Bratislava - Parte Do Que Vem

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4 (3 Votos)

Depois de um hiato de cinco anos de lançamento de um álbum, o Bratislava surpreende o público e, no alvorecer do segundo semestre do ano, anuncia um novo material. Intitulado Parte Do Que Vem, o produto é o sucessor de Fogo e o quarto disco de estúdio do quarteto paulista.


Uma fita é colocada no para rodar. É então que uma voz tão branda quanto o sopro do vento preenche o ambiente com uma maciez e tranquilidade estonteantes. Victor Meira, com seu timbre manso, vai introduzindo um lirismo que, junto ao teclado de notas doces e entorpecidas, cria uma noção exotérica à melodia ainda em construção. Com direito a um ruído propositadamente presente e uma tímida psicodelia, a canção tem a estruturação de seu despertar a partir de um desenho sonoro minimalista. Quando o baixo de Zé Roberto entra criando uma base compassada, a guitarra de Jonas Andrade oferece seu riff de uma agudez tropical, e a bateria de Gustavo Franco proporciona uma cadência repicada, está garantida a imersão no campo da música indie. Com groove marcante e pitadas de new wave, VHS é uma música que, trazendo costumes e uma cultura já passada, tem como missão a mensagem do saborear aquilo que é simples. Ao mesmo tempo em que aborda o amadurecimento, a canção tem um fundo nostálgico que rememora vivências calorosas que, em um mundo moderno, retornam com a mesma essência.


De baixo presente e ondulante, a introdução já vem com uma maturidade sonora reluzente com seu compasso bem marcado e de swing em processo de despertar. Curiosamente, a cadência vocal e a interpretação lírica imputam na melodia um ar descontraído e, até mesmo, debochado. A sensualidade vai ganhando corpo conforme o enredo vai evidenciando seus contornos de paixão e declarações de amor um tanto fora do convencional, afinal, não há glitter ou floreios, mas sim relatos de comportamentos próprios que geram certa admiração. De refrão chiclete, Terra Do Nunca Mais é uma canção que narra a paixão do eu-lírico por uma pessoa que tem a capacidade de se desligar da realidade em curtos espaços de tempo. Nas entrelinhas, porém, a faixa continua com o viés presente em VHS com relação ao aproveitar o simples, mas com o acréscimo de conseguir garantir o equilíbrio emocional e uma mentalidade de ações frescas regidas pelo misto de racionalidade e emoção.


A bateria surge repicada e solitária. Segundos mais tardes, a guitarra e o baixo entram em uma sincronia de cunho melancólico que embriaga o ouvinte. Regida por uma linearidade estonteante, Eu E Você se trata de uma canção de enredo imagético do próprio eu-lírico. Realidades, cenários, experiências construídas apenas no imaginário com algumas coisas palpáveis: o amor sentido por outro alguém misturado com a tristeza visceral do término do relacionamento. Eu E Você é o sonho de algo belo não concretizado.


O bumbo seco surge como batimentos cardíacos que, acompanhados pelo teclado de notas ácidas e adocicadas, vai oferecendo a construção de um cenário exotérico e astral à canção. Com um misto de cores em tons pastéis e mornos, é como se o ouvinte flutuasse em meio a uma doma de silicone que abafa o ambiente externo e deixa o interior imerso em um torpor estranhamente reconfortante. É nesse ínterim que Meira entra com um tom de voz sofrido e lamentoso que se perde em meio à fraqueza com que o timbre ressoa. Adquirindo ares reflexivos, o lirismo de Calcanhar desenha um enredo emocionalmente caótico ao trazer o momento em que o eu-lírico pensa seu próprio orgulho como um fator de conflito. É o enfrentamento de questões íntimas e a realização de que a culpa nem sempre é do outro. Calcanhar é a disputa entre a raiva, a reflexão e a paz de espírito ao se conscientizar que o melhor foi feito.


