NOTA DO CRÍTICO
Ele é um nome relativamente jovem no cenário musical brasileiro. Oficialmente nesse mercado desde 2019, quando anunciou Hard Rock Crazy Club, seu EP de estreia, o Amazing entrou em uma dupla divulgação de singles até a chegada deste ano. Foi ainda no primeiro trimestre que ela deu um passo a mais em sua carreira e, enfim, lançou Highway To Paradise, seu primeiro álbum.
A estrada está vazia. O céu está repleto de um tom crepuscular prestes a receber os primeiros raiares da luz do Sol, que surge além das colinas. A adrenalina está circulando livremente nas veias. Os olhos estão fixos no horizonte. E o senso de liberdade transborda pelos poros do indivíduo que, sob o comando do volante, está prestes a dar a arrancada rumo ao desconhecido. Esse cenário imagético é oferecido graças à união da guitarra base trotante e da guitarra solo em sua pose trovejante de Sir Arthur e Fellipe Nava. Como elementos uníssonos, a bateria de Gus D invade a cena ao mesmo tempo em que Rod ‘N Rock faz o baixo rasgar o excesso de agudez com seu groove encorpado e grave. Sob essa estrutura, a canção se matura de forma solar, enquanto proporciona uma mistura equilibrada de hard rock e glam metal. Migrando para uma segunda parte introdutória de extremo libido e repleto de gozo, a canção evidencia com maestria seus versos instrumentais harmônicos graças aos gritos adocicados do teclado de Jorge Bittar quebrando o protagonismo da dupla de guitarras. Assim que acessa o primeiro verso, Hard Rock Life recebe a voz grave e de toques azedos de Nycholas (Nyck) Pontes com seu canto operístico ocupando as camadas líricas. Com ele, o refrão recebe versos de efeito que repetem com ênfase o nome da canção, enquanto o enredo verbal traz um incentivo enérgico e desmedido pela intensidade, pelo máximo aproveitamento do momento presente. Pela ânsia da liberdade. Ao mesmo tempo, tal como o próprio nome sugere, Hard Rock Life é uma veneração ao hard rock como uma metáfora não apenas de gratidão, mas de veneração à vida.
O baixo não é só libido, só provocação. Ele é escorregadio. É sínico. É saliente. É como uma silhueta que rebola sem controle. No entanto, a bateria entra e deixa a estrutura da base rítmico-melódica truncada, com ares de um desespero descontrolado para encontrar o tempo certo da cadência estruturada. Fluindo para uma segunda parte introdutória em que a guitarra solo grita em pose de intenso prazer, a canção acaba fazendo com que o primeiro verso mantenha essa essência, de fato, sonoramente sexual. De estrutura simples, mas ainda mantendo o mesmo nível de contágio, a faixa-título evidencia algo curioso, a fragilidade da extensão vocal de Pontes. Porém, ele demonstra ter conhecimento de seus limites, pois trabalha seu tom até o ponto máximo de sua consistência. Com direito a elementos de sopro, como saxofone, trombone e trompete trazidos pelo teclado, a faixa-título ganha ainda mais vivacidade, conforme vai apresentando um lirismo que evidencia não só uma espécie de carência de afeto do protagonista, mas também, e principalmente, uma metáfora simultaneamente transparente do encontro dos corpos. De uma perdição sexual em uma noite cheia de excessos.
Em Heart Beat acontece uma coisa curiosa. A estrutura que se faz de abre-alas é uma união de cordas que evidencia a presença de um quarto integrante nesse campo. Will Negrão coopera com a criação de um ambiente melódico, mas ao mesmo tempo melancólico, através da inserção de frases de violão. Promovendo, simultaneamente, noções de frescor e curiosas ambiências sertanejas, a estruturação melódica feita por Negrão, Nava e Arthur sugere a chegada da primeira balada de Highway To Paradise. Não comprovando piamente, mas trazendo uma cadência melódica mais lenta em relação àquelas das canções anteriores, Heart Beat transpira uma atmosfera mais melódica e virtude de seu enredo lírico. Ligeiramente cômico, a canção apresenta um personagem que não lida bem com a solidão, enquanto sonha com as memórias de noites vividas com aquela pessoa por quem nutre uma ardente paixão. Buscando reviver tais intensidades, o protagonista desliga os conceitos morais e segue rumo ao casamento da sua amada para resgatá-la e levá-la para sanar suas necessidades biológicas. Uma faixa libidinosa, comicamente nonsense e que, ao mesmo tempo, segue o conceito do incentivo ao viver a vida com a máxima intensidade possível.
