Foo Fighters - But Here We Are

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Após a morte de Taylor Hawkins, o Foo Fighters foi retomando as atividades aos poucos. Primeiro com um show tributo no final do ano passado. Agora, em 2023, o grupo retorna aos palcos a partir de abril. Além disso, o temporariamente quinteto informa, inclusive, a retomada das tarefas em estúdio com o anúncio de But Here We Are, sucessor de Medicine At Midnight.


É como um amanhecer morno. Um Sol de calor e luz brandos surgindo do além-mar. Com ele, uma melancolia contagiante e curiosamente aconchegante como um abraso reconfortante chega com presença, mas tímida em seu destaque inquestionável. Depois de poucos segundos em que o som da guitarra, sozinho, consegue criar esse cenário, uma voz de timbre mediano e rasgada entra em tom de súplica. Carregada de dor e de perguntas pronunciadas com raiva para uma figura onipresente que não lhe devolveu respostas, a voz de Dave Grohl surge intensa e embebida até mesmo em um tom de culpa. Nesse processo, a guitarra vai assumindo contornos de rock alternativo junto ao compasso de poucas, mas presentes linhas da bateria. Quando o pré-refrão entra em cena, as três guitarras, de Chris Shiflett, Pat Smear e Grohl, entram em um uníssono de cunho levemente dramático que se mantém até o fim do refrão. Apesar da dor latente, Rescued entrega um enredo em que o personagem passa de um sofrimento insuportável para uma espécie de redenção, da chance para o amanhã. Para uma nova oportunidade de vida. Em um tom curiosamente transcendental, Rescued parece narrar a estadia de Taylor Hawkins tanto no Foo Fighters quanto na vida. É um retrospecto unido a questionamentos doloridos sem cura. De outro lado, a faixa pode ser um retrato sensível, sufocante e suplicante do próprio Grohl em entender a perda de mais um companheiro de banda como sugerem os versos “I fell in a trap”, “my heart’s getting colder” e “iIt’s coming on fast”. De certo ângulo, Rescued é uma música cabe para qualquer um que perdeu um ente querido de forma inesperada, sem aviso e abruptamente. É a dor de um coração que luta em continuar batendo e de um pulmão que busca forças para continuar respirando.


O rugido da guitarra como primeiro elemento sonoro refresca na mente do ouvinte aquele mesmo grunhido feito por Mick Mars em Kickstart My Heart, single do Mötley Crüe. Porém, sem muita demora a bateria entra com um golpe triplo rápido que encaminha tanto o personagem lírico quanto o ouvinte para o topo de uma colina para que a brisa do mar e o brilho ameno de um Sol poente e de calor reconfortante sejam sentidos. De olhares profundos com foco em um horizonte que funciona como porta para um armário de memórias, o eu-lírico se percebe abraçado por uma sensível e condolente nostalgia melancólica. Mesmo com as guitarras distorcidas de forma a flertarem com a estética ríspida de um stoner rock, o frescor e a maciez que são construídos exclui qualquer sinal de brutalidade e aspereza. Não por menos, durante a introdução a guitarra solo encarna uma interpretação sofrida e chorosa que atinge em cheio o espectador. É então que a voz suave e limpa de Grohl invade o cenário com um timbre introspectivo que refletem uma vasta gama de pensamentos memoráveis. Podendo ser perceptível as linhas delicadas do baixo de Nate Mendel, que funcionam como um ombro amigo de ouvidos atentos aos desabafos do sofrente e cujo protagonismo é notável nos últimos instantes da transição entre o pré-refrão e o refrão, Under You é regida por um veludo entorpecido que tenta a todo custo esconder a dor lancinante e imparável da perda de um grande companheiro, algo não sustentado por longas durações. Afinal, o ápice melódico da canção carrega essa dor extravasada em forma de raiva, de dúvidas e de lágrimas que tardam a secar. A necessidade de ajuda para superar a tristeza, uma tristeza tão grande e arredia que tira qualquer noção de pertencimento e autopercepção. Um sentimento que exclui a razão e o mínimo de motivação. Under You é, assim como Rescued, um espelho cristalino da relação do luto. Uma música sofrida, melancólica, repleta de nostalgia e de um raio-x emocional transparente daquele que convive somente com as memórias. Um single amplamente sentimental que, com base no rock alternativo, é capaz de deixar os olhos marejados até mesmo daqueles mais racionais e que tem nos versos “pictures of us sharing songs and cigarettes” e “this is how I'll always picture you” a perfeita ilustração de seu enredo.


