Fabiano Negri - Myesteries The Night Hides

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Pouco mais de um ano após o anúncio de Zebathy e dois meses depois de divulgar Terrifying Lullaby, o multi-instrumentista Fabiano Negri surpreende e lança um novo material. Intitulado Mysteries The Night Hides, seu oitavo álbum de estúdio, o músico oferece a exploração conjunta do heavy metal e do gênero dramaturgo terror.             


O ambiente é noturno. O céu, com suas poucas, mas acinzentadas nuvens tampando o brilho intenso de uma noite mística, oferece um clima quase fabulesco. Nele, a tensão e o temor andam juntos, deixando o personagem em pose de alerta frequente, com os músculos enrijecidos e a pupila generosamente dilatada. Aos vislumbrar um desfiladeiro por entre as fuligens, o que se vê causa ojeriza, pavor e repulsa. Uma carnificina canibalesca fez da grama orvalhada uma união de corpos amontoados e ensanguentados. E a trilha sonora para essa cena aterrorizante vem na forma de um heavy metal misturado com pitadas de doom metal e metal sinfônico. Gélida em sua essência, a faixa-título é adornada por um clima melódico tenebroso e entorpecente que, narrada por um timbre afinado em sua consistência drive, evidencia não apenas a morbidez, mas também a melancolia como elementos emotivo-sensoriais que permeiam sua estrutura. Lembrando, em alguns momentos, o vocal de Ritchie Kotzen, Fabiano Negri faz da obra um enredo cujo personagem convive abertamente com a morte. Mas não a morte em sentido figurado. Afinal, enquanto a faixa-título consegue fazer com que o ouvinte se veja caminhando entre galhos secos espalhados entre as covas de um cemitério, o cheiro de carniça é outro extrassensorialismo que Negri proporciona. Com todos esses elementos, o protagonista desse abre-alas progressivo, gélido e funesto, se vê na companhia de uma figura sem vida, sem alma, pálida, gelada e sem olhos. A perfeita representação humano-mórbida da ausência de brilho, vivacidade e, principalmente, gratidão pela vida. E o desafio do personagem, portanto, mora em sua capacidade de não se seduzir pela manipulação perante a desistência e a covardia de se lançar na escuridão do torpor eterno.


O cenário é ainda mais aterrorizante do que aquele apresentado anteriormente. Sem qualquer presença de luz, é apenas o som que importa. E ele não é de todo agradável. Sons rastejantes sugerem o repugnante, enquanto o grotesco também vai tomando forma. A partir de um rugido que une cinismo com uma espécie de provocação masoquista, a melodia é apresentada em sua totalidade. Crua, mas sem o devido peso que pede a sua estética sonora, ela vem curiosamente mais digestiva e com uma harmonia que, aparentemente, tem o intuito de ser enganosamente alegre e contagiante. Surtindo em uma textura melancolicamente entorpecente sob as bases de um heavy metal ao estilo Iron Maiden, A Necessary Evil, de fato, vem, se é possível dizer, mais pop, mesmo que tenha um viés densamente alucinante em seu aroma dilacerante. Abraçada por um refrão curiosamente contagiante em sua desesperança, a canção narra a chegada, o nascimento do filho do Demônio. Uma figura capaz de sintetizar toda a desarmonia existente no planeta e de escancarar a falsidade. Um indivíduo que retira a cegueira estrutural e evidencia uma humanidade sem um real senso de empatia, a fazendo criar uma estrutura comunitária calcada no individualismo e na cegueira coletiva de um falso perfeccionismo estrutural.


Doce, gélida e melancólica, a nova paisagem amanhece adornada por uma densa camada de dramaticidade fornecida pela amaciada e triste pronúncia das teclas do piano. Assim que um súbito valsante proporcionado pelo sobrevoo do sonar sintético do violino, tal como uma brisa fantasmagórica, é sentido, a melodia entra em um punch melodramático latente fomentada pela sintonia entre as guitarras. Fluindo para um verso intimista e cabisbaixo, Vampires assume uma estrutura morbidamente dançante e linear até o estouro de um solo de guitarra dramático que, esteticamente, recria a energia exalada por Slash em seu solo presente em November Rain, single do Guns and Roses. Não à toa que, também aqui, o ouvinte consegue se ver desprotegido e abraçado por uma chuva torrencial que o acompanha até um visceral e tocante desabafo de uma tristeza profunda por não poder vivenciar um novo amanhã. Como o próprio nome sugere, portanto, Vampires é uma narrativa em torno da mitologia vampiresca, em que seres se alimentam do sangue e da essência do outro, sem poder ver a luz do Sol e só se garantindo pelo frio e soturno clima noturno. Vampires é a história de um casal recém convertido em vampiros, o que entrega à canção toques românticos soturnos e uma libido entorpecidamente melancólica.


