NOTA DO CRÍTICO
Desde sua formação, em 2014, o grupo paulistano lançou apenas um álbum de estúdio. Nesse meio tempo, veio a pandemia, e com ela, a necessidade de mostrar ao público mais música. Foi assim que surgiram The Dance Between e Live At The Drive-in, EPs que funcionaram para preparar os fãs para a chegada do tão esperado segundo álbum do Ego Kill Talent, o chamado The Dance Between Extremes.
Um ambiente que mistura o transcendental e o místico se forma nos primeiros instantes de NOW!. Dando corpo nessa atmosfera, surge uma voz solitária, mas de presença penetrante que lança ao ouvinte versos reflexivos sobre a vida e sua valorização. Mas é quando Jonathan Dorr entoa o questionamento “How come we never care about it?” que ocorre a explosão. Tudo dali para frente se torna um punch. A bateria entra com frases potentes e fortes e a guitarra, por sua vez, vem agressiva em riffs que transmitem até mesmo sinais de agonia. Eis, enfim, que a canção entra numa mescla de post-grunge, metal e hard rock, com frases groovadas e de toques sombrios impressos pelo baixo grave e conciso de Raphael Miranda. Mas ainda assim, ela possui versos contagiantes e de forte atratividade popular.
É exatamente essa vibe popular que se perpetua em The Call, uma música que, desde o começo, possui uma estrutura melodicamente cativante e de musicalidade mais eclética. Esse fator se deve, claramente, à arquitetura adotada na canção, em que o refrão se coloca direto na introdução. O verso de ar, por sua vez, surge após uma frase divisória de sonoridade agressiva e regada em distorção. É nele que se percebe uma semelhança latente entre o timbre vocal de Dorr e o de Dave Grohl.
De sonoridade introdutiva semelhante àquela adotada em NOW!, Lifeporn tem temperos sombrios em sua sonoridade ao mesmo tempo em que a interpretação de Jean Dolabella forma linhas de bateria simples, mas que ao mesmo tempo imprimem força e atratividade à melodia. Pra cima, popular e contagiante, a música tem um lirismo romântico que ajuda a torná-la uma forte candidata a single de The Dance Between Extremes.
Contagiante, de início surpreendente e de distorções sutilmente melancólicas. Eis que chega Deliverance, uma faixa de musicalidade que transborda por todos os poros do ouvinte em um instante de excitação e penetração. Nela, o baixo de linhas graves e contínuas, responsável por criar cadência, sobriedade e toques de escuridão, é acompanhado de uma guitarra cujas notas servem como raios de sol tentando romper tal barreira obscura. No quesito lírico, há uma coincidência entre o universo cinematográfico. Afinal, assim como Will Smith questiona, discute e se rebela contra a vida em Beleza Oculta, Dorr repete o feito culpando, enfrentando e interrogando a vida numa tentativa desesperada de obter respostas e um alento ao seu sofrimento enrijecido.
Em Silence, Roy Mayorga e Bob Burnquist se unem na introdução apresentando ao ouvinte elementos percussivos de sonoridades peculiares e que se soma à melodia da canção entregando temperos adocicados no despertar da faixa. Apesar disso, a totalidade harmônica exala uma energia melancólica que penetra na mente do ouvinte e oferece, ainda, sentimentos que se misturam entre reflexão e, até, nostalgia. Porém, essas sensações logo se esvaem com a entrada do refrão potente e na estrutura rock alternativo que se assemelha à sonoridade empregada pelo Foo Fighters.
Sensualidade e sexualidade. Logo de início se percebe que In Your Dreams Tonight será aquele single de levada comercial com um ritmo atrativo. E de fato essa estimativa se faz correta. Contagiante e alegre, a canção tem roupagem que flerta principalmente com o hard rock e possui um refrão composto na métrica radiofônica, proporcionando a atração de mais pessoas por conta de seu ritmo de movimentos sincopados.
Sombria, agressiva, pesada e suja. Sin and Saints é uma canção que se mistura entre o nu e o heavy metal em uma estrutura que, apesar de grave, possui em sua essência uma sonoridade melódica capaz de contagiar o público. Contudo, o que nela é vendido é de fato uma harmonia calcada em movimentos compassados, groovados que possuem, como destaque, a união das guitarras de Niper Boaventura e Theo van der Loo, a qual é responsável pela voracidade da estética rítmica.