A paisagem é um tanto quanto enigmática. Entre lampejos de uma luz solar amena surgindo por detrás das nuvens, um terreno levemente sombrio cujos uivos do vento trazem singelas conotações de uma nostalgia melancólica é percebido. Macia em seu torpor inebriante, a faixa inicia com uma sonoridade sutilmente crescente que vai de um violão ondulante ao compasso seco do chimbal e sopros de uma agudez suspirante da guitarra. De igual forma, a voz de Grohl surge completando a inicial receita melódica com uma interpretação tão calma que soa quase sussurrante. Evoluindo para um rock alternativo com raspas sujas, a canção possui, ainda, um refrão entorpecidamente gélido cuja harmonia vem embebida em melancolia. Hearing Voices é uma canção em que a saudade e a difícil relação com o luto se tangenciam na necessidade de um último contato. Um contato possível através de vozes ouvidas no vazio, vozes essas que são capazes de confundir o sofrente e fazê-lo ter dúvidas sobre a posse de tais sussurros tidos como imaginários. Hearing Voices, sobretudo, é uma canção que fala sobre dor e saudade.


O tilintar da cúpula do chimbal junto ao seu sonar de abertura seca chega, por alguns instantes, a lembrar a levada do xaxado. Apesar desse compasso de curiosa veia nordestina, o que o acompanha é uma guitarra de riff áspero e agudo que serve como companhia necessária do vocal, que se introduz sem demora com um viés reflexivo. Crescendo em harmonia através da entrada da guitarra solo em sobrevoos agudos e limpos que fazem o ouvinte se sentir confortável, mas embebido em uma curiosa e positiva ansiedade, a faixa-título possui uma base rítmica que lembra aquela de Shine, single do Collective Soul. Com frases explosivas e inquietantes, a faixa-título é uma obra em que existe um devaneio sobre a infinidade da existência e um diálogo reflexivo sobre a arte do destino. Nessa combinação, há a relação com as memórias e um horizonte que comunica a evolução espiritual. A orfandade de um indivíduo que se vê na incumbência de seguir a vida em sintonia com suas decepções, seus sofrimentos e seu desolamento.


Surpreendendo os ouvidos mais desavisados, o amanhecer vem com uma melodia calma, formada apenas por um violão de riffs macios. O que chega a pesar é a interpretação lírica tomada por Grohl, que, em uníssono, acompanha os movimentos do instrumento. Em tom de sofrimento e questionamento, sua voz vem como desabafos retirados do âmago emocional e lançados ao vento como forma de garantir súbitos de paz e conforto. Entre dulçores de uma guitarra delicada e um groove perceptível, mas igualmente respeitoso, The Glass surge como a primeira balada de But Here We Are. Mantendo o viés nostálgico-melancólico que preenche o álbum, a faixa tem um refrão explosivo carregado, curiosamente, de sutileza; The Glass mostra um personagem vivendo os estágios mais profundos da saudade misturada com a dor e esperando que tal fase passe para, enfim, superar o sofrimento. Nesse contexto, parece que The Glass tem um conceito semelhante ao enredo do longa-metragem Beleza Oculta, afinal, o personagem da canção parece dialogar com o tempo, com o amor e com a dor.


A bateria surge seca em seu groove sincopado de forma a lembrar a frase desenhada por Andy Hurley na adaptação de Beat It, feita pelo Fall Out Boy. Em seguida, como uma luminosidade solar surgindo com segurança e precisão banhando todo o cenário, a guitarra de Shiflett vai tomando seu lugar de maneira gradativa até que, com auxílio do swingar aveludado e adocicado das notas do teclado de Rami Jaffee, a sensualidade passa a tomar conta da melodia enquanto Grohl entra em cena com uma interpretação lírica contagiante e curiosamente provocante. Com ligeiros toques debochados na forma como pronuncia as palavras, fica a cargo também de Grohl fazer a ponte entre pré-refrão e refrão e transformar Nothing At All em algo explosivo. Baseada em uma mescla entre rock alternativo e hard rock, a faixa tem um quê excitante enquanto o diálogo proposto faz com que o ouvinte se sinta invencível, sedutor e com extrema autoconfiança. Não por menos, o personagem lírico está imerso no dilema entre amor e ódio, a paz de espírito e a frieza de sentimentos. Nothing At All é uma música sexy e de viés radiofônico que mostra um personagem regido pela intensidade e um desmedido senso de ego. 


