NOTA DO CRÍTICO
Um novo nome surge no cenário musical brasileiro. Vindo do circuito de bandas cover do interior do estado de São Paulo, o quinteto Black Jack alça, agora, novos voos em sua carreira. Um deles, além de tocar na edição 2024 do Rock in Rio, é o anúncio de seu álbum de estreia autointitulado contendo, somente, músicas autorais.
O despertar da canção é regido por uma estrutura provocante. Surpreendentemente madura em sua essência, ela já demonstra, por meio da união das guitarras de Thiago Sambora, Luís Garzón e Gigio Bertolini com a bateria de Caio Rossetti, uma sintonia marcada pela representação de uma paisagem sensual provinda do hard rock. Provocante e capaz de incitar um frescor em meio a uma atmosfera rítmico-melódica de caráter suavemente libidinoso, a canção é logo regida por uma voz de timbre aveludado e de identidade curiosamente doce. Vinda de Rafael Zanco, ela entra em cena com uma afinação latente e acompanhada do trio de backing vocals que, de timbres mais azedos, criam uma perfeita contraposição ao dulçor do tom do vocalista principal. Fluindo para um refrão explosivo, mas de autenticidade radiofônica, Two Times Trouble acaba trazendo à mesa uma espécie de revival do hard rock oitentista por ser embebido em uma sonoridade de atitude provocantemente sensual que acaba, inclusive, flertando com a roupagem glam do mesmo período. Com essa receita, a faixa traz um enredo que apresenta um casal vivendo intensamente as experiências ofertadas pela atitude rock n’ roll. Da impunidade, passando pela perversão e a imprudência, o casal de Two Times Trouble é a representação da pura e vibrante paixão que arde ao ponto de não haver perigo que desperte, nele, o medo de qualquer tipo de punição. É liberdade e a intensidade no seu mais alto grau.
No horizonte, a luz do Sol pode ser vista a partir do destaque das silhuetas das montanhas que cobrem a costa. Já no além-mar, seus reflexos na água causam não apenas uma sensação de energia, mas, também, ânimo de viver. Rompendo, então, a monotonia da noite, a estrela de fogo transforma o crepúsculo em uma paisagem ardente e estimulante capaz de tirar qualquer indivíduo da cama e se perder pelo mundo. Por meio do riff sexy e já com noções enérgicas, a guitarra funciona não apenas como o chamariz, mas como aquele elemento que faz acontecer. Que se posiciona como a alma da festa. Após punchs uníssonos entre o presente instrumento e a bateria, a pressão passa a ser evidenciada, enquanto o baixo de Johnny Marcelo é ouvido com clareza em meio à sua postura sensualmente gingada. Por conta disso, além de se mostrar como importante fator na base melódica, ele acaba se posicionando como aquele elemento que carrega a alma saliente da composição. Cheia de libido, algo presente até mesmo na forma como Zanco pronuncia o enredo lírico, Celebrate Love se matura como uma obra hard rock irresistível que é agraciada por um refrão cuja estrutura rememora, mesmo que timidamente, aquela de Cherry Pie, single do Warrant. Com essa receita, Celebrate Love traz um enredo lírico interessante em seu cunho motivacional. Afinal, aqui o Black Jack apresenta um indivíduo já sem esperanças, mas que, sob a influência da fala de um desconhecido, entende a necessidade de continuar agindo com boa fé, gentileza e honestidade como forma não apenas de ser leal a si, mas como uma maneira de romper com o ciclo de raiva e ódio instaurado na sociedade atual. E nesse sentido, o amor entra como uma perfeita metáfora de respeito, igualdade e senso de comunidade. Definitivamente, então, Celebrate Love vem com a pura função de, simplesmente, celebrar o amor em sua máxima essência de bondade e harmonia.
