Lótus Áurea - Principia

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Em 2016 se formava, no Brasil, uma banda expoente do rock progressivo. Pelo gênero, muitas pessoas podem se basear pelo senso comum, e pela frequência de onde esse subgênero é mais popular, que a banda é da região sudeste ou sul, mas é aí que está a surpresa: Esse conjunto, chamado Lótus Áurea, vem do norte do país, mais especificamente de Belém (PA). Desde aquele ano, dois singles foram lançados. Mas foi em 2018, mais precisamente no mês de março, que o quinteto lançou, de forma independente, Principia, seu EP de estreia.

Com um background de chuva trovejante, o EP tem seu start com o som de Cosmos. O string é percebido logo na sequência, quando o vocal agudo de Daniel Avelar surge entoando vogais que acompanham as tímidas notas do baixo, criando uma atmosfera exotérica. A guitarra de Endi Moraes se torna presente na música somente após certo período. As notas rápidas e agudas dão uma quebra na calmaria, mas logo se dissipa. É aí, porém, que o guitarrista parece perder um pouco o controle de suas habilidades. O que é ouvido é uma troca de acordes brusca em que se percebe a movimentação de seus dedos que, em seguida, toca outros tons e um riff rápido de sons mudos. Apesar de o som do instrumento ser o destaque de todo o restante da composição, é o background que salva Cosmos.

Essa percepção negativa logo se dissipa com a chegada de Uranus, que apresenta um groove mais agitado e protagonismo do baixo. Aos 40 segundos, porém, uma surpresa: uma voz feminina assume o microfone. Marcela Corrêa, a cantora do grupo, entoa questões dualísticas do real e o irreal que são respondidas pela voz de Avelar, ouvida como um eco, uma conversa com o subconsciente. O blues toma conta do primeiro instrumental, o qual traz Moraes se redimindo com acordes melhor executados e sons mais nítidos e limpos. Por volta dos quatro minutos de execução, o Lótus Áurea apresenta um som que remete aos primórdios do Black Sabbath. Um ponto positivo de Uranus é que a faixa consegue mostrar, em um instrumental claramente metalizado, a harmonia e habilidade de cada músico em suas particularidades.

Jornada Quad, uma música à la Pink Floyd, traz uma introdução em que Marcela apresenta seus melismas e dá mais amostras de seu potencial vocal. Além de ser mais psicodélica do que progressiva, a faixa tem suas peculiaridades: o solo de guitarra tem duração superior a um minuto, existe uma quebra na contagem de tempo e referências rítmicas também à uma banda nacional de grande representatividade, Legião Urbana.

Puxada pelo baixo, Ágape é uma música de groove simples, mas envolvente. O piano de Matheus Gabriel, ao mesmo tempo em que dá um ar de cara nova à sua base instrumental, composta majoritariamente por baixo e bateria, de certa forma também deixa o refrão com ar de poluído. É interessante notar que a faixa ainda tem trechos de experimentação por outro gênero musical, o ska. Esses versos parecem abrir novas possibilidades da criação de um som mais distinto e fazem com que Ágape seja uma boa sugestão para se abrir um show. Isso se deve pelo fato da faixa ter, ao mesmo tempo, trechos que permitem interação, instrumentais de qualidade e um vocal afinado.

Com uma frase de reflexão, Utopia chega com uma introdução que remete a Índios, música do grupo Legião Urbana, vista a tamanha semelhança. O dueto entre Marcela Corrêa e Daniel Avelar presente na canção é interessante, mas com ligeiros momentos de descompasso. O solo de guitarra e a base rítmica que o acompanha não deixam dúvidas que a principal banda-inspiração da Lótus Áurea é a Pink Floyd, pois se ouvido atentamente, o trecho faz referência à Time, faixa do grupo inglês. Utopia ainda mostra a precisão e a suavidade do baterista Rafael Fontes, pois apesar de golpear sequencialmente o bumbo, as colocações do instrumento são certeiras e não soam truncadas.

Circus, a faixa seguinte, é um instrumental psicodélico com grande participação da guitarra elétrica que leva o ouvinte para Laguna, a última música de Principia e a com maior número de trechos semelhantes aos de músicas gringas. A começar pelo trecho inicial do som, ele apresenta um swing que não deixa passar em branco a semelhança rítmica para com Roadhouse Blues, do The Doors. Já seu segundo verso parece ter parentesco com Fool For Your Loving, do Whitesnake. Ao analisar Laguna, percebe-se que ela traz uma mescla rítmica com experimentação ao hard rock exercido nos anos 1980 por grupos ingleses e estadunidenses. O progressivo, porém, continua sendo o gênero dominante. Gênero esse que, assim como em Uranus, possui uma letra reflexiva que aborda a vida e a solidão.

Ouvindo Principia, percebe-se que a Lótus Áurea é uma banda com grande potencial. Boas composições, músicos habilidosos e uma boa harmonia. No entanto, por vezes parece que o quinteto ainda não se decidiu pelo gênero ao qual se filiar, musicalmente falando. Afinal, o EP flerta com mais de um tipo de estilo musical. Outro ponto a ser analisado é a própria gravação, a qual parece ter sido feita às pressas, pois há, sim, alguns pontos que poderiam ser regravados para ficar sonoramente mais bonito e interessante.

Como um todo, assim como já foi argumentado, o EP mostra que a Lótus Áurea tem muito a entregar e mostrar, visto seu potencial como grupo. Mesmo assim, sendo ou não um trabalho de estreia, Principia soa mais como um trabalho de experimentação, de busca pelo ideal sonoro, e não como um produto que visa alavancar o quinteto para além das fronteiras paraenses.


Crítica postada originalmente no Allmanaque

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.