Lucas Caram - Dia Infinito

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Foi um intervalo curto, mas já deixou saudade. Desde 2019, quando foi anunciado no mercado com Alguém Me Ouve, seu álbum de estreia, Lucas Caram ficou fora dos holofotes. Agora, porém, ele retorna com seu frescor em Dia Infinito, seu segundo e mais recente trabalho de estúdio.


Uma atmosfera mística eclode perante os olhos do ouvinte. É curioso como, apenas a partir das notas do violão de Lucas Caram, o aspecto sensorial seja aberto para algo que se reflete áspero ao mesmo tempo em que proporciona uma ambiência de ares bucólicos. Os “uuhs” uivantes que perambulam pela camada mais saliente da melodia não apenas reforçam o misticismo, mas trazem consigo uma estética sonora mântrica que hipnotiza o espectador de maneira a embriaga-lo perante as ondas violonistas que ora trazem doçura e ora oferecem certa dose de torpor. No fim, os assobios agudos e ululantes acabam servindo como um abraço reconfortante e saudoso que amorna os corações mais enrijecidos. A faixa-título é um produto que acaba encantando pela maciez e sutileza melódica. 


Seca, a bateria de Pedro Gongom vem como um metrônomo fazendo a contagem do tempo. Ao receber a união do violão de Paulo Novaes, aquele groove em que o bumbo era como batidas cardíacas espaçadas e o som da haste oferecia um veludo se fundem em uma só melodia sensitiva de leves toques melancólicos. É então que uma voz de timbre agridoce que remete àquele tom de Tiago Iorc surge abraçando todos os suspiros de arrepio perante a sutileza instrumental. Com doçura evidente, Lucas Caram entra trazendo um enredo lírico de igual simplicidade e humildade. De maciez indiscutível emaranhada, a melodia abraça uma história em que o Sol simboliza o renascimento, a oportunidade de fazer um novo começo, a esperança. É interessante notar que, durante o pré-refrão abraçado por um veludo sutilmente ácido proporcionado pelo órgão Hammond B3, existem nuances melódicas que fazem com que o ritmo do trecho se assemelhe àquele de We All Fall Down, single do Aerosmith. Explodindo em uma maciez dramática regada pelo veludo das notas do Fender Rhodes e pelo swing melancólico e discreto do piano, ambos de Bruno Piazza, a faixa acaba formando uma cadência melódica que proporciona um parentesco rítmico com aquele do refrão de Força Estranha, single de Roberto Carlos. Eis que Leve se evidencia como uma música que mistura sentimentos de amadurecimento, independência, separação maternal e o encontro de um novo elo afetivo que devolve certa noção de segurança. Tudo emaranhado em um contexto rítmico que mistura folk e blues com pitadas de soul e MPB cujo groove encorpado e por vezes estridente do baixo de Igor Pimenta dá o alicerce, a firmeza que o instrumental precisa para produzir uma sonoridade intensa enquanto que os sopros de Ga Setúbal e Marcos Ferraz dão brilho e vivacidade.


Veludo e swing em forma de uma bossa nova amaciada. Assumindo a forma de alicerce para tal melodia, o trompete de Setúbal e o piano de Pimenta formam uma base sólida e embriagante. Quebrando de maneira bruta essa atmosfera encantadoramente doce, Caram traz um lirismo analítico em que apresenta uma sociedade refém da falta de perspectiva e de esperança. Esse sentimentalismo negativo deságua em uma só realidade, a da solidão. Porém, quando o ouvinte espera já ter entendido o contexto lírico, Caram apresenta outra perspectiva para a própria solidão, que é, em suas palavras, “a nossa própria transformação (...) pro novo mundo que vai nascer e tudo vai florescer e crescer”. Nossa Cidade é ainda uma canção com grandes traços de MPB que conta com a participação do também agridoce timbre de Juca Novaes a partir da segunda estrofe.


As notas do violão surgem como o frescor da manhã. Embalado por um assobio penetrante e contagiante, o ouvinte se vê fisgado pela melodia ainda em formação que já desenha um parentesco com aquela presente em Somos Quem Podemos Ser, single do Engenheiros do Hawaii. Apesar de melancólica entristecida, a canção consegue trazer o ouvinte para si e fazê-lo acompanhar atento o discorrer lírico trazido por Caram. Dentro De Mim é uma canção que trata muito mais do que autoconhecimento. É uma música em que o eu-lírico aprende a lidar com seus próprios sentimentos e a respeitar o tempo de assimilação dos mesmos. E é exatamente isso o que o refrão exorta: a consciência de que tudo o que está no interior é real para aquele que o sente. Dando base para essa constatação está uma cadência rítmica que, pontualmente, fisga na memória do ouvinte a melodia estruturada no refrão de Decisão Final, single do LS Jack.


A união dos violões de Caram e João Camarero forma um desenho de uma sutil melancolia que abraça o ouvinte. É como se, afrente dos olhos do espectador, surgisse uma cena cinematográfica em que o personagem central, com os olhos cheios de lágrimas tensas em que poucas conseguiam escorrer pela face, mirava no horizonte a chegada de alguém importante que, ao estender os braços oferecendo um abraço, lhe causou uma emoção intensa. É verdade que existe sim uma tensão que rompe essa cena imagética de puro sentimentalismo. Afinal, ela se confunde por entre versos ritmados de uma alegria entorpecida e de um suspense saliente. É por isso que Forster é uma canção que funde tensão com doçura. Melancolia com alegria.


É como o passar do tempo, um tempo em que o fim é relativo. Não há consenso. São tantas emoções que preenchem esse tempo que se desfazer e se libertar dele são mais incômodos do que se permitir viver o que ele oferece. E o que ele promove é o amadurecimento, o autoconhecimento. A noção de que todas as pessoas sentem e que o que por elas é sentido é real. O respeito para com as emoções é enfim o norte narrativo de Dia Infinito.


Com texturas homogêneas entre si por serem repletas de uma melancolia tátil, cada uma das cinco canções, sendo elas instrumentais ou não, carregam diferentes relações com o processo do sentir. Enquanto que em Leve existem sentimentos conflitantes de amadurecimento, independência e falta de confiança, Nossa Cidade dialoga com a solidão e a esperança e Dentro de Mim dialoga com o respeito para com si próprio.


Proporcionando um trabalho com uma base mística latente, Tó Brandileone fez com que o instrumental, que transita entre o blues, a bossa nova a MPB, o folk e o soul, fosse como uma música a parte dando uma base diferenciada às canções. P. Novaes, por sua vez, sintetizou todo esse sentimentalismo e finalizou essa trilha de maneira a fazê-la soar embriagante, simbólica e intrigante.


Abraçando esses critérios está a arte de capa. Vinda da Série Possíveis Paisagens, de Carolina Semiatzh, a imagem que estampa Dia Infinito traz consigo muito do misticismo apresentado principalmente em faixas como a música-título e Forster. Além disso, o fato de não ter clareza de como é a paisagem em si e por ser preenchida por tons mais frios como preto e cinza, a capa comunica a melancolia que domina a roupagem rítmica do EP.


Lançado em 21 de janeiro de 2022 de maneira independente, Dia Infinito é um EP místico, melancólico e mântrico que dialoga com a relação das pessoas para com seus próprios sentimentos. É um EP que, enfim, ensina o respeito ao sentir ante o ignorar para com as falas e os desabafos do coração. Somos humanos, por isso sentimos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.