Tarmat - Out Of The Blue

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

O ano de 2020 não serviu apenas para que bandas lançassem novos produtos. Serviu também para embriões se desenvolvessem e se transformassem em algo palpável. Um desses exemplos é o grupo fluminense Tarmat, resultado de uma empreitada autoral vinda de quatro integrantes com experiência no universo cover. Como primeiro passo desse novo capítulo está Out Of The Blue, o disco de estreia do quarteto.


É como um despertar. Como a luz do Sol começando a banhar um universo cheio de possibilidades e de uma sede enérgica. Essa atmosfera é desenhada a partir das notas altas e excitantes do teclado de Gabriel Aquino, cuja melodia oferece a sintetização da influência sonora de bandas como Van Halen e Journey. Em verdade, essa construção rítmica unilateral é como a sonorização da divisa estilística das décadas de 70 e 80, pois ao mesmo tempo em que possui notas de uma new wave ácida, traz uma melodia de caráter mais popular contagiantemente digestiva. Eis que quando a segunda etapa introdutória se inicia, a entrada da bateria e da guitarra faz com que o ouvinte pense estar ouvindo Jump, single do Van Halen, quando, na verdade, está presenciando o alvorecer de uma atmosfera sensual que mistura elementos do hard rock com o progressivo. É a partir do rompante sexy da guitarra de Eduardo Marcolino que as linhas vocais são enfim introduzidas à conjuntura rítmica. Surpreendentemente, o timbre de Alexandre Daumerie foge drasticamente do veludo típico dos vocalistas da década de 80 e oferece algo azedo e quase computadorizado, algo como uma mistura entre os tons de Ozzy Osbourne e Bon Scott. O mais interessante em Backbone Feeling é que enquanto o lirismo traz uma narrativa simplista, mas que oferece adrenalina, a melodia vem com uma sensualidade de flertes com uma densidade metalizada típica de um hard rock europeu que bebe direto da fonte do heavy metal. Nesse sentido, é possível que o ouvinte note traços soturnos de um Black Sabbath em meio ao veludo essencialmente atraente.


De notas que beiram o chip tune, o teclado segue sendo o responsável por abrir o caminho da eclosão melódica. Aqui, porém, existe um ar mais pop em que a união da voz em falsete com o teclado num visto de veludo e acidez constrói uma sonoridade que se assemelha àquela constituída pelo A-Ha. Enquanto o primeiro verso e o pré-refrão se estruturam a partir de um ritmo linear, a guitarra vai surgindo pontualmente como relâmpagos que oferece um salgar no palato excessivamente doce até então proporcionado. Na ponte para a segunda estrofe, o groove cadenciado do baixo de José Marcus é quem passa a inserir uma sensualidade diferenciada, mas ainda capaz de atrair a atenção do ouvinte ao instiga-lo a dançar ou simplesmente se deixar levar pelas sensações oferecidas na faixa-título. Antes mesmo que o ouvinte pensasse não ser mais surpreendido, a melodia faz surgir um solo de metais composto por trombone e trompete que dá ainda mais vivacidade à canção.


Diferente da energia sensual e dançante das canções anteriores, o que se tem é um suspense chamativo que desperta expectativa no ouvinte em saber como a melodia será desenvolvida. Mesmo com groove e instrumental mais contido, a melodia introdutória é aveludada e capaz de abraçar o ouvinte em sua cadência mais macia e oferecer, ainda, notas florais. Por mais que o enredo de Moving Backwards relate a experiência da separação, do término de um relacionamento amoroso, o instrumental parece funcionar como um elo de reconciliação a partir de uma estrutura desenhada de maneira semelhante a Is This Love, single do Whitesnake. Moving Backwards traz romantismo, melancolia, nostalgia e sofrimento na mesma medida.


Dramática graças ao grave das notas do piano, a introdução possui sobressaltos de uma guitarra melódica que paira o ambiente jogando aromas perfumados de uma maciez que beira a melancolia. Trazendo uma ambiência rítmica capaz de mesclar blues, power metal e hard rock, Gibberish possui um gingado peculiar que, curiosamente, consegue recriar a atmosfera do rock nacional oitentista ao oferecer, na estrutura, um DNA formado a partir de referências que vão de Blitz a Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens. O mais notável na canção é a simplicidade com que Rafael Marcolino executa a levada da bateria de maneira a proporcionar uma melodia semelhante àquela feita por Steve Smith em Don’t Stop Believing, single do Journey. Com rimas diversas, a canção é contagiante e apresenta um lirismo leve e distrativo. 