A cena é de um misticismo contagiante em seu pavor. Enquanto as nuvens tocam o chão causando uma grossa camada de neblina, o pôr do Sol, ao fundo, parece perder sua graça, sua vida. Eis que os urros do vento sobre as rochas da falésia criam sons fantasmagóricos capazes de agradar os filhos da noite, lhes proporcionando um sono entorpecido pela tristeza estrutural e pela reconfortante ausência de alegria. Para eles, o pesadelo é um bálsamo, um prazer que deixa o adormecer mais confortável e atraente. Entre relâmpagos e trovões, o luar vai se tornando cada vez mais caótico àqueles com sanidade, mas um adorável aconchegar para os que vivem na escuridão. Capaz de criar um clima denso, tenso e sombrio tal como aquele de Kashmir, single do Led Zeppelin, Terrifying Lullaby ainda tem rompantes que caminham por uma textura mais agressiva que flerta com o thrash metal. É assim que a canção apresenta um enredo sobre uma garota manipulada pela melodia da morte. Um som não ouvido por todos, mas que, para a protagonista, a atormenta, a enfurece e a torna agressiva. Uma canção que a tira de sua consciência, de sua sanidade e a faz reverenciar e espalhar a praga e as doenças. A partir dessa música, a garota é tomada por uma arma. A arma da melodia que, sempre que ouvida e levada à dança, causa a morte de inocentes.


Tal como Vampires, ela nasce melancólica. Porém, sua tristeza tem toques nauseantes interessantes que dão à melodia introdutória uma espécie de torpor manipulativo. Doce em sua tristeza, ela traz um enredo intimista e visceral que, pela interpretação de Negri, se torna generosa e amplamente dramático. Esteticamente minimalista, The Raven’s Feast traz uma escuridão mística e tenebrosa em que a risada das bruxas reverbera por entre as árvores secas. Essa risada é o som da satisfação por ter conseguido fazer com que o protagonista se afundasse em sofrimento e ficasse ausente da possibilidade de enxergar uma saída de tal senso de lamentação. The Raven’s Feast pode até soar como uma crítica social, ao passo em que traz um recorte que é capaz de ser inserido no campo político, pois verbaliza “they’re coming to eat the carcass of those who promised what they couldn’t do”. E por isso, ela serve como um banquete para as aves da morte, que se alimentam da culpa, do remorso, do sofrimento e, também, da má índole e da mentira.


Primeiramente, é preciso dizer que, apesar de possível, é preciso saber fazer. Unir um gênero musical, uma vertente sombria do rock, com um gênero literário, é, de fato, um sonho, um desejo de diversos músicos e autores. Felizmente, para Fabiano Negri isso não foi apenas um sonho. Foi uma realidade conquistada com Mysteries The Night Hides, um álbum sombrio, mórbido, dramático e soturno.


Se apoiando por entre mitologias obscuras de vampiros e trazendo personagens em constante relacionamento com a morte, Negri consegue, curiosamente e despropositadamente, criar uma espécie de romance entre os protagonistas sofrentes e a figura onipresente do óbito.


Entre paisagens obscuras, densamente sombrias e místicas, Mysteries The Night Hides consegue caminhar pelo melodrama, mas também pela densidade melódica. Executada também por Negri, a mixagem do álbum, ainda que capaz de fazer o ouvinte perceber e degustar as nuances melódicas propostas, que, por sinal, transitam entre o heavy metal, o doom metal, o metal sinfônico e raspas de thrash metal, não entregou a pressão que as paisagens sonoras pediram para cada um de seus cinco capítulos.


Ainda assim, o ouvinte consegue admirar as composições, as intenções e as histórias que vão desde o nascimento do filho do Demônio ao hipnotismo de uma garota a partir do som da morte. Por isso, o álbum não é um produto tomado por uma fácil digestão. Afinal, suas texturas são propositadamente repugnantes e asquerosas.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada também por Negri, ela apresenta seu rosto com uma forma santificada pelos seres do submundo. Seres esses representados por contornos repulsivos e atordoantes que rodeiam tal busto como em uma adoração. É a luz das trevas dando liberdade aos escravos da noite.


Lançado em 01 de dezembro de 2023 de maneira independente, Mysteries The Night Hides é um álbum aterrorizante e asqueroso que propõe uma feliz fusão entre terror e heavy metal. É onde Fabiano Negri dá liberdade aos seres do submundo e faz da morte um protagonista onipresente e absoluto que irradia torpor, medo e insegurança a partir da luz do luar.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.