A Banda dos Corações Partidos - Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (3 Votos)

O amor é um tema frequentemente destrinchado por vários artistas. Monsta X e Trajo são exemplos de bandas que, recentemente, analisaram e dissecaram tal sentimento em seus novos produtos musicais. Seguindo essa mesma trilha está A Banda dos Corações Partidos, que em Canções de Ódio, Ressentimento E Abandono mergulha nessa emoção na tentativa de extrair suas próprias percepções a respeito da mesma.


É como a luz do Sol trazendo alegria. É como o despertar em um dia de verão. É como o formar de um sorriso largo. Os repiques da bateria, que dão passagem para um teclado de notas entorpecidas e curiosamente adocicadas dão a impressão de um cenário carnavalesco devido à extravagante alegria que causa a sincronia entre Josimar Santos e Leo Airplane. Contudo, a base rítmica grave e linear puxa tal alegria embrionária e a transforma em um princípio de melancolia contagiante. Quase que de súbito, o silêncio. Eis que uma voz doce e suave surge compondo a melodia. É Diane Veloso trazendo suavidade e regionalismo com seu sotaque nordestino. Acompanhada de um ritmo groovado e sincopado, Diane divaga sobre doenças e malefícios que acometem o coração, bem como suas consequências para o bom funcionamento de tal órgão vital. A partir de uma mistura de blues, folk e rock, Síndrome Do Coração Partido é uma canção dramática e de fundo progressivo que fisga o ouvinte pela sua acidez melódica e pela sua ligeira intensidade.


O piano já vem imprimindo dramaticidade. Sem tempo para sua digestão completa, tal melodia inicial ganha uma boa dose de corpo com a entrada do groove gordo e áspero do baixo de Luno Torres enquanto tilintares da cúpula do prato de condução tentam abafar tal drama colocando pitadas de suavidade. Contudo, O Peso Do Mundo É O Amor sua uma dor inconcebível, constante e extremamente dolorosa a ponto de promover lapsos de loucura. Cada verso, cada som, cada ruído branco é como uma lágrima grossa escorrendo por um rosto franzido que tenta a todo o custo esconder o sofrimento, mas cuja linguagem corporal não permite. Não por acaso, O Peso Do Mundo É O Amor fala sobre o lado do fardo que o sentimento do amor representa. A separação, a convivência com as lembranças de uma rotina um dia vivida, o afeto, a compaixão. Coisas que ficam guardadas dentro do peito como, nas palavras da própria Diane, pedras preciosas e falsas. Falsas porque fazem reviver momentos não mais existentes. Falsas porque trazem emoções secundárias já sem fundamento. E essas recordações fazem o peito sangrar. Contudo, apesar de tamanha ambiência soturna, de alguma forma O Peso Do Mundo É O Amor ensina a enxergar o passado com olhos de gratidão, mesmo que tal ponto de vista seja difícil de ser alcançado.


Em tom de deboche e com toques de uma estranha seriedade humorada, Diane se desvia da possibilidade de encontrar outro alguém ao mesmo tempo em que, nas entrelinhas, se mostra grata pelo momento de solteira que está vivendo. Em meio a um ritmo embriagante e ondulante com base no xote, Supetão é de fato uma música bem humorada que trata do imprevisível, do acaso ou, ainda, do destino de se deparar com uma pessoa que desperte paixão em meio aos ambientes ou ocasiões mais improváveis. Contudo, apesar de essa ser uma das partes versadas, Supetão trata necessariamente do luto do término de um relacionamento.


Guitarra e piano criam uma melodia que muito se assemelha àquela desenhada no refrão melancólico de Garota de Ipanema, single de Tom Jobim. Não por acaso, Incolor é estruturada sob a base rítmica do samba, mas apesar dessa leveza swingada, Incolor não é melancólica e nem mesmo alegre. A faixa trata de um relacionamento abusivo em que apenas uma das partes se desespera na tentativa de se enquadrar nas necessidades e vontades do outro. Trata, inclusive, do esquecimento, do rompimento e do sofrer que isso causa. É um enredo de romance dramático e quase trágico que evidencia a insegurança e o medo tanto da solidão quanto da rejeição.


Se pronunciando com voz aberta, levemente grave, Diane surge levantado uma melodia que ainda nem abriu os olhos. Contudo, quando a sonoridade passa a desfrutar de um swing embrionário, uma voz denotativamente grave e suavemente anasalada aparece dividindo espaço com o instrumental. É Quésia Sonza entregando um realçador de sabor perante uma melodia ampla que mistura soul e ska de maneira a promover, no refrão, uma sonoridade que cria uma semelhança notável com o ápice de Rehab, single de Amy Winehouse. Agraciada com som de metais como trombone e trompete a partir do sample, Quebrei A Cara fala do encontrar um alguém de imagética perfeição que, cedo ou tarde, decepciona e desaponta por meio de certas atitudes. É o momento que vem a frustração, mas também a saudade de uma realidade não vivida.