Não é um sinal de gozo vindo de um prazer denotativamente sexual. É uma simples demonstração de êxtase blues-hard rock que a guitarra solo profere em seus gritos durante a introdução, enquanto o teclado vai preenchendo a base melódica com sua agudez grandiosa e harmônica e a bateria, calmamente, vai desenhando frases amaciadamente sensuais. Fluindo para um primeiro verso acústico regido pela métrica voz e violão, mas com direito a sobrevoos aveludados da guitarra solo, a canção passa a assumir uma silhueta curiosamente romanceada, algo que, também, é incentivado pela forma como Pontes interpreta os primeiros versos verbais. Curiosamente enveredando para uma seara mais delicada em seu hard rock melódico, Crying Baby pode ser encarada como uma segunda balada de Highway To Paradise. E com essa delimitação, a obra vem com o primeiro enredo verdadeiramente romântico e não libidinoso do álbum. Afinal, aqui o protagonista assume seu amor por uma garota de temperamento que esnoba seus sentimentos por ela, mas que corre aos seus braços quando se sente rejeitada. Eis um amor maturado nas lacunas emocionais de dois indivíduos de essências carentes e que, nelas, se complementam.
Seu início transcende os limites da harmonia. Logo em seus primeiros instantes sonoros, uma onda de sincronia se forma através dos vocais agudos e afinados das Backing Nativas, asa quais, junto de Pontes, encaminham a canção para o seu primeiro ponto alto e onde sofre um primeiro turning point estrutural. Saindo de uma ambiência puramente vocal, a obra agora se transforma em um hard rock com pitadas de progressivo na mesma medida que o Mr. Big aplicou em suas respectivas canções. Sexy, fresca e swingada, Forbidden Fruit é uma obra com trechos instrumentais marcantes e chicletes capazes de oferecerem uma paisagem acalorada e solar. Com essa estrutura, Forbidden Fruit é onde o Amazing oferece o lirismo mais libidinoso e transparente de todo o álbum, apesar de, aparentemente, tentar mascará-lo com impressões amorosas e romanceadas. É o puro ato. O calor. O suor. O tesão. O descontrole.
Existe uma acidez que comunica uma espécie de ambiência diferenciada. Mais sintética e, portanto, curiosamente transpirando requintes de sci-fi, a canção, conforme vai abrindo seus olhos, faz com que, através de sua melodia crescente, o Sol também comece a se denunciar por detrás das colinas áridas. Fluindo para um primeiro verso de estrutura rítmico-melódica padrão em sua cadência em 4x4, a canção chega a trazer uma guitarra solo em cujos gritos representam seu êxtase de prazer. Interessantemente, o enredo lírico de Sex Machine acaba tendo grande adesão com esse específico ato instrumental, pois a faixa apresenta um indivíduo de extrema virilidade com uma sede insaciável por sexo, a qual chega a beirar uma espécie de compulsão, de vício sexual.
Trazendo um trabalho conjunto das três guitarras, o qual surte em uma introdução de cunho rítmico-melódico trotante, a canção não demora em evidenciar um surpreendente caráter cômico e escrachado. Com interessantes requintes de raiva e rechaço apresentados por uma interpretação vocal áspera, tal como se estivesse em clara postura de deboche, a canção apresenta Sir Arthur como cantor principal. Com Arthur afrente do microfone, o humor reinou em Highway To Paradise. Afinal, ele entregou, em Sober Up… When You Die, toda a energia do esnobe, do ridículo e do já citado deboche em meio a um enredo que apresenta todas as situações e pessoas que pedem por uma postura sóbria do protagonista. Um bom, marcante, cômico e inesperado single lado b.
Seu início tem uma feição cínica. É como se um predador estivesse à espreita aguardando o momento ideal para dar o bote em sua presa. De igual maneira, a guitarra se movimenta pelas sombras. Com uma evidente sensualidade adormecida, ela ataca com a mesma facilidade com que observa. Acompanhada de uma bateria de frases sujas e de um baixo consistente em seu groove estridente, é ela quem dá o toque solar à composição, a qual ainda se encontra em processo de ebulição. Fluindo para um primeiro verso ardente em sua essência swingada, Take It Or Leave It é uma obra de instrumental, equalização e harmonia bem equilibrados em cuja estrutura harmônico-rítmico-melódica remete àquela de Maior Abandonado, single do Barão Vermelho. O interessante na faixa é que, apesar de trazer a mesma temática sexualizada e escrachada, ela vem sob uma forma narrativa diferenciada que prende a atenção do ouvinte, enquanto ele se perde na figura de Janie, alguém que, simplesmente, nega o amor.