O céu está cinza e com sinal de uma garoa tão fina quanto véu de noiva. No horizonte, o mar se apresenta, curiosamente, de forma branda, com suas ondas e marolas indo e vindo de forma amaciada. No ponto em que os olhos quase não alcançam, é possível de se perceber uma luz natural rompendo a densa camada de nuvem por meio de um filete que vai do alto ao chão. É a esperança dando um recado. Esse contexto, ainda que imagético, é incentivado por uma introdução introspectiva e de cunho reflexivo. Inicialmente desenhado unicamente pela guitarra no cenário melódico, a qual acompanha um vocalista na mesma sintonia emocional, o amanhecer evidencia um indivíduo em um processo de superação. Um processo não apenas relacionado à superação da dor, mas que se transforma em um aprendizado de autovalorização. Eis então que The Way sofre um turning point melódico-narrativo. De poucos elementos, ele se transforma em uma atmosfera simplesmente motivacional que injeta ânimo e esperança nas partes mais delicadas do emocional do espectador. E o refrão se mostra apenas como mais um artifício no intuito de amadurecer essa paisagem, que acompanha um personagem que sai da depressão à montanha. E de seu cume, no ponto mais alto, o Sol brilha graças ao encontro de uma pessoa que o auxiliou no processo de liberdade do sofrimento e no ensinamento da valorização da vida. Uma obra que, além de ensinar a autovalorização e o autorrespeito, preza, a máxima gratidão pela vida.
A bateria ressoa rígida, dura, mas, ao mesmo tempo, precisa em seus golpes que fazem ressoar a estridência da caixa. Como elemento responsável pela introdução, ele permite que as guitarras se sintam livres para surgirem em meio a riffs ácidos com pitadas melódicas. Já capazes de incitar um instigante senso de sensualidade, elas se tornam o fator que representa a postura da composição. Imponente, confiante, mas ao mesmo tempo doce e persistente, When She Looks At Me fornece um hard rock sincopado que acompanha um personagem em uma realidade dúbia. Perplexo pelo poder que uma garota exerce sobre ele, o protagonista se questiona sobre se o que pensa é realidade ou apenas fruto de sua imaginação. O que se comprova, porém, é que ambos sentem o mesmo, independente do que os outros dizem. Eis uma canção que, definitivamente, representa a força da paixão sobre o outro.
O que se tem na introdução é uma perfeita mistura de influências. De The Beatles, passando por John Lennon e chegando ao Queen, a paisagem nascente é de uma delicadeza equilibrada em açúcar. Com grande presença de um chiado vindo junto com uma sobreposição de teclas, o que lhe confere certo grau de crueza, tal paisagem possui protagonismo do piano. Contudo, o charme do momento recai sobre o dulçor singelo, frágil e emotivo da flauta que, com notável sutileza, torna os instantes que se faz presente, tocantes. Desse ponto, a canção entra em um primeiro verso visceral em sua paisagem introspectiva e de caráter densamente dramático. Como a primeira balada do álbum, Coming Home é uma canção que expõe as vivências em um pós-término de relacionamento. O amor não acaba e a possibilidade de retorno não é inexistente. O toque sentimental, aqui, está no fato de o personagem se colocar à disposição do outro que se foi e se mostrando disposto a aguardar um possível retorno, se o momento para tal chegar. O ‘voltar para a casa’ é uma simples metáfora para assumição e superação de aparentes erros cometidos, a percepção do orgulho e a humildade de pedir perdão. Ao mesmo tempo, Coming Home, assim como em The Way, parece abordar a temática da autovalorização, do autorrespeito. Desse ponto de vista, voltar para casa significa, simplesmente, se sentir e se perceber a tal ponto que a percepção sobre quem se deve cuidar é escancarada. Não é o outro e, sim, você mesmo.
Explorando harmonias vocais como o elemento responsável por puxar a introdução, o Black Jack dá vida a mais uma estrutura rítmico-melódica glam. Libidinosa e, portanto, sensual, grudenta e transpirante, a canção coloca o quesito sexy no topo do pódio. Ardente, a canção surpreende por, no primeiro verso, o baixo ser o instrumento protagonista que, com postura cínica e provocativa, se posiciona com notável precisão na base melódica acompanhado por uma bateria desenhando um ritmo fluido. Misturando influências de Poison e Steel Panther, Woman In Black tem um cantor em perigo ao explorar seus alcances vocais durante o refrão, momento que evidencia o enredo lírico. Com toques despropositadamente inspiracionais vindos de nomes como Whitesnake, Women In Black é onde o protagonista tenta se desvencilhar de uma mulher possessiva, que suga as energias e embriaga o ouvinte meio a realidades existente através de mentiras e manipulações. Ao mesmo tempo, porém, a figura central, ainda que onipresente, parece representar os sentimentos depreciativos que agem sobre o protagonista. E quando ele percebe o mal que eles o fazem, sua liberdade está garantida para viver um dia em cores vivas.