Uma surpresa para os fãs já acostumados naquela sonoridade que transita entre as influências do Nickelback e Foo Fighters. Starving Drones (A Dinner Talk) é uma música que, mais do que Sin and Saints, está emaranhada e encrustada no nu metal. Mas não só isso. A canção é também rap rock, pois as frases de Dorr possuem essa métrica lírica. Agressiva e rude, a melodia da canção, que se soma ao teor lírico rebelde e questionador, acaba flertando com a sonoridade adotada por bandas como Hollywood Undead e até mesmo o Rage Against the Machine.
Saindo desse ambiente questionador, agressivo e áspero, vem a calmaria. Our Song é uma música melódica no sentido mais estrito da palavra. De teor ainda mais romântico que aquele oferecido em Lifeporn, a presente faixa alcança uma espécie de energia adolescente que contagia o ouvinte com sua pureza lírica. Claro que, mesmo amorosa, a estética rítmica traz distorções graves nas guitarras e no baixo, uma assinatura notável da sonoridade do Ego Kill Talent.
Agressiva, grave, mas de movimentos fluídos que estimulam a noção de contágio. Diamonds and Landmines é uma canção imersa no universo nu metal que possui linhas de baixo de destaque e importância inquestionáveis para a criação da energia proposta para a faixa. Sombrio, o instrumento domina os versos de ar, mas perde a força na entrada do refrão de melodia alegremente melancólica.
Hard rock misturado com rock alternativo. Essa é a proposta melódica de Beautiful. Contagiante, alegre e pra cima, a canção conquista o ouvinte com sua sonoridade ensolarada e seu solo macio, mas com toques de swing. Não só isso. A métrica do refrão faz com que o ouvinte decore a sonoridade e cante sempre em que Dorr pronuncia o título da faixa. Outro single importante de The Dance Between Extremes.
Voz e guitarra. É assim que se inicia The Reason. De energia e peso crescentes, a música possui uma melodia mais tranquila, tal como acontece em Beautiful, Our Song e Lifeporn. Curiosamente, o teor lírico da faixa se distancia da calmaria harmônica. Trazendo questões sérias, o lirismo apresenta um diálogo entre o eu-lírico e sua própria depressão. As decepções que a vida oferece ao mesmo tempo discutem com a vontade do querer viver. É isso o que torna a faixa tão enigmática. Afinal, existe a ânsia de viver, mas há a dor que atrai para o outro lado.
Gravado no 606 Studio em 2019, The Dance Between Extremes é, realmente, uma dança entre extremos. Afinal, sua sonoridade transita livremente entre escuridão, agressão e rispidez e a calmaria, alegria e positivismo. Mas não é só no ritmo que essa dança se faz presente.
O teor lírico das canções também faz essa viagem constante, saindo do romantismo e indo para a incredulidade. Entrando nos questionamentos e saindo na dicotomia entre vida e morte. São assuntos fortes que pedem ritmos fortes e com peso suficiente para aguentar o tranco.
Mas é isso o que é interessante no Ego Kill Talent. Ouvindo seus trabalhos, é nítido que a sonoridade que define o grupo é aquele hard rock metalizado ao estilo típico europeu. Ao mesmo tempo, porém, se percebe uma competência na criação de melodias mais comerciais que imprime à banda uma versatilidade positiva.
É claro que essa versatilidade está fortemente presente em The Dance Between Extremes. Mas quem teve grande peso no auxílio da compreensão dessa maleabilidade foi Steve Evetts, o responsável pela mixagem do álbum. Com sua atuação, o ouvinte consegue captar, sem a presença de ruídos ou volume oscilante, a destreza de cada instrumento.
Lançado em 19 de março de 2021 via BMG, The Dance Between Extremes é um disco forte e que reafirma a legitimidade do Ego Kill Talent. Competente, versátil, pesado e reflexivo, o álbum possui ingredientes que estimulam a reflexão para aqueles que a conseguem perceber.