NOTA DO CRÍTICO
Antes, ele transitou por outros quatro EPs. Com um alter ego, um músico carioca residente em São Paulo capital lança seu primeiro disco de estúdio. Após a transitar por anteriores quatro EPs, Dramón anuncia Áspero, álbum composto no decorrer de 2020.
Um som extraterreno se ouve. Sensações mistas de incerteza, aflição e adrenalina se fazem presentes em uma sinfonia descompassada de emoções. Agora, porém, ela faz com que o ouvinte se petrifique enquanto observa, ao fundo, lampejos de luz tentando invadir a atmosfera da faixa-título na forma de uma guitarra no ato de despertar. Esse despertar acontece, mas de forma a deixar o instrumento em segundo plano enquanto quem domina o cenário é um baixo de linha simples, macia e groovada.
Diferente da energia oferecida no despertar da faixa anterior, o que se cria em Vencer o Sol é uma sonoridade introdutória praiana, como se o ouvinte pudesse se sentir nas areias de Copacabana. Porém, uma onda varre de imediato esse clima ensolarado e traz o sombrio a partir de uma guitarra grave, de tom sinistro e acompanhada de ruído. Logo, esse ruído se torna parte da melodia, a qual recebe um beat penetrante que amplia a sensação do sinistro.
Distorção. Aspereza. Agressividade. Toques de raiva. Descompasso tem seu início calcado em uma guitarra que parece imergir nas atmosferas grunge e punk devido à sua sonoridade. Porém, como também aconteceu em Vencer o Sol, há uma quebra melódica na presente faixa que leva o ouvinte para um entorpecer desconhecido. Um ambiente que faz o espectador flutuar ante a paisagem disforme. Atravessando esse cenário, o viajante encontra novamente a guitarra, que agora parece pedir ajuda a partir de riffs lamentosos e calmamente atraentes.
Um único riff repetido por algumas vezes. Ao fundo, há algo transcendental musicalizando o ambiente, dando um conforto diferente. Assim como em Descompasso o ouvinte não é apenas um espectador, mas um viajante que parece participar, tocar as nuances sonoras oferecidas em Inflexível. E essas nuances estão presentes nas atmosferas desconhecidas que implicam o sombrio, mas que também lançam melancolia aveludada no ápice da faixa.
Um beat sujo, disforme. O baixo surge com linhas groovadas dando respaldo a esse ambiente ainda incompreensível, que, com o passar do tempo, acaba ganhando trovoadas de cores quentes oferecidas pela guitarra. É como se o ouvinte estivesse visitando seu próprio inconsciente, uma proposta extremamente cabível para Ecos do Vazio.
Existe pavor. Existe tensão. Existe desconforto. Existe a sensação de hipnose. A melodia tranquila, mas ao mesmo tempo imagética e enigmática de Insônia, é como se fosse continuação daquele cenário construído em Ecos do Vazio, pois o ouvinte ainda se vê perambulando pelos ares de seu próprio inconsciente.
Singularidade. Repetição. Penetração. Essas são características que definem a estrutura de Atenção, Atenção!, uma música curta em sua estrutura, simples em melodia, mas ao mesmo tempo penetrante e atraente.
Sombrio, grave. Amedrontador, tenso. Pelas Pareces da Memória é uma música que, com sua sonoridade obscura e tenebrosa, parece se somar aos capítulos sobre a mente humana propostos em Áspero, tais como Ecos do Vazio e Insônia. Somatizando sensações como medo, os beats ainda mais graves convidam o ouvinte para o caos, para o incontrolável. Por vezes é uma coisa extremamente difícil encarar a própria consciência.
É extremamente interessante como algumas poucas sonoridades podem fazer com que o ouvinte sinta, viva e conviva com sentimentos e pensamentos conflitantes. É interessante notar que, com apenas alguns temperos espalhados nessa mesma sonoridade, o ouvinte amplie essas questões em seu inconsciente.
Áspero não é um disco nomeado em referência à sua melodia. Afinal, de nada ela tem de áspero. Mas essa aspereza e esse desconforto se referem única e exclusivamente às sensações que eles proporcionam ao ouvinte, que viaja por entre as melodias propostas nas oito faixas do álbum.
Por isso, é necessário estômago para que o viajante consiga visitar os ambientes mais profundos e sombrios construídos nas melodias do disco. Mas mais do que isso. É preciso assumir que esses ambientes estão dentro da mente de cada um que optar por decodificar a harmonia das canções.
Produzido por Renan Vasconcelos, Áspero é isso: uma viagem ao inconsciente. Uma proposta muito bem captada por Marcelo Malni, responsável pela arte de capa do álbum. Afinal, nela se percebem as dicotomias entre alegria e tristeza. Temor e esperança. Caos e harmonia.
Lançado em 26 de março de 2021 via Sinewave, Áspero é um álbum que traduz em todos os aspectos a palavra experimental. Um disco reflexivo, mas sombrio e ao mesmo tempo caótico. A mente humana é um ambiente com muitas arestas ainda inexploradas.