Denotativamente melódica e tão aveludada quanto a textura do lençol sobre a pele em uma manhã primaveril, a melodia introdutória surge sob uma estrutura acústica penetrante em sua simplicidade e gentileza. Aromática em seu perfume delicadamente floral e adocicado, a canção é baseada apenas na união entre voz e violão. No entanto, apesar de ter uma essência minimalista, a obra é capaz de transpirar cheiros bucólicos através da maneira com que o instrumento insere um viés melódico sugestivamente sertanejo. Nesse ínterim, a nova participação das Backing Nativas dá à canção uma fragilidade serena estonteante que é recheada com pitadas de agonia inseridas pela visceralidade vocal com que Pontes dá vida ao lirismo durante a ponte. O curioso em Wings é notar como o Amazing conseguiu fazer de uma balada sensitivo-emocional uma espécie de véu para seu verdadeiro intuito. Com uma superfície lírica que apresenta o primeiro tema consciente do álbum ao incentivar a liberdade, instigar o senso de esperança e promover embrionários incentivos de autoconfiança, Wings, na verdade, divulga a mensagem de que o amor deve ser um ato físico feito até o fim dos tempos.
Uma das principais funções de uma música é oferecer entretenimento ao seu público, ainda que incite reflexão ou sentimentos mais intimistas. Independente do gênero que ela represente, é de suma importância que ela esteja de acordo com ele e com aquilo que seus ouvintes esperam. O que acontece em Highway To Paradise é a máxima potência do sincronismo entre a representatividade de um estilo sonoro e o puro entretenimento.
Se definindo primariamente como um produto sensual, o álbum é desenhado sob posturas múltiplas, as quais, no decorrer de seus nove enredos, podem ser ardilosas, cínicas, escrachadas, debochadas, irônicas e libidinosas. Todas elas, no entanto, possuem um norte. O amor. O tesão. O desejo. O puro prazer capaz de transcender o conceito de futilidade. É a força da beleza do corpo regendo a atração e a ardência da paixão.
No entanto, ainda que seja, de certa forma, pobre em mensagens de profundidade, Highway To Paradise consegue ter algo para ser retirado no intuito da reflexão. Enquanto exorta a paixão e o prazer de forma a soar como uma coletânea de canções que apresenta personagens perdidos em suas próprias compulsões sexuais em virtudes de suas gritantes carências, o material consegue, de um jeito estranho e, no mínimo, curioso, mostrar a importância do amor como sinônimo de bem-estar.
Mesmo que o ouvinte consiga detectar essa mensagem, é difícil que ela se fixe e se torne aquilo pelo qual ela vai associar quando ouvir os nomes 'Highway To Paradise' ou 'Amazing'. Afinal, o que fica marcado é, inquestionavelmente, o excesso de libido e o deboche. Não à toa que, meio às sonoridades criadas, o espectador pode facilmente perceber a influência de nomes como Toto, Poison, Mötley Crüe e Steel Panther, para citar alguns, na forma como o enredo rítmico-lírico-melódico do álbum foi construído.
Para chegar a tal feito, o Amazing recrutou Negrão também para o trabalho de mixagem. Com ele no comando, o Highway To Paradise conseguiu transitar livremente entre o hard rock, o glam metal e o comedy rock. Outro grande mérito do profissional foi fazer com que todos os instrumentos se mostrem audíveis e perceptíveis em suas respectivas contribuições, sejam elas individuais ou em conjunto.
Tal feito, acabou evidenciando flertes no stoner rock por certas atuações do baixo, como também a fragilidade na extensão vocal de Pontes. Apesar disso, no entanto, a mixagem deixou nítidos os momentos em que o vocal soou consistente em seu tom operístico semelhante àqueles de Bruce Dickinson e Michael Starr.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Rod ‘N Rock, ela traz uma paisagem árida, desértica cortada por uma estrada vazia. No primeiro plano, porém, está uma mulher vestida com roupa justa na qual é estampada o logo do grupo. No entanto, o que chama a atenção é a presença de uma calda de diabo e um par de chifres. Tais apetrechos, junto ao olhar e o sorriso cínicos da personagem, evidenciam o caráter provocante do álbum. A única coisa que não casa bem é a presença de traços brutos no rosto da personagem, o que afasta bem o senso de sensualidade.
Lançado em 19 de abril de 2024 via Jumento Alado Records, Highway To Paradise é um prato cheio para quem gosta de glam metal e hard rock. Grudento pelo excesso de libido, o álbum é um produto sensualmente inquietante e sexualmente compulsivo. Cheio de humor e bons riffs de guitarra, ele hipnotiza o ouvinte em meio aos seus enredos ardentes, transparentes e transcendentalmente imersos no mais puro prazer.