NOTA DO CRÍTICO
Pouco mais de sete anos depois de o lançamento de Destinorama, seu álbum de estreia, o Do Culto ao Coma retoma suas atividades com o lançamento de Imago. Produzido pela própria banda e por Filipe Coelho, o álbum é um produto que intriga o espectador desde sua arte de capa extremamente metafórica.
Uma conjuntura de cordas clássicas faz surgir uma chuva de cores intensas no despertar de A Euforia Entre Nós. Essas cores são as responsáveis por determinar a energia despendida para degustar a melodia da canção e, no caso, ela se encontra nas alturas com um punch sonoro de protagonismo da guitarra de Leandro TG Mendes. Apesar de seu destaque, a harmonia também é dominada por um baixo de linhas tensas e quase sombrias. Quando da entrada do vocalista Thiago Holzmann, sua voz fina e de interpretação levemente fantasmagórica dá um contraponto interessante ao peso melódico. Existe ainda uma amplitude na agressividade rítmica da canção, algo que acontece no segundo verso.
Em Antes Que o Tédio Me Vença são repiques da bateria de Leonardo Nascimento que puxam a melodia. Aqui, ela se apresenta igualmente densa e pesada quanto em A Euforia Entre Nós. Mas diferentemente de sua irmã, a presente faixa se mostra mais suja, de riffs com flertes mais inclinados para o grunge do que necessariamente ao heavy metal. Uma coisa que começa a se concretizar na mente do ouvinte é que a assinatura sonora da Do Culto ao Coma é, indiscutivelmente, o baixo de Guilherme Costa. Seu peso intenso que até chega a sugerir sentimentos de raiva e desprezo vingativo vive a perambular pela harmonia carregando e distribuindo o sombrio e o impetuoso. Apesar de tudo, Antes Que o Tédio Me Vença é em sua essência uma balada metalizada.
Uma atmosfera sinistra se forma. Mas não sinistra no sentido de algo sombrio, sinistra no sentido da expectativa, da surpresa e do medo consequente da incerteza. Tudo isso é transmitido com as notas do teclado, que ecoam no ouvido do ouvinte e o fazem ter calafrios por perceber estar entrando em um ambiente mais desconhecido. A voz ecoante e cujas palavras entram em adesão a esse obscurantismo fazem de Imagogia um single lado B penetrante em sua essência e com parentesco, mesmo que distante, com as temáticas líricas do Evanescence.
Saindo dessa lama arrepiante, Tempos de Dor se apresenta uma canção calcada no hard rock com sua guitarra em riff mais agudo quase inserindo detalhes de sensualidade. Aqui, Holzmann coloca mais do seu alcance vocal de forma clara e limpa junto à melodia. Tais fatores, unidos a uma extensão do efeito contágio, fazem da música um produto feito nos moldes comerciais. De fato, um single que merece a confiança.
Se em A Euforia Entre Nós a melodia e a interpretação lírica já tinha um quê de fantasmagórica, em Desrazão essa característica se soma a uma melancolia inebriante e a uma letra desmotivadora em cujas palavras colocam a energia do ouvinte em um nível extremamente baixo.
Já em O Céu Sombrio de Ontem, a sonoridade que se apresenta em primeiro plano é sutilmente complexa e formada por um groove de marcha militar unido a um time de cordas em tom mais baixo que cria, novamente, um ambiente inundado em melancolia. Feita com base no blues, a verdade é que ela caminha para algo mais construtivista, de mensagem positiva no que diz respeito ao seu conteúdo.
Groovada é a palavra que define Apesar de Calado. É nela que o baixo tem um protagonismo absoluto na criação de uma melodia contagiante e envolvente. E essa jam é completada por uma bateria de linha igualmente groovada fazendo da sonoridade um exemplo de melodia que mistura psicodelia, metal, blues e hardrock. Para alguns, esse single pode remeter ao Led Zeppelin. Para outros, o Black Sabbath. O importante é que a música foi, sim, influenciada e baseada por essa mesma escola. Afinal, tem peso, contágio, presença e competência.
De sonoridade hardrock mais alegre, O Afeto de Schrödinger continua seguindo o mesmo viés de Apesar de Calado e Tempos de Dor. Pois aqui o ouvinte também se sente conquistado, embalado, seduzido. Falando em estímulo, é difícil até mesmo deixar a cabeça parada sem se render aos impulsos oferecidos pela conjuntura de elementos sonoros da canção.
Uma guitarra em efeito de eco constrói um riff distorcido, mas em tom quente e contagiante. Eis que se instaura, novamente, aqueles sentimentos de suspense e expectativa por saber como Isocrônico irá evoluir, se manterá a linha hardrock ou se irá por outro caminho. A verdade é que a faixa caminha entre o progressivo, pop e eletrônico, uma mescla que cria uma atmosfera inebriante e psicodélica que ganha peso com o dueto instituído entre Holzmann e Chay Alves.
Uma porrada, um instrumental de peso. Seja lá como definir a saideira de Imago, é incontestável que Eterno Retorno é um single pesado, metalizado e estimulante. Na faixa, se concretiza a ideia de que os músicos de corda possuem uma química entre si, o que possibilita a criação de linhas crescentes e empolgantes. Na estrutura progressiva, a canção tem, além de a maior duração dentre as faixas do disco, solos de teclado, uma atmosfera transcendental e guitarras em tons bluesados.
Por ser um trabalho independente, Imago surpreende pela qualidade e competência dos músicos. Cada nota, cada timbre, cada som criado extravasa uma noção de profissionalismo de uma banda que ainda está no começo da trajetória. Afinal, este é apenas o segundo trabalho de Do Culto ao Coma.
Caminhando livremente entre subgêneros de identidade forte no meio do rock como hardrock, heavy metal, acid rock, progressivo e até mesmo o nu metal, Imago mostra que cada um dos quatro músicos do grupo sabe o que está fazendo e aonde quer chegar. Além de, claro, mostrar que eles têm uma bagagem de repertório ampla.
De mixagem imponente, algo que coopera para a grandiosidade sonora e pela boa compreensão dos sons criados pelos instrumentos, Imago possui harmonias melancólicas e sombrias que se misturam com letras de energias antagônicas como tristeza e alegria.
Fora isso, o disco possui uma arte de capa que, obrigatoriamente deve ser notada. Feita por Kennedy Martins, ela traz muito da influência das icônicas capas do Pink Floyd. Afinal, ela guarda significados e metáforas das mais variadas interpretações. De toda a forma, ela é instigante e bem feita.
Lançado no dia 29 de janeiro de 2021 de forma independente, Imago mostra que Do Culto ao Coma é competente, tem musicalidade e uma boa predisposição para criar músicas sombrias. De toda a forma, é indiscutível que o disco tem mais punchs sonoros do que melodias suaves e transcendentais.