Deep Purple - Turning To Crime

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não foi um hiato grande como os nove anos que dividiram Come Taste The Band e Perfect Strangers ou os sete que separaram Rapture To The Deep e Now What?!. Foi necessário somente pouco mais de um ano para que o Deep Purple apresentasse ao mundo o sucessor de Whoosh!. Turning to Crime assume o posto de 22º disco de estúdio do quinteto inglês.


Um teclado ácido e de notas de uma psicodelia hipnotizante entra acompanhado de uma bateria acelerada e cheia de repiques. Em fração de instantes, a dupla Don Airey e Ian Paice cria, juntamente com a guitarra de riff suave trazida por Steve Morse, uma harmonia colorida, contagiante e de toques florais de um amanhecer primaveril. Eis que Ian Gillan assume o microfone e expõe seu vocal intermediário e levemente nasal à melodia. Com força e precisão, a voz de Gillan traz consigo a mesma ambiência setentista que se seguiu durante seus 38 anos de estada no quinteto. É com ela que um enredo que beira o lúdico fabulesco se anuncia. Cheio de uma ingenuidade infantilesca, o lirismo de 7 And 7 Is apresenta os anseios de uma criança e a forma como ela enxerga o dia, um período repleto de possibilidades. Apesar de os versos cantados serem enxutos, o trunfo da canção é o instrumental propriamente dito. Afinal, ele traz a psicodelia imersa em um hard rock ácido com direito a solos de guitarra e teclado embriagantes que flertam, inclusive, com o power metal.


A cadência das notas do piano transporta o ouvinte de imediato para os 20 anos que se seguiram entre as décadas de 1940 e 1950 e oferece uma ambiência típica do boogie-woogie capaz de se ouvir Roosevelt Sylkes assumindo o instrumento. Macia, dançante e com um swing característico, a melodia é baseada no compasso 4x4 e executada de maneira leve. Recebendo os sons de metais como trompete e trombone a partir dos teclados, Rockin' Pneumonia And The Boogie Woogie Flu, apesar de ser nomeada da mesma forma que canções de Jerry Lee Lewis e Johnny Rivers, a canção assinada pelo Deep Purple traz consigo uma originalidade dançante e de lirismo leve. Com um enredo cômico capaz de tirar sorrisos escancarados da boca do ouvinte, o enredo cantado é abraçado por uma melodia acalorada que, mesmo sem grandes malabarismos, encanta. Com influências visíveis até de Elvis Presley, Rockin' Pneumonia And The Boogie Woogie Flu é preenchida por um solo de piano cadenciado que, inesperadamente, pronuncia a melodia icônica executada pela guitarra de Ritchie Blackmore na introdução de Smoke On The Water.


Groove, contágio, swing. Quem puxa a introdução é o baixo de Roger Glover, quem assume a função de guia sonoro conforme a melodia vai crescendo. Com o pandeiro e o bumbo da bateria trazendo a contagem do tempo, a guitarra entra em cena trazendo um riff que transporta o ouvinte para um hard rock setentista com singelos e quase imperceptíveis flertes com o funk. Porém, quando o piano Rhodes preenche e fecha a linha melódica com suas notas aveludadas e ácidas, a psicodelia assume as rédeas de Oh Well. Com uma roupagem que beira o country, a canção, assim como em Rockin' Pneumonia And The Boogie Woogie Flu, se vale pelo instrumental, pois seus versos cantados são igualmente curtos e que trazem uma narrativa provocativa. Com muita pressão e precisão, Oh Well é capaz de fundir country, hard rock, funk e psicodelia em um mesmo ambiente enérgico e excitante.


Trazendo cores vivas e diferenciadas. Uma mistura de blue-eyed soul e R&B pode ser notada graças à união do teclado com a batida da bateria, a qual recria a introdução simplista e icônica de Let’s Twist Again, single de Chubby Checker. Com grande presença do baixo incorporando um groove latente à melodia, Jenny Take A Ride possui uma sonoridade que foge ligeiramente do espectro típico do Deep Purple por flertar com uma ambiência excessivamente estadunidense. Ainda assim, esse mesmo detalhe mostra a flexibilidade e versatilidade dos músicos do quinteto inglês.


As notas do piano sugerem algo mais introspectivo quando, na verdade, encaminham o ouvinte para uma atmosfera puramente blues cinquentista. Assim como Jenny Take A Ride, Watching The River Flow sugere a mão no freio em relação à densidade e acidez melódica para algo mais dançante e aveludado. Ao mesmo tempo, esse estilo de composição força Gillan a desenvolver um lado mais sereno que beira o improviso em seu canto.


Não é uma paráfrase ao mais recente álbum do The Offspring, Let The Bad Times Roll. Ainda assim, é possível dizer que o grupo californiano tenha sido influenciado com o título Let The Good Times Roll, canção de B. B. King agora reinterpretada pelo Deep Purple. Com ambiência de abertura de talk show, a canção possui uma mistura peculiar de jazz e blues ao integrar metais à batida cadenciada em 4x4. Promovendo um swing macio e contagiante, a canção traz uma alegria extasiante e explosiva com direito a solos de guitarra, teclado e piano cuja sincronia é evidente. É quase como uma jam session que parece bebericar do boogie-woogie.