Macia, sensual e provocante, mas um provocante não no sentido de ardência libidinosa e, sim, de contágio. De atração. Precisa a partir da união de bateria e baixo em punchs secos durante a atuação inicial das guitarras, a canção mergulha em uma segunda parte nascente em que a guitarra solo grita em uma clara referência às contrações feitas pela guitarra de Mattias Jabs em Rock You Like A Hurricane, single do Scorpions. Esteticamente atraente, I Gotta Run é fresca, swingada e tão leve como uma canção de verão em que o ouvinte consegue sentir a brisa do mar tranquilizando corpo e alma. Com essa receita, a faixa apresenta um indivíduo em busca da própria sorte, enquanto se liberta de promessas falsas e indivíduos julgadores. Uma obra que, essencialmente, insita e ensina o espectador a construir seu destino fiel a si e às suas emoções.
É apenas voz e guitarra, mas a sensualidade que se cria é gritante. Com ligeiros flertes com uma paisagem roots rock, a canção traz uma levada singela e um riff sequencial tornando a cenografia rítmico-melódica simples, mas não menos entusiasmante. Essencialmente sensual, Hey, Goodbye tem direito ainda por um solo de guitarra embebido no efeito slide, o que lhe garante um sonar interessantemente tremulante. Com essa paisagem, a faixa acompanha um indivíduo liberal e de senso egoísta embebido em atitudes frias em prol de seus objetivos. Uma pessoa que age por impulso, sem se preocupar com a forma que o outro sentirá tais atitudes.
O que a presente introdução propõe é uma paisagem embebida em uma estrutura melódica folk ao estilo Kansas. Por meio da guitarra em sua desenvoltura delicadamente aguda, a canção acaba explorando, inclusive, requintes de uma melancolia serena, mas nitidamente existente. Com leves percepções viscerais encontradas na maneira como o vocalista emprega suas palavras, a canção entra em um primeiro verso embebido em uma sensualidade mais rígida, mas que, curiosamente, faz da obra mais uma contagiante balada de Black Jack. Agraciada por um refrão cuja harmonia tocante bebe da mesma fonte que aquela desenhada pelo Oasis na finalização de All Around The World, seu respectivo single, a obra ainda evidencia influências estéticas para com Stairway To Heaven, single do Led Zeppelin. A partir daí, Unbreakable é a faixa com mais evidências das influências sofridas pelo grupo, ainda que, de fato, existam, aqui, assinaturas autorais evidentes. É assim que o grupo faz da faixa um hino sobre perseverança, superação e sobre a capacidade de acessar a força interior como principal escudo e motivação para trilhar o destino que a vida ainda tem a oferecer.
Swingada e ligeiramente trotante, a canção já apresenta, em seu início, um frescor embebido em certo quê de malandragem. Sob uma batida simples, a conjuntura melódica faz com que o ouvinte sinta um clima despreocupado e descompromissado que enaltece a leveza estrutural que preenche a atmosfera. Agraciada por um refrão de silhuetas contagiantes, Sure Know Something aparenta ser uma espécie de irmã de When She Looks At Me, afinal, na presente faixa o Black Jack também aborda a forma como o sentimento de paixão age sobre o protagonista. Trazendo consigo certo grau de safadeza de pensamento em meio a uma pureza corrompida, a faixa é como uma paixão adolescente e o despertar de todo aquele turbilhão de sensações que surge em relação ao outro.