A paisagem é cinza. Não há chuva em abundância, mas pingos espalhados são vistos caindo sobre um gramado já úmido. O vento, gelado, não corta a pele ou faz tremer os dentes, mas é capaz de causar uma espécie de comoção melancólica durante a observação do horizonte embaçado. Entre ecos quase uivantes vindos dos vocais, uma melodia surpreendentemente contagiante e de embrionária suavidade se cria entre guitarra e bateria. Transcendentalmente gélida, Show Me How mistura aspereza e azedume em uma melodia dramática e penetrante cujo refrão, cantado entre duas vozes, sugere uma dualidade de dimensões. E nisso, a voz de timbre doce, ameno, mas entorpecidamente sussurrante de Violet Grohl auxilia generosamente, deixando o ouvinte escolher entre o astral e o terreno. Não por acaso, Show Me How possui um enredo lírico que mistura dor e memória, o torpor do sofrimento com o alento das recordações. Buscando o máximo da simplicidade como ato de curar os pensamentos de uma memória lancinante, o personagem lírico se encontra assumindo responsabilidades para manter a vida em constante continuidade não como ação de substituição daquele que foi embora, mas como forma de homenagear, de honrar a personalidade do indivíduo que não se encontra mais no plano terrestre. Show Me How é uma canção de cunho mórbido-sentimental que, assim como Rescued, busca respostas para perguntas não ouvidas, mas cuja presença da pessoa falecida é tão carnal quanto a textura do toque. Por essa razão, versos como “where have you gone?”, “I hear you loud and clear”, “where are you know?” e “I’ll take care of everything from now on” definem o diálogo da canção.


A guitarra surge com um riff singular e repetitivo que, sem demora, traz consigo a brisa gélida da melancolia nostálgica. Como um horizonte cinza em que o mar possui ondas cujas curvaturas trazem consigo a tristeza e a ausência de vivacidade, os primeiros instantes introdutórios possuem uma singela semelhança com o amanhecer de Sorry, canção do Buckcherry. Novamente com vocal sussurrante, mas aqui com aromas ainda mais introspectivos e de olhares excessivamente fixos em uma paisagem vazia, Grohl evidencia seu sofrer. De caráter ainda mais dramático possível a partir da inserção de um piano doce como um ombro amigo, Beyond Me é agraciada por uma harmonia entre as guitarras que soa como lágrimas há muito represadas que escorrem suavemente pelo seio de uma face doída. Lancinante, visceral, dramática e intensamente lacrimal Beyond Me dá licença para a bateria entrar somente nas últimas repetições do refrão, dando um caráter bastante comovente a essa canção que trata sobre gratidão, legado e, principalmente, assim como foi com The Glass, da relação com o tempo. Acima de tudo, Beyond Me é sobre um amor incondicional, respeitoso e altruísta que disputa com as dores de uma alma sofrida pelo senso de orfandade deixado por aqueles que se foram. É aí que Grohl desabafa sobre a legalidade de sua compaixão, principalmente quando diz: “you must release what you hold dear. Or, so I fear”.