Os repiques da bateria soam quase como uma marcha militar. Porém, quando tambores são inseridos na melodia, uma atmosfera tropical começa a emergir. Repleto de um swing blues cinquentista, é possível notar toques florais à melodia entregue especialmente pela dupla guitarra-piano. Apesar dos solos tipicamente blues do piano, Dixie Chicken vem acompanhada de uma atmosfera sutil do country de Tennessee.


Crescente e enérgica, Shapes Of Things surge com uma cadência mais amaciada e com forte presença do baixo como guia melódico. Curiosamente, a presente faixa encerra a sequência de músicas excitantemente dançantes selecionada pelo quinteto, pois ela traz consigo uma atmosfera que beira a melancolia em cujo próprio lirismo sugere um tema mais sério em contraponto à melodia que aborda o envelhecimento e a relação com a natureza.


Se Shape Of Things foi um banho de água fria na excitação, The Battle Of New Orleans tenta recuperar essa atmosfera já com uma introdução de melodia doce que instiga um sorriso de canto de boca. Curiosamente, a presente faixa consegue imprimir na melodia uma ambiência country ainda mais latente que aquela percebida em Dixie Chicken. Cantada em coro e com a presença do sobrevoo de notas de violino e sanfona, é como se o ouvinte se visse nas varandas das típicas casas rurais dos EUA.


Com toques mais agressivos ao swing melódico, o hard rock oferecido em Lucifer tem seus respingos ácidos de psicodelia e um flerte com a sonoridade do rockabilly. Tendo direito a cowbell marcando o tempo, um solo de teclado e outro de uma guitarra rebelde, mas com afinação limpa, a canção acaba defendendo a essência blues presente na base melódica. Lucifer acaba então por receber uma vivacidade estimulante e excitante na mão dos ingleses.


A guitarra em afinação aguda e a bateria sutilmente explosiva sugerem uma melodia que abraça uma atmosfera sentimental e melancólica. Curiosamente, essas percepções definitivamente não se concretizam, pois o que se segue é um hard rock bluesado com um groove swingado contagiante. Em White Room ainda é possível notar alguns goles na temática progressiva a partir das notas do teclado, algo que enaltece a excitação e ânimo proporcionados pela melodia.


O sorriso é escancarado. A alegria é contagiante. O ânimo, transmissivo. E o swing, inevitável. Caught In The Act é uma canção que é puxada pelo boogie-woogie, mas que é prosseguida com uma mescla de blues hard rock de groove latente cuja sensualidade é iminente e deixa claro que Bon Jovi se inspirou em sua estrutura melódica ao compor If I Was Your Mother. Subdividida entre hard rock-blues-boogie-woogie e blues rock, a canção é um instrumental que atende a todos os gostos que conta com um solo de teclado ácido e outro de guitarra que se unem a uma base linear cuja previsibilidade é inesperadamente rompida.


A coisa mais importante a se dizer a respeito de Turning to Crime é que, apesar de ser o  primeiro disco de covers da carreira da banda, mostra a tamanha versatilidade dos integrantes do Deep Purple. Uma versatilidade que consegue sair da zona de conforto de um hard rock psicodélico setentista e experimentar ambiências rítmicas de épocas anteriores à própria formação do quinteto.


Isso foi possível graças à seleção de músicas a serem repaginadas pelos músicos. Canções de artistas que vão desde nomes como Love, Fleetwood Mac, Bob Dylan, Little Feat, Johnny Horton e Cream ganharam roupagens com mais pressão e acidez. No entanto, ganharam doses extras de groove e swing.


O fato que mais cooperou para o sucesso do álbum foi o clima de descontração proporcionado. Afinal, Turning to Crime soa como uma brincadeira, uma reunião de amigos que resolveram tocar músicas que os inspiram e agradam.


Daí, foi possível criar atmosferas tão ricas que fazem com que algumas canções de fato pareçam pertencer ao Deep Purple. Canções como Rockin’ Pneunomia And The Boogie Woogie Flu, Oh Well, Shapes Of Things, Lucifer e Caught In The Act são excelentes exemplos disso.


Tal consagração foi possível graças à produção de Bob Ezrin, quem conseguiu capturar a essência sonora do quinteto e inseri-la em cada uma das 12 faixas melodicamente repaginadas. Isso faz com que Turning to Crime, apesar de ter ritmos distintos da zona de conforto do Deep Purple, soe como um genuíno disco da banda.


Lançado em 26 de novembro de 2021 via earMusic, Turning To Crime é simplesmente como uma reunião de amigos se divertindo. Um disco capaz de trazer a versatilidade de uma das bandas mais icônicas e precursoras do heavy metal. Um disco que, apesar de descontraído, traz a essência sonora típica do Deep Purple.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.