser imbuída em uma sonoridade consistente e provocante que explode em um hard rock no limiar entre os anos 80 e 90. Obtendo, portanto, a partir daí, contornos libidinosos, Witchcraft Singalong traz um refrão denotativamente radiofônico que evidencia a sua estrutura mais pop para alcançar o interesse de uma audiência ainda maior. Por mais que isso aconteça, é fato que a essência sonora do Fuzzrd não se perde nesse novo experimentalismo, que se mostra como forma de construir o primeiro single declarado de Near Life Experience com o formato ideal para ser executado em suas apresentações ao vivo. Com sua estética hard rock, portanto, a faixa traz um enredo inovador que propõe um dialogar sobre julgamento, autoconfiança e manipulação, quase tangenciando a cultura do cancelamento observada na era das redes sociais.
É como a luz do Sol dando o ar da graça no horizonte. Seu esplendor e sua luminosidade gritantes não trazem apenas grandes menções de vivacidade, mas de energia e eletricidade. Por meio da guitarra, elemento que puxa solitariamente a introdução, essas características e sensibilidades são facilmente assimiladas pelo ouvinte. Quando golpes uníssonos entre a bateria e a própria guitarra são ouvidos, a canção é levada a outro patamar de narrativa sonora. Nessa transição, o baixo entra em cena como um trovão de ligeira estridência e a sensualidade toma conta de todo o escopo sensorial. A partir da estrutura rítmico-melódica construída por meio desse prelúdio, a atmosfera acaba sendo abraçada por uma interessante mistura de hard rock e rock progressivo com direito a ligeiras menções de psicodelia. Assim que a composição finalmente chega ao seu primeiro verso, ela assume uma postura sisuda, mas provocante que é difundida principalmente pelo cinismo exalado pela dupla de base. Ardente, sexy e mergulhando em um refrão de harmonia de caráter quase espiritual, Razor amadurece como um produto que explora os sensos de angústia, desespero e agonia por meio de uma profunda visceralidade. É a dor do coração trazendo não apenas a dramaturgia, mas o melodrama de volta aos holofotes.
As guitarras se apresentam como perfeitas ondas arrebentando por entre as pedras da encosta. Com uma dupla de diferentes tons de acidez, elas surgem com uma postura um tanto inovadora por serem abraçadas pelo tremor folkeado do lap steel. Se tornando, a partir daí, surpreendentemente forte e sombria em sua embrionária melancolia rascante, a obra se deleita por um processo instrumental explosivo. Trazendo uma sensualidade provocante assim que o primeiro verso se inicia, a canção se apoia em uma ginga de cunho ligeiramente libidinoso que embriaga o espectador. Como assinatura do Fuzzrd, a dramaticidade se faz presente assim que Inside The Waves atinge seu ápice sonoro-narrativo. É nesse momento que, entre o rock alternativo e raspas de um post-grunge, a canção traz um enredo que mostra um indivíduo confortável em meio à sua solidão e silêncio. No entanto, são esses detalhes que fazem com que imerja em seu inconsciente e se perca perante um turbilhão de emoções desconexas que podem ser maléficas à saúde emocional. Até porque, o tema o desamor, aqui, continua em voga.
O ambiente é sombrio e asqueroso. Funesto e pegajoso. Suas pedras estão úmidas e grudentas, fazendo com que o indivíduo tenha que caminhar por um terreno instável. Sem qualquer menção de luz natural, a escuridão e a luminosidade sintética fazem com que o cenário adquira tons umbralinos. Incentivado por uma guitarra de riff disctorcido, ácido e grave acompanhada por um chimbal que se apresenta sob uma pose sarcástica em meio aos seus movimentos ondulantes, esse cenário ganha força através da crueza estrutural que se forma na segunda metade introdutória. Se tornando selvagem e ao mesmo tempo bruta, a canção explode em um refrão entorpecidamente intenso em que a bateria tem o domínio da intensidade, mas a guitarra comanda a dor e o torpor. Sob a presença de Mark Slaughter dividindo os vocais, Viral Connection traz um indivíduo lidando com a frustração, um sentimento tido como um vírus infeccioso proveniente das lembranças de um passado feliz que, hoje, causa dores lancinantes.