Como um jazz melancólico e sofrido, bateria e piano se unem na criação de uma melodia entristecida que, curiosamente, é acalentada pelo som aveludado do fender rhodes tal como um abraço de mãe para reconfortar e dispersar a dor. Evoluindo para o synth-pop, Passou trata do relacionamento com o passado, um passado que guarda mágoas, rancores e uma incógnita dolorida do que teria sido se tal relação continuasse. De certa maneira, Passou, assim como em Supetão, fala do termino de uma relação amorosa.


É como uma valsa em que a brisa faz a seda bailar no compasso do vento. É como o aroma das flores se espalhando pelo ambiente. Contudo, é curioso notar que, em meio ao dulçor e ao perfume, existe um ar lamentoso e dramático que se enraíza perante a melodia de sonoridade minimalista. Como a icônica frase dita pela rainha portuguesa Carlota Joaquina enquanto tira seus calçados e os atira na orla carioca: “dessa terra eu não levo nem o pó”, Na Ponta Do Pé mostra certa frieza na decisão pelo fim do relacionamento de maneira a fazer uma das partes ir embora sem a possibilidade de deixar qualquer tipo de rastro. Tal atitude é assertiva na tentativa de impedir sofrimentos futuros, mas delega a vontade de não haver nenhum tipo de lembrança sobre um período anteriormente vivido. É como se estivesse arrancando mal pela raiz.


A janela do apartamento está aberta. O vento entra no ambiente com uma brisa fresca enquanto o horizonte repleto de arranha-céus é iluminado por tímidas faixas da luz de um Sol poente. Apoiada sobre o parapeito, a personagem se encontra com o olhar longe da realidade, mirando o nada e enxergando tudo. Nem se percebe quantas horas se passam, mas a pose segue a mesma e os pensamentos vão e vem em fração de segundos. Esse cenário de intensa mistura de melancolia e uma estranha nostalgia é acariciado por uma melodia de início macio que é rompida por uma narrativa em tom de desprezo e frieza. Regada por um groove presente e uma acidez vinda tanto do teclado quanto do baixo que insere pitadas de stoner rock, a sonoridade vai acompanhando o devaneio narrativo de um amor superficial e não recíproco. Tendo a bateria como importante fator para a criação da dramaticidade rítmica, Que Amor É Esse?, apesar de seu tom inebriado e incrédulo, possui uma estrutura comercial sem apelação, o que faz da faixa um importante single de Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono. Nesse ponto, existe um detalhe que cria um ambiente secundário de caos e questionamentos lançados ao vento sem retorno de resposta. É Stella imprimindo seu timbre levemente gutural e de sotaque nordestino ao pronunciar palavras carregadas de uma tristeza já cicatrizada, mas cujas cicatrizes ainda deixam escapar ressentimentos.


É como estar em um show e a levada da bateria convida a plateia a segui-la em um uníssono de palmas compassadas e sequenciais. Como o Sol nascente trazendo cor ao crepúsculo majoritariamente escuro pelo resquício da noite, a guitarra de Alexandre Gomes vem trazendo, com seu riff linear, um princípio de cores quentes dando vida à melodia nascente. Apesar dessa ambiência de alegria embrionária, o lirismo inicial traz sentimentos descontentes escondidos e represados na garganta, local onde todas as palavras de desabafo estão escritas, mas sem oportunidades de serem externadas. É então que uma voz grave e precisa invade a cena para auxiliar Diane em seu processo de extravaso. De posse de Pérola Lavinny, aberta e oxigenada essa voz vai apresentando olhares de esperança para que tais sentimentos de fato sejam expostos para que o interior sentimental seja repaginado e reestruturado para receber novas experiências. Dramática, Barreada é definitivamente uma canção sobre deixar sair o que causa sofrimento. 


O baixo é groovado e alegre. A guitarra acompanha tal alegria com linhas melódicas que vão desenhando sons de um swing contagiante. Com uma levada de base no axé e com misturas latentes de xote indicadas principalmente pelo tilintar compassado do triângulo e pelo afofar da sanfona, Gritou traz uma narrativa de arrependimento perante atitudes feitas por um personagem que não valorizou sua cara metade. Com auxílio do vocal aberto, sutilmente grave e empostado de Táia, Diane vai proporcionando a descrição de um homem se posicionando como cão de sarjeta que volta para casa com o rabo entre as pernas prometendo mudar. Esse é o claro exemplo da desvalorização seguida de orgulho ferido e incapacidade de se ver sozinho enquanto aquela pessoa a quem foi dito mentiras está fortalecida em sua decisão de independência.


