NOTA DO CRÍTICO
Era sábado, 25 de maio de 2018. O ponteiro do relógio marcava 21h28 quando as luzes se apagaram e a música tema do longa-metragem de terror Halloween, Ray's Goodbye, foi ouvida no playback. Os olhos arregalados das pessoas presentes se cruzavam em uma mistura de euforia e felicidade. O palco foi reacendido e pouco a pouco foi recebendo os astros da noite. Primeiro vieram Brent Fitz e Frank Sidoris. Depois foi a vez de Todd Kerns e Myles Kennedy. Por último ele, Slash.
Quando todos dominaram seus postos, os riffs de abertura de The Call Of The Wild foram ouvidos. A plateia, já enlouquecida, batia palmas no ritmo da introdução instrumental crescente da música. O momento da explosão sonora foi o mesmo instante em que o público se tornou uma única massa que pulava e gritava com os braços estendidos para o alto e as mãos cerradas com o símbolo do rock. O curioso foi notar que nem mesmo os músicos esperavam receber uma participação tão viva dos fãs de forma igualmente precoce.
Parecia como se as pessoas ali presentes estavam saindo de uma abstinência de tanta euforia, a qual foi intensamente continuada em Halo, a faixa seguinte. O som da guitarra ganhava um eco formado pelas vozes dos mais de sete mil indivíduos presentes no Espaço das Américas. Assim como na música anterior, a plateia pulou durante toda a execução do refrão. E por falar em cantoria, por estarem empregando o máximo de suas capacidades sonoras, alguns gogós já começavam a dar sinais de rouquidão.
Em Standing in The Sun já houve uma pausa na agitação corporal, mas as cabeças do público balançavam intensamente no ritmo da música. Myles Kennedy, agora sem o casaco de couro verde com o qual deu início à apresentação, lançava sorrisos sinceros e olhares de admiração para a plateia.
O próximo ponto alto do show se deu em Back From Cali, o single que deu origem à tão bem sucedida parceria entre o lendário guitarrista do Guns n' Roses e o então vocalista e guitarrista do Alter Bridge. Mesmo lançada em meados de 2010, a música estava decorada na mente dos fãs. O publicou cantou toda a letra sem nem mesmo esquecer os improvisos vocais de Kennedy em alguns trechos.
Na sequência surgiu a introdução daquela que corresponde a um dos principais singles de Living The Dream, My Antidote. Uma nova agitação foi iniciada na plateia. Pulos, gritos e mãos para todos os lados. Slash a essa altura já flexionava suas pernas em um movimento alusivo àquele típico feito por Angus Young e rolava uma rotatividade de posições entre os músicos, com Todd Kerns indo para o lado esquerdo e Frank Sidoris ao lado direito.
Dali por diante a temperatura da plateia só cresceu. A participação continuou intensa e os músicos seguiam com gás e disposição até a chegada de We're All Gonna Die, quando houve a primeira troca de vocalistas. Composta por Slash e Iggy Pop, a música foi cantada, na ocasião, pelo baixista Kerns, quem também foi responsável por iniciar um curto tributo ao saudoso Lemmy Kilmister durante a execução de Dr. Alibi.
Na volta de Myles Kennedy ao posto de vocalista principal houve a performance da primeira balada. The One You Loved Is Gone é uma música de letra tão intensa e melodia tão nostálgica que, quando foi executada, as lágrimas correram por inúmeros olhares. "É muito bom saber que tem pessoas que se sintam tocadas por uma letra profunda. Isso é lindo.", falou Kennedy no final da música ao ver que, próximo ao palco, tinha um fã profundamente emocionado.
Daí em diante houve vários momentos épicos na apresentação. Em Wicked Stone, por exemplo, Kennedy assumiu durante os solos a posição de terceiro guitarrista e Slash construiu um solo épico que teve duração próxima de três minutos. Já na dobradinha criada por Mind Your Manners e Driving Rain, dois singles poderosos do recém-lançado Living The Dream, além da plateia presenciar a longa e icônica cartola de Slash fazendo movimentos circulares, ela também foi responsável por construir uma cantoria tão intensa que teve, em alguns pontos, a formação de uma roda punk.
Para quem esperava que o grupo fosse executar vários covers do Guns n' Roses, veio a decepção. A única canção tocada foi Nightrain. Nela, Kennedy se antecipou aos atos da plateia e estimulou as palmas e os gritos de "hey, hey". Conforme a música ia crescendo, o mesmo acontecia com o coro do público.
Enquanto a plateia ainda respirava e tentava pegar cada vez mais fôlego para não amolecer, Myles e Slash se sentaram um do lado do outro na ponta do palco e deram início à introdução intimista de Starlight.
Os outros grandes momentos aconteceram em outras duas canções. World on Fire, de todo o show, talvez tenha sido a música que colecionou mais momentos memoráveis. Afinal, nela o guitarrista da cartola produziu um solo extra de mais de cinco minutos, Kennedy tocou bateria junto de Brent Fitz e ainda houve uma declaração ao público paulistano. "Vocês são realmente incríveis. Eu não esperava por tudo isso, mas o público de São Paulo superou a nossa expectativa. Vocês são fodas!", exclamou Slash.
Anastasia, a música do bis, foi o último grande momento do show paulistano da Living The Dream Brazil Tour. Afinal, nela tiveram mais solos épicos, o público continuou se mostrando presente e por vezes mais vivo do que nunca, além de Kennedy instigar uma entrega ainda maior da plateia. "Quero que gritem!", ordenou durante o refrão.
Ao final da performance, os músicos se uniram na frente do palco e, como um ato de praxe, se reverenciaram ao público paulistano. E depois de jogarem palhetas e baquetas, os guitarristas Slash e Frank Sidoris, o baixista e vocal de apoio Todd Kerns, o baterista e vocal de apoio Brent Fitz e o vocalista e guitarrista de apoio Myles Kennedy deixavam o palco do Espaço das Américas.
A mensagem deixada pelo Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators foi a de uma sonoridade ainda mais pesada e própria. A harmonia e sincronia dos músicos também estavam diferentes em relação àquelas presenciadas nas apresentações anteriores do grupo. Agora, a banda está visivelmente mais madura e independente. Prova disso foi a montagem de um repertório baseado em sua grande maioria nas músicas próprias do grupo. Entre as 21 músicas tocadas, apenas seis compreendiam momentos anteriores da concretização do Slash ft. Myles Kennedy & The Conspirators.
Outro ponto interessante que demonstra a maturidade do grupo foi a independência declarada do grupo que lançou Slash no cenário fonográfico. Afinal, do Guns n' Roses o repertório abrigou apenas a canção Nightrain. Com relação aos aspectos técnicos, o som estava equalizado e os músicos afinados. Isso também contribuiu para que o show fosse memorável.
O sangue ainda ferve por sentir o resquício do efeito da adrenalina criada por um repertório grandioso. Os olhos ainda guardam o brilho de assistir a uma performance admirável e os lábios ainda balbuciam a letra das músicas que, sem dúvida, se tornarão clássicas.
