NOTA DO CRÍTICO
No início do segundo trimestre de 2021, o coletivo de hip hop estadunidense Brockhampton decidiu surpreender. Foi então nesse período que foi feito o lançamento de Roadrunner: New Light, New Machine, o sexto álbum de estúdio do grupo e sucessor de Ginger.
Um som repetitivo se faz ouvir na introdução de Buzzcut, uma música que é dominada pelo vocal de Johan Lenox e pelos backings de Imondre Goss e Jabari Manwa. A faixa possui, curiosamente, uma cadência lírica contagiante que está emaranhado por um conteúdo lírico repleto de crítica social envolvida por uma noção mais melódica e um refrão-chiclete que dá passagem a uma ponte de protagonismo de Danny Brown.
Se em Buzzcut já havia melodia, em Chain On essa noção é amplificada. Além de melódica, a canção possui um groove trazido tanto pela batida quanto pelo som de baixo que é um grande responsável pela capacidade de atração da canção. Cheia de rimas perfeitas, o lirismo da canção escancara a disputa no mundo da música e a noção de pertencimento. Tudo isso contado com o protagonismo da personagem Peggy e pela interpretação adicional de JPEGMAFIA.
Assobios em ritmo melódico são ouvidos. Uma voz de dicção pausada contrasta com os cantos empregados nas músicas anteriores, mas casa perfeitamente com a proposta melódica de Count On Me. Afinal, na presente faixa existe um ritmo compassado e um refrão de extrema atração e contágio. Até porque, o que circunda o lirismo é o romance, o amor.
Em Bankroll, o sintetizador de Russell "Joba" Boring cria uma noção de suspense que beira o sombrio. Aqui o rap caminha harmonicamente de mãos dadas com o hip hop. Afinal, enquanto A$AP Rocky e A$AP Ferg se dividem entre vocais acelerados, existe uma melodia por trás na tentativa de fazer desse um ambiente jovial, algo alcançado por conta do teor lírico.
Uma ligação telefônica. Uma ligação telefônica trágica. Um homem, na casa em que seu pai morreu, encontra-se lutando contra a depressão. Esse é o cenário desenhado em The Light, uma música de melodia complexa em relação àquelas criadas nas canções anteriores. Isso porque na presente faixa existe a introdução de beats executados por bateria eletrônica e uma guitarra que, por meio de seus riffs, sofre tanto quanto o personagem da música.
Em Windows há também uma melodia complexa, mas nada que se compare àquela da faixa anterior. Aqui, Abhi Raju introduz uma guitarra de riff ululante e hipnotizante ao mesmo tempo, enquanto Versus cria, com o saxofone, uma imersão em ritmos latinos como o reggaeton. Essas impressões, porém, passam como um sopro, pois o que sustenta a base rítmica da canção é o vocal de SoGone SoFlexy, que, de canto truncado, passa a mensagem de respeito.
I’ll Take You On surpreende o ouvinte logo de início por conta de Charlie Wislon e seu vocal cheio de melismas ao estilo soul. Dando suporte, ao fundo está o canto grave e falado de Lando. A faixa indiscutivelmente possui o refrão mais contagiante e cativante de todo Roadrunner: New Light, New Machine, pois seu beat é atrativo e a forma como os vocais se combinaram traz uma melodia linear e sedutora.
Em Old News existe um baixo que caminha de mãos dadas e na mesma intensidade que o beat. O vocal rappeado de Baird traz questões amorosas e dúvidas do que é preciso fazer para conquistar a pessoa por quem se está apaixonado. E para dar companhia a um lirismo de teor leve, a melodia obviamente deve acompanhar essa proposta. E é exatamente isso o que acontece. O beat sutilmente acelerado recebe a companhia do baixo e de sutis inserções de riffs de guitarra que entregam cores mais vivas à melodia.
What’s the Occasion já começa, de modo melódico e harmônico, mas ao mesmo tempo com toques de melancolia, a questionar qual a ocasião que pede celebração. E para dar a resposta a essa indagação, um vocal acelerado surge cuspindo insatisfações sobre um alguém que nega seu respectivo lugar, sua origem. Tudo imerso em rimas e com o apoio de um refrão em que o vocal desacelera e entoa frases em cadências mais melódicas.
Já em When I Ball o que acontece é um vocal do início ao fim em ritmo acelerado, rappeado. Mas curiosamente, em sua companhia estão sintetizadores que trazem som de violino e Goldwash, que insere notas pausadas e precisas do piano no decorrer da melodia. Como um todo, a música funciona como um diálogo entre o eu-lírico e sua própria realidade. Mas o que importa é a busca pela essência, algo respondido em frases do refrão como “You always used to tell me I could be anything I wanna be But it's hard to see, it's hard to be”.
Minimalista em essência, a introdução de Don’t Shoot Up the Party caminha para algo regado em sons na chegada do refrão. Sintetizadores, beats e até mesmo frases de bateria acústica podem ser ouvidas no ápice da canção. Sobre o lirismo, ele é recheado de rimas perfeitas e traz à tona questões envolvendo preconceito racial, a realidade marginal e a violência policial.
Bearface e Boylife dividem o microfone em Dear Lord, uma música minimalista que é calcada apenas no vocal que, por vezes, constrói cenários de dueto. Em linhas melódicas do soul, o canto construído na faixa é uma prece, uma reza para que Deus dê atenção ao irmão do eu-lírico.
The Light Pt. II mostra como a música pode ser um canalizador de emoções e funcionar como terapia quando não se consegue lidar com as questões da vida. Mostra como compor e se dedicar à música pode ajudar a esclarecer dúvidas e a criar mais consciência de si. Mas mais do que isso. A faixa escancara a fragilidade do eu-lírico sobre a vida e questões de preconceito racial.
Roadrunner: New Light, New Machine é aquele álbum que faz qualquer um refletir sobre a vida. É aquele disco que faz com que o ouvinte ao mesmo tempo se delicie com as melodias do hip hop seja surpreendido pelas frases rappeadas e impactantes dos cantores do Brockhampton e dos respectivos convidados presentes no álbum.
Com uma lista de 20 produtores, o disco é um trabalho que combina questões sociais com temas mais brandos e suaves. Combina o típico vocal do rap com imersões em ambientes como o soul, criando harmonias de beleza heterogênea em relação às outras empregadas no álbum.
Para canalizar isso, Bearface, Derek "MixedByAli" Ali e Curtis "Sircut" Bye se uniram para criar uma mixagem capaz de expressar todas essas dicotomias presentes nas letras em uma sonoridade que soasse única para todas as propostas.
Lançado em 09 de abril de 2021 via Question Everything/RCA Records, Roadrunner: New Light, New Machine é aquele álbum que cativa pela melodia, mas choca pelo lirismo. É reflexivo ao mesmo tempo em que é alentador e suave. Um choque de realidade melancólica e masoquistamente atraente. Roadrunner: New Light, New Machine é onde a vida encontra a arte.