Existe um misto de épico e dramático na sonoridade introdutória. Em meio à falta de pressão, o que se tem é uma leveza astral que é amplificada pela interpretação lírica que já mostra forte cunho emotivo. A verdade é que, em Um Jeito De Te Ver, o ouvinte se perde entre as próprias nostalgias que se misturam às narradas pelo eu-lírico. Com uma beleza melódica que emociona e uma sensibilidade nas palavras, o que Meira traz na faixa é, de fato, a saudade. Não por menos que, dialogando sobre a morte de uma maneira respeitosa, o cantor evidencia a sua forma de entrar em contato com o ente querido ao mesmo tempo em que confessa ter, na noite, o momento favorito do dia. Afinal, é só fechar os olhos em meio ao escuro noturno que a silhueta, a voz e o tato daquele que se foi, podem ser experienciados com a máxima clareza.


A bateria surge com uma levada mansa cujos golpes na haste da caixa ecoam pelo ambiente causando a impressão de o ouvinte estar imerso no subconsciente do eu-lírico. O torpor, a melancolia e toques de um soturno intenso perambulam unidos como personagens mitológicos dançando com sorrisos sínicos. Esses ingredientes dão um ar sombrio à canção, que vai se desenvolvendo sob uma estética rítmica minimalista que é abraçada por uma dramaticidade latente trazida pela união dos instrumentos. Curioso notar que a canção tem um movimento redentor que dá esperança e luz em meio ao caos e o medo. Não por acaso, de todo Parte Do Que Vem, Antes Que Eu Me Entregue se apresenta como a faixa de lirismo mais denso e mórbido. Afinal, ela apresenta um personagem que se vê dialogando e lutando contra a dicotomia de sentimentos presentes em seu interior ao mesmo tempo em que, vendendo uma imagem forte, está aconchegado na zona de conforto do sofrimento e consciente da sua escolha pela desistência da vida.  O que mais faz o ouvinte sofrer em união ao personagem é a evidência de que o próprio eu-lírico pede ajuda. Por essa razão, a estrofe que mais representa o que é Antes Que Eu Me Entregue é: “no desespero é a vontade que dá. Só resisti porque ouvi sua voz me falar pra confiar ciente da luz que eu carrego. Renascer maior”.


Para tirar o ouvinte da zona dramática, depressiva e sombria que exalou de Antes Que Eu Me Entregue, o Bratislava traz As Pessoas Querem Uma Música Empolgante. Na forma de um interlúdio falado, a faixa traz um breve monólogo sobre a necessidade das pessoas poderem ouvir músicas excitantes e com energias reavivantes.


Como o Sol surgindo no horizonte com um raiar de esperança. Seus tons alaranjados e avermelhados entregam uma paleta de cores que mistura conforto e energia enquanto o vaivém da maré carrega tudo o que houve de ruim no ontem e devolve apenas coisas boas para viver um hoje repleto de sorrisos. A melodia inicial surpreende o ouvinte por trazer uma alegria nascente e um estimulo positivista que contagia até aqueles mais desavisados. Regida por um groove bem marcado e sensual do baixo, a canção traz um ritmo que, indiscutivelmente, é a sonorização da felicidade. Como se fosse um único sorriso, os instrumentos formam bailes que misturam doçura e excitação por meio do entra e sai do soft rock e do funk rock. Pode Chegar é uma música que rememora a vida, comemora o retorno do contato físico, dos abraços, dos sorrisos. Desperta a nostalgia ao reviver encontros, refazer os beijos, rever os olhares. Pode Chegar é a celebração mais pura do reencontro.


Com a mesma pegada da canção anterior, a melodia surge com frescor e swing imersos em uma alegria reconfortante. A partir de um compasso contagiante que evidencia também o surf rock e flerta com o ska, Faz Sentido é uma canção que, com suavidade e sutileza, fala do amor imprevisível. Nesse ínterim e guiado pela maciez da melodia, a música estimula um viver alheio aos julgamentos de terceiros e defende o relacionamento guiado por singularidades próprias. 