O céu é crepuscular. Ainda que a paisagem macro ainda esteja abraçada pela noite, o horizonte já traz tons místicos formados pela mistura de cores entre o noturno e o gradativo amanhecer. Ainda que o mundo ainda esteja dormindo, o ar puro da manhã já causa um estímulo vivaz e enérgico para aproveitar o novo dia que chega. Isso é o que a guitarra, em sua postura inicial, é capaz de oferecer. Delicada e suave, ela evolui para uma linha melódica fluida e ligeiramente tocante que passa a construir um cenário ligeiramente atmosférico e etéreo. Ganhando contornos definitivamente introspectivos a partir da interpretação vocal assumida pelo cantor, a canção explora uma harmonia minimalista, mas capaz de ser tocante em meio à melodia de seus poucos elementos. Com evidente dulçor emaranhado em sua simplicidade honesta e humana, a canção, assim que o vocalista começa explorar falsetes cujas execuções, assim como aconteceu em certos trechos interpretativos de Women In Black, explode em uma surpreendente quebra rítmica. Agora evidentemente swingada em uma estrutura rítmico-melódica funkeada, The Road agora se mostra com sangue quente em sua derivação folk rock. Eis que tal sonoridade torna a canção ardente, enquanto o enredo dialoga sobre perseverança. Tal como Unbreakable, a presente faixa traz um personagem focado e determinado, certo de seus desejos, além de se mostrar pronto para sacrificar coisas em prol do alcance de seus sonhos. Soando como uma obra autobiográfica que representa toda a gana particular de cada um dos integrantes do Black Jack em prol de um interesse comum, o sucesso no mundo da música, The Road traz um enredo que pode ser aplicado em todas as esferas da vida. Afinal, ela é simplesmente sobre persistência e determinação, mas sem deixar de lado as origens e a humildade.
É interessante ver um novo grupo surgir na cena da música. Mais interessante ainda é observar, em um trabalho de estreia, uma miscelânea de influências culminando em uma sonoridade original, mas fiel ao espaço tempo do gênero defendido. Com seu primeiro álbum, o Black Jack mostrou ser possível se manter leal à paisagem sensual do fim dos anos 70 e à década de 80, mesmo inserindo notas de atualidade.
Possível de notar influências e até mesmo similaridades sonoras que trazem consigo assinaturas que vão do Kiss, passando por Warrant, Queen, Led Zeppelin, ZZ Top, Mr. Big, Poison, Steel Panther e Whitesnake, Black Jack é o puro hard rock. Sensual, grudento, pegajoso, ardente e libidinoso como a primeira paixão adolescente.
E o mais interessante, nesse aspecto, é perceber a forma como o grupo fundiu diferentes enredos líricos em meio a uma estrutura rítmico-melódica que é puro entretenimento. Entre enredos motivacionais, os quais preenchem grande parte do material, o Black Jack também combinou hinos radiofônicos e baladas melodiosas. Soube unir melancolia e excitação. Incentivar e divertir. Um perfeito equilíbrio entre consciência e representatividade com descompromisso e despreocupação.
Capturadas pelo produtor Marcelo Souza, essas características dão ao álbum uma essência pura e honesta, tal como tem que ser em um disco de estreia. Nesse ínterim, a sonoridade também é importante, pois mostra a escola musical da banda e de seus músicos.
Eis que surge a aptidão de Lukas Rodrigues e Vagner Alba. Os profissionais conseguiram sintetizar cada um dos gêneros de influência do quinteto na consagração de um som único e original. Fundindo hard rock, glam metal com traços de folk e rock progressivo, a dupla de mixagem fez com que cada instrumento fosse ouvido nitidamente em suas respectivas individualidades, mas também em conjunto.
Nesse ponto, porém, alguns pontos foram evidenciados. Um primeiro é a rigidez do baterista em certas frases rítmicas que pedem mais flexibilidade. Outro detalhe é a exploração que o vocalista, em meo ao seu inglês afiado, faz de seu alcance vocal sem saber seus limites, que, por duas vezes, quase atingiram a desafinação. Contudo, tais detalhes não prejudicam, em demasia, a audição do material.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por João Paulo Hruschka, ela consiste única e exclusivamente do nome da banda sobreposta sob um fundo preto. De fato, não há brilhantismo em tal trabalho, mas a simplicidade e seus poucos elementos já dão, ao ouvinte, a noção de se tratar de um álbum de rock, o que é, realmente, o necessário.
Lançado em 09 de agosto de 2024 de maneira independente, Black Jack é um álbum de pura sensualidade. Swingado, o álbum é marcante por fundir entretenimento e consciência emocional, o tornando ideal tanto para se divertir quanto para refletir.