Sensualidade está no cerne. Uma sensualidade que beira o selvagem e a rebeldia amaciados. É como a fusão de Whitesnake com Guns and Roses, Mötley Crüe, Poison, Steel Panther e Def Lepard. Rosetta Stone é sexy com toques florais ao mesmo tempo em que tem, guardada, uma agressividade que é despertada no refrão. Melódico, sedutor e com direito a um solo cheio de testosterona, o refrão dá margem para algo romanceado e espontâneo.


É como estar no interior dos EUA, pois é possível notar um blues rock amplamente swingado. Com um groove macio e amplamente sedutor com direito a um tropicalismo trazido pelos elementos percussivos, More Than Less é uma canção em que o eu-lírico tenda vender uma boa imagem de si próprio para outro alguém. 


Com um despertar psicodélico, o ouvinte finalmente tem a balada de Out Of The Blue. A melancolia se confunde com arrependimentos enquanto a melodia vai desenhando um quadro de cores frias que criam uma perfeita roupagem para Dinner’s On The House, uma faixa reflexiva que traz a vida como algo fluído, instável e imprevisível. Ao mesmo tempo, porém, existe uma crítica à ganância e ao comportamento excessivamente capitalista que visa o lucro, vê o ser humano como número e despreza a sensibilidade. 


Os dedilhares do violão e da guitarra comunicam o nascimento de outra possível balada. Assumindo uma estrutura minimalista e com base na sobreposição vocal, The Knight acaba soando como um folk ao estilo Blind Guardian. Afinal, além da melodia criada apenas com cordas, o lirismo constrói um cenário épico com navios, reinos, reis e a luta em pedir a mão de uma princesa. O sonho relatado em The Knight é uma adaptação folclórico-melódica de Romeu & Julieta que instiga, conquista e prende a atenção do ouvinte.


É raro ver uma banda se lançar já com um produto de peso, mas não um peso no quesito vendagem, peso no quesito qualidade. Nomes como RPM, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Guns and Roses, e, mais recente, Cali, Heavy Water e Dirty Honey são alguns exemplos. E nesse time, certamente o Tarmat conquistou uma vaga.


Out Of The Blue conseguiu ser um álbum sexy e selvagem ao mesmo tempo em que guarda um veludo melancólico-nostálgico na sua melodia. Fruto da síntese de influências musicais dos integrantes, lista que visivelmente vai desde Beatles, passa por nomes dos anos 60 como Deep Purple, Rush e Pink Floyd, captura o Kansas, o Journey  o Van Halen e o Whitesnake da década de 70 e aterrissa com firmeza no solo dos anos 80.


Cheio de swing e groove, o disco chama a atenção por suas melodias enérgicas e propositalmente sensuais. De letras de conteúdo majoritariamente distrativas e igualmente sensuais, o disco transita por temas leves como o amor, a conquista e a separação como também avalia assuntos político-sociais reflexivos. Dessa forma, ao mesmo tempo em que diverte, ele é um trabalho que instiga a reflexão, mesmo que de maneira singela.


Essa ambiência que exala liberdade, sincronia e parceria foi alcançada graças à produção assinada pelo próprio Tarmat. Em contrapartida, o som de caráter profissional, lapidado e de exímia qualidade foi obtido através da mixagem assinada por Eduardo Belchior


Claro que, para que o disco alcance um relativo sucesso internacional, a dicção do vocalista é bastante importante. Não à toa, Dalmerie oferece uma oralidade inglesa amplamente compreensível que não confunde ou desfoca o ouvinte durante os enredos líricos das canções.


Porém, existe um setor que é o primeiro a chamar a atenção do ouvinte, que é o visual. No caso de Out Of The Blue, a arte de capa é, no mínimo, intrigante. Feita por Rodrigo Fróes, ela, ao mesmo tempo que comunica fluidez e calmaria, é uma metáfora ao exílio para a Lua já vislumbrado por agências espaciais. Ao mesmo tempo, existe um ar psicodélico que instiga o imaginário criativo no ouvinte por trazer um ambiente inóspito. 


De outro lado, apesar de Fróes trazer essas ideias à arte, o logo feito por Bernardo Ramalho comunica o oposto. A grafia adotada em ‘Tarmat’ é bruta e de toques ásperos que, notadamente, foi feita influenciada pela escrita de nomes de bandas como Metallica, Anthrax e Slayer. Portanto, a união de Fróes e Ramalho é o veludo melódico tangenciando a rispidez e a agressão.


Lançado em 22 de outubro de 2021 de maneira independente, Out Of The Blue é um disco poderosamente melódico e perigosamente sexy. Ouvi-lo e não se sentir fisgado pela recriação do rock oitentista feita pelo Tarmat pode ser uma tarefa inalcançável.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.