Psicodelia e soft rock. É com essa fusão estilística que vem o alvorecer de novas experiências sonorizadas em uma canção. Com a adesão de uma maciez embriagante, a melodia traz consigo um leve swing que dá um movimento mais flexível ao cenário rítmico. Mostrando ser uma das marcas da sonoridade do Bratislava, a melancolia se mostra presente, mas dividindo espaço com o drama e com pitadas de esperança. Assim como Pode Chegar, Velhos Rituais é uma canção que, claramente, se apoia no contexto da pandemia e no que tange o retorno a um novo conceito de normalidade. Como o próprio Meira diz nos seguintes versos: “será um milagre ver o nascimento desse novo mundo”.


A melodia quer amanhece traz uma maciez que se classifica pela levada sertaneja ao estilo Bruno & Marrone. Contudo, mais que veludo, ela traz um swing típico da bachata que imprime um ar latino indiscutível ao contexto rítmico. Em união à base lírica de muitos músicos da nova onda sertaneja, o que o Bratislava traz em Refúgio é a sofrência, mas um sofrimento sob a ótica de alguém que tenta se desvencilhar de um relacionamento unilateral e sanguessuga. É a história de alguém que chora a saudade daquele que um dia o feriu. 


Existe um suspense incômodo no alvorecer de uma nova sonoridade. Uma tensão que chega a arrepiar por causar sensações de insegurança no ouvinte. No compasso 4x4 e seguindo uma maciez padrão, Escorpião explode em um refrão enérgico com base pop rock e estrutura lírica quase chiclete, mas intensamente contagiante. Entre valsas psicodélicas e versos rimados, a faixa dialoga sobre o autoconhecimento e o alívio que dá extravasar a própria essência. 


Não há discussões ou duplas interpretações. Parte Do Que Vem é um disco que se perde em melancolias nostálgicas, torpores e nostalgias das mais variadas memórias. É um disco que chora, que sangra, que choca, que sofre. Mas também é um disco que sorri, que dança, que ri, que vibra, que vive. 


Nesse meio tempo, o ouvinte se vê em diferentes ambientes e sentindo diferentes emoções. Entre canções sobre relacionamento, autoconhecimento e metáforas sobre a vida e até mesmo o flerte pela morte, o álbum apresenta um diálogo sobre a construção de um novo tempo e o impacto da transição do ontem para o dia de hoje.


A pandemia transformou a ótica social, emocional e empática da comunidade global e muito disso é apresentado no álbum. A sede pela vida divide espaço com a depressão. A alegria pelo reencontro também está ao lado de uma visão romanceado a respeito do acesso às memórias daqueles que já se foram. 


Tendo como importantes e marcantes músicas Um Jeito De Te Ver, Pode Chegar e Velhos Rituais, Parte Do Que Vem, sob as mãos de Hugo Silva na mixagem, traz um compilado de gêneros musicais que dão ao álbum um aroma inovador. O indie está diretamente dialogando com a bachata, new wave, o pop rock, a psicodelia e mesmo o conceito de música progressiva. Ao mesmo tempo, o ouvinte também se depara com raspas de ska, soft rock, surf rock e o funk rock.


Junto de Ian Fonseca na produção, Silva fez com que o Bratislava trilhasse um caminho maduro, mas sem se despistar da tranquilidade e suavidade que muito moldam a sonoridade do quarteto. Somado a isso, existe uma evidente liberdade criativa que possibilita um caminhar tanto por temas densos quanto por ambiências alegres e reenergizantes.


Fechando o escopo técnico do álbum vem a arte de capa. Assinada por Polar Ltda, ela traz diversas camadas que formam várias circunferências de forma sincronizada. Como cada faixa é adornada por uma cor e, pelo plano de fundo ser preenchido por um leve bege, a obra traz o conceito de algo cíclico em que cada tom traduz as diferentes emoções que são sentidas no decorrer das vivências. É o hipnotismo da vida.


Lançado em 01 de julho de 2022 de maneira independente, Parte Do Que Vem é a mais pura representação das dicotomias emocionais de qualquer ser humano. Com leveza e maturidade, o Bratislava convida o ouvinte a refletir sobre a vida e, principalmente, sobre si mesmo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.