Um respirar profundo. O tomar de fôlego. É como a tomada de coragem para dizer, frente a frente, tudo o que existe de descontente no relacionamento ou, simplesmente, a tomada de coragem de seguir em frente. Um mero suspiro pode ser indicação de vários cenários, mas em Intuição, ele pressupõe algo diferente. Já é dia lá fora e um sopro alegre faz a alma caminhar, aturdida, rumo a um local tido como o ponto de encontro de duas pessoas. De início minimalista e de sonoridade que favorece a ambiência interdimensional de um sonho, Intuição tem uma quebra rítmica que escorrega para um cenário latino afiado onde o merengue se une ao samba em uma melodia groovada cheia de pressão em que o teclado tem grande participação na sonoridade superficial do escopo rítmico agraciado pela percussão de Betinho Caixa D’Água. Outra importante faixa de Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono.


Com loops presentes nas notas declaradas do teclado, a canção já recebe um início linear e contagiante cuja base embriagante serve de roupagem para um lirismo sobre paciência e depositar certa fé no destino. Além de ser como a frase dita pelo médium Chico Xavier: “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”, Novas Rotas fala também do desapego dos sentimentos negativos que consomem a energia do indivíduo e na esperança de um novo amanhã. Surpreendentemente, na última repetição da ponte da canção uma nova voz guia o conteúdo lírico sob uma roupagem ainda mais dramática. É Alex Sant’Anna trazendo um timbre grave que realça o sabor melódico de Novas Rotas com sua interpretação que soa como uma súplica, um singelo sofrer que, curiosamente, recria a cadência lírica estruturada no refrão de Você Não Me Ensinou A Te Esquecer, single de Fernando Mendes.


O amor. Um dos sentimentos mais puros e profundos existentes e vividos por toda a eternidade independente da época, idade ou sexo. Um sentimento que, à priori, é tido como alegre, resplandecente, exuberante, belo e sincero. Contudo, o amor também é um sentimento que serve como o cerne de outras várias emoções. A tristeza, o desapontamento, o ressentimento, a raiva, a decepção. E é justamente sobre essa pluralidade de sentimentos primários e secundários provindos do amor que trata Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono.


Excepcionalmente dramático, o álbum apresenta uma desenvoltura tanto rítmica quanto lírica que convida o ouvinte para uma trajetória quase hipnótica por todos os setores emocionais que o amor oferece. Afinal, no decorrer das 12 faixas A Banda dos Corações Partidos apresenta histórias sobre rancor, sobre raiva, sobre sofrimento, torpor, saudade e melancolia.


Para conseguir criar uma pluralidade de trilhas sonoras que casassem perfeitamente com as emoções reprimidas e, também, exaladas, Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono traz brasilidade e essência latina ao mesmo tempo em que flerta com terrenos da música negra estadunidense. Por isso, a melodia do álbum é composta por ritmos que vão desde o axé ao samba, passam pelo xote e o merengue, abraçam o soul e pincelam folk, synth-pop, blues, jazz, ska e stoner rock.


Como a lista rítmica é extensa, A Banda dos Corações Partidos precisou trabalhar, de início, com um engenheiro de mixagem competente que fizessem os instrumentos falarem por si só de tal forma que as palavras soassem somente como um adendo esclarecedor das emoções. É aí que entra o profissionalismo de Airplane que, mais uma vez, mostrou competência em seu trabalho na coxia da produção.


Não por menos, Airplane se juntou a Sant’Anna na produção do álbum. O trabalho da dupla foi essencial para criar um ambiente propício para fazer as lamúrias e todas as emoções já vividas pelos músicos saírem das caixas sentimentais internas. É como se o estúdio de gravação se tornasse um confessionário ou mesmo uma sessão terapêutica de desabafo para aliviar o fardo de coisas não ditas e sentimentos não expressos.


E por falar em caixa sentimental, o conceito da arte de capa beira tal metáfora. Feita por Vanessa Passos, ela traz uma pessoa cuja cabeça é um coração localizado ao centro de um cubo cujas arestas são transparentes. Tal ideia por si só já comunica que o coração é o berço das emoções mais transparentes possíveis e que, pelo fato de estar em uma espécie de caixa expositora, todos podem admirar como os sentimentos saem dele em direções opostas e em cores diversificadas.


Lançado em 06 de maio de 2022 via Badalando Play, Canções De Ódio, Ressentimento E Abandono é um álbum que disseca o amor em suas várias facetas. Dramático, latino, brasileiro e visceral, ele é um disco recheado de regionalismos que encanta pela pluralidade melódica e sinceridade com que as palavras são ditas pelo time de cantores nele participantes.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.