O vento faz as cortinas valsarem em um ritmo lento, mas capaz de ver seu tecido balançar suavemente. Do lado de fora, a paisagem é de um tom cinza que traz consigo uma mistura de nostalgia e melancolia que, curiosamente, conforta e faz com que o ouvinte deseje se apoiar na janela e observar o horizonte enigmático escondido atrás das camadas de neblina. É então que uma sobreposição vocal sussurrante transforma o ambiente em algo de caráter fantasmagórico que chega a causar embrionários calafrios, sensação que persiste mesmo quando apenas uma voz segue murmurante. Com direito a valsas de violino que sobrevoam o ambiente de forma gélida, a melodia assume um caráter de inevitável torpor. Rompendo seu sistema inebriante, a melodia evidencia linhas de um rock alternativo de viés setentista e levemente ácido de rompantes explosivos. Introspectiva e de um choro de lágrimas sofridamente delicadas, The Teacher é uma canção melancolicamente épica que carrega a saudade de um filho por sua mãe e que busca entender a liberdade eterna do espírito. É uma canção em que o luto pela perda é escancaradamente descrito e onde Grohl consegue enfim verbalizar a gratidão por tudo o que sua mãe fez por ele. The Teacher não é só a tristeza pela perda, é a felicidade pela gratidão da convivência e do relacionamento fortemente estreitado. Acima de tudo, The Teacher é uma emocional despedida para aquela figura que educou, acolheu e confortou os ânimos nos momentos mais difíceis. Ainda assim, é inevitável que, nela, muita dor pela saudade seja notada, algo percebido principalmente nos versos “you showed me how to need, but never showed me how to say goodbye” e “you showed me how to grieve, but never showed me how to say goodbye”.


O caminhar é lento, tão lento que a textura da grama pesa sobre os sapatos úmidos do sereno. O olhar é cabisbaixo, assim como a cabeça que, inclinada para baixo, faz com que o personagem se guie pelo instinto para não tropeçar ou cair. Ainda que existam momentos em que o horizonte é encarado, o olhar segue vazio e cego pelas lágrimas que são criadas, mas, com muito custo, de liberdade bloqueada. Ao chegar sobre um suporte que guarda lembranças vivas do ente querido, o interlocutor se ajoelha e, como uma infantil fragilidade lancinante, deságua sem controle. De choro sentido e mudo, o belo horizonte de um entardecer límpido e rosado é barrado pelo sofrimento. De melodia minimalista e com flertes no folk, Rest é o máximo do introspectivo é a criação de uma saudade palpável. De vocal denotativamente murmurante e calmo como um cântico de ninar, Grohl novamente, assim como em The Glass, dialoga não para ou com alguém, mas sim para algo. Em Rest, é inevitável a percepção de que a conversa é entre o sofrente e a figura mítica do tempo. A proposta da faixa é, inclusive, funcionar como um Adeus embebido na sonhada verdade de que o sofrente, mais uma vez, terá a chance de conhecer a pessoa falecida em um outro momento, uma outra vida. Ou, como verbaliza o personagem: "In the warm Virginia sun, there I will meet you”.


É como estar no canto de um quarto vazio e escuro apenas dando atenção ao inconsciente, ao consciente e aos palpáveis sentimentos antagônicos, conflitantes e inquietantes. Às vezes, a racionalidade chega até a falhar tamanha a dor de uma emoção que se mistura entre saudade e raiva. Em But Here We Are, o Foo Fighters expõe essa dualidade emocional em uma conjuntura de 10 enredos inebriantemente embebidos em melancolia e nostalgia.


Visceral, lancinante e doloroso, o álbum é o primeiro material de caráter pessoal, introspectivo e inteiramente sentimental do grupo. Quase como um produto autobiográfico, But Here We Are é a fotografia de um instante, uma ressonância magnética capaz de capturar todas as enfermidades emocionais de um coração enfraquecido. 


Cheio de canções inegavelmente intensas, de desabafos transparentes e de interpretações comoventes, But Here We Are surpreende pelas texturas delicadas, suaves e de um frescor gélido. Como é álbum que evidencia um amor traído, ele, a partir da produção conjunta entre o Foo Fighters e Greg Kurstin, mergulha em uma melodia formada por folk, rock alternativo, hard rock e o stoner rock de maneira a representar cada devaneio lancinantemente emocional vivido pelo personagem lírico, um Dave Grohl que, pela terceira vez e, em dobro, tem de lidar com perdas significativas. Não à toa que ele 


Lançado em 02 de junho de 2023 via Roswell Records, But Here We Are é um material que traz um personagem que, surpreendentemente, não dialoga com alguém, mas, sim, com o tempo e com a morte. Um disco que, desesperadamente, busca respostas que, infelizmente, nunca serão respondidas. Um produto que mostra pessoas que, mesmo perdidas em um sofrimento capaz de tirar a racionalidade, continuam respirando, continuam vivas. Um álbum que, para o Foo Fighters, significa o fim de uma era e o começo de outra.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.