Sem qualquer tipo de cerimônia, a canção já começa em sua máxima forma de consistência e explosão. Áspera, densa e sombria, sua introdução traz uma intensidade inquietante capaz de atordoar o ouvinte, mesmo que ligeiramente. Fluindo para um primeiro verso agoniante, asqueroso e tenebroso graças a um baixo de postura sarcástica e cínica que confere bom corpo à base melódica, Out On A Limb leva o ouvinte para um cenário caótico regido por uma harmonia dramática em sua temática escura. Com tal atmosfera, a faixa traz, assim como Witchcraft Singalong, a presente faixa traz um enredo de aparência inovadora por tratar, pura e simplesmente, de um indivíduo perdido em sua ausência de pertencimento, mas, também, atormentado e aterrorizado pelo senso de culpa que acomete toda a sua capacidade de lucidez.
Como primeiro álbum, pode se dizer que o material carrega toda a influência sofrida pelo Fuzzrd. Intenso, visceral e rascante em sua melancolia dramática são suas principais características. Afinal, Near Life Experience soa como um monólogo em que o personagem lírico busca, angustiante e desesperadamente, superar as dores e cicatrizar as feridas de um coração adoecido.
Tal doença, no entanto, evidencia várias lacunas emocionais a partir do rompimento. A carência de afeto, a falta de autoconfiança, de autoconhecimento e de pertencimento são sintomas alimentados pela frustração e pelo sentimento de rejeição amplamente vividos pelo protagonista lírico.
A partir daí, o mundo se torna sombrio e sem saída para as dores que atingem patamares incontroláveis que, portanto, são capazes de deixar o sofrente fora de sua consciência. É o puro sinal do montante de angústia que faz com que o personagem busque ajuda para se livrar de seus próprios demônios.
Ainda que tudo isso seja verdade, o fato é que Near Life Experience se envereda única e exclusivamente, na temática lírica do relacionamento e o que a experiência do rompimento pode fazer ao indivíduo. Mesmo com diferentes paisagens melódicas, em alguns momentos, o material acaba soando mais do mesmo, ainda que em Demons e Witchcraft Singalong ocorra ligeiro distanciamento dessa temática verbal.
No entanto, um dos feitos da mixagem foi criar sonoridades tão intensas em potentes que se tornaram capazes de mascarar esse ligeiro incômodo. Sob domínio de Jeremy Tappero, profissional também responsável pela produção, o álbum acabou transitando por cenários melódicos como hard rock, alt-rock, post-grunge, stoner rock, thrash metal e metalcore, os quais conferem sensos densamente rascantes que transcendem os limites do som.
Ainda que esse tenha sido um importante ato de Tappero, ele, no entanto, não teve o mesmo grau de felicidade no tempero sonoro faixa a faixa. Afinal, em todo o material, o baixo foi densamente ofuscado pela potência das guitarras e da bateria, sendo suficientemente perceptível somente em Give Up The Gost, Razor e Out On A Limb.
Encerrando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Statusfear Media, ela consiste em uma arte de caráter trevoso em que traz uma águia envolta em um par de relâmpagos. A partir desses elementos, o ouvinte consegue perceber que o material é composto pelo aspecto sombrio embebido em intensidade, agressividade e imponência, aspectos que, de fato, estão presentes no material.
Lançado em 10 de dezembro de 2021 de maneira independente, Near Life Experience é um material capaz de tirar o espectador de seu estado de consciência com excessivas texturas sombrias, rascantes e visceralmente dramáticas. Um material que, simplesmente, mostra um indivíduo em um doloroso processo de superação e cicatrização de um coração ferido rumo ao autoconhecimento.