Crappy Jazz - Véspera

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Rock, um gênero amplo e de longo alcance. Pela sua idade, com início de atividade datado dos anos de 1920, vários outros estilos foram surgindo a partir de sua base. Progressivo, psicodélico, punk, speed, thrash, hard, grunge e pop são alguns exemplos claros disso. Com tudo isso de filho, se é que se pode chamar assim os tipos de sons surgidos em sequência, não era difícil de imaginar que também haveriam de existir os netos.

Pois bem, os netos do Rock, conforme foram surgindo, também foram acompanhando o layout sonoro. No início de tudo, as bandas costumavam ter aproximadamente cinco integrantes, como era no progressivo. No punk, por outro lado, eram precisos apenas três para criar a sonoridade ideal. E foi do punk que surgiu, em meados de 1970, um dos netos mais barulhentos do rock: o Noise Rock.

De fato, seu nome não deixa escapatória desse senso comum, afinal, "noise" na tradução literal do inglês ao português, quer dizer barulho. Esse estilo musical atraiu a curiosidade, tomando forma a partir de bandas como The ExSwansSonic YouthFugazi, entre outros.

No Brasil, adotando uma forma bem minimalista, surgiu em 2015 a Crappy Jazz, que, de forma independente lançou, no dia 26 de julho, Véspera, seu disco de estreia.

Com agressividade e peso, o disco tem seu início com Turbulência, uma faixa que conta com a presença forte do som áspero do baixo de Silva Leonel. Surpreendentemente, surge uma voz suave ao fundo entoando notas em português, o que facilita e muito a compreensão de uma possível mensagem em meio a um ambiente sonoro hostil. Yuri Muller, ao lado de Leonel, forma um dueto que emite, na letra, um grito de socorro que pode ser traduzido para vários aspectos brasileiros: a fome, a pobreza, a política corrupta. O verso "Quem vai me tirar daqui?" traduz muito bem isso.

Começando com aquela típica contagem de tempo, feita batendo baqueta com baqueta, surge Subitamente, com um som mais melódico. Esse groove punk com um baixo que lembra levemente os riffs de Flea, do Red Hot Chilli Peppers, porém, dura pouco. Logo em seguida, o som dos pratos toma conta da cena na transição entre a introdução e o primeiro verso, que retoma a calmaria rítmica. No refrão, Muller abusa do screamo e da técnica vocal do drive, aumentando o nível de decibéis do som. Curiosamente, de uma forma positiva, tudo o que é cantado é facilmente compreendido. Isso sem falar nos "ôôôs" feitos em dueto, característica que tornam Subitamente um single mercadológico.

Ruínas vem trazendo uma novidade: A cúpula do prato de condução é quem puxa seu início, criando um ambiente mais jazz e aludindo ao nome da dupla de Londrina (SC). Quando o baixo de Silva Leonel entra, porém, essa atmosfera se transforma em algo ainda mais dançante, lembrando a sonoridade de outras bandas nacionais como CPM 22Móbile Drink e Raimundos. Fato é devido ao flerte sonoro da música com o hardcore. Analisando a bateria em separado, Muller abraça um groove simples de 4x4 e aposenta os tons em quase toda a execução de Ruínas. Em comparação às outras composições ouvidas até aqui, parece que até Leonel deixou as cordas mais tímidas na faixa.

Com início menos acelerado, Nova Queda é uma música que traz um formato diferente de suas companheiras. Quando os vocais entram, os instrumentos continuam no groove inicial, sem fazer uma mudança drástica. Assim, a harmonia domina por mais tempo. Novamente, assim como em Subitamente, o Crappy Jazz adota o artifício-chiclete para fazer com que a música se prenda mais fácil na cabeça. Mas nela, ao invés de "ôôs", o dueto adotou um "aaaah" prolongado que faz a ponte para um verso mais agressivo.

Lembrando o forró e os ritmos nordestinos, se ouve a introdução baterística de Zero, música lançada ano passado e que assumiu o posto de cartão de visita de Véspera. Mas claro que essa sonoridade de alegria aparente se desfez para dar passagem a algo tão visceral que é possível imaginar a formação da mosh, a chamada roda punk. Como um todo, porém, Zero flerta com outros ritmos que não são em nada semelhantes ao noise rock. Alguns exemplos são o ska e o próprio forró. Mas claro, a essência noise está muito presente na faixa, personificada nos picos vocais de Yuri Muller.

É chegada a sexta faixa. Falsa Trégua é um instrumental de um pouco mais de um minuto que apresenta um som que lembra bailes de formatura, ou, como o próprio nome sugere, aquele momento de respiro. Essa pausa serviu de transição para Abismo, um som que traz pausas dramáticas em que se ouve apenas uma nota aguda do baixo.

Não Me Vê vem em seguida e mostra, logo de início, que é a típica música de noise rock. Seu instrumental ensurdecedor dá vontade de passar para a próxima música ou jogar o fone de ouvido longe. Mas ao persistir em ouvi-la, é revelado um ritmo envolvente que faz surgir o head shake, ou balanço de cabeça.


O head shake anteriormente citado se torna ainda mais intenso logo no início de Em Declínio, música que também foge um pouco da pegada noise, mas que talvez seja a de melodia mais envolvente de todo Véspera. O refrão "Yeaho, não seaproxima / yeaho ninguém me avisa" repetido duas vezes mostra que a música também possui caráter mercadológico.

Loucura ou não, a introdução de Djenga se parece muito com a harmonia presente em algumas músicas do Nickelback, grupo canadense de rock alternativo. Tal harmonia faz com que as vozes presentes na faixa, em comparação com os vocais das outras composições, sejam as mais limpas e claras de todo o disco, mesmo havendo grande pressão sonora.

Em efeitos de eco, o baixo de Silva Leonel traz Vestígios, a última faixa de Véspera. A sonoridade de alguns de seus trechos, apesar de envolta em uma atmosfera noise, pode claramente lembrar a canção Headstrong , do grupo Trapt. Apesar disso, ela também traz versos com uma jam session de qualidade, que mostra o bom entrosamento entre Leonel e Yuri Muller.

Produzido pelo próprio Crappy JazzVéspera é um disco de 11 faixas cruas que, se é possível afirmar, trazem o noise rock da gema. No entanto, as músicas possuem majoritariamente a mesma métrica e a mesma divisão, sem grandes novidades ao ouvinte.

No entanto, o disco possui dois pontos que merecem, sim, uma atenção maior. As letras, mesmo que cantadas em português, estão inseridas em um ambiente sonoro desconhecido das massas, mas a boa pronúncia e a boa mixagem fazem com que o ouvinte não tenha problema algum de compreendê-las. Esse detalhe favorece até mesmo a percepção das nuances instrumentais.

Realmente, o noise rock não é um subgênero que agrade as massas. Mas o Crappy Jazz o empregou de tal maneira que faz o ouvinte refletir ou até mesmo mudar de opinião. E se ainda assim houver dúvida do que é Véspera, a resposta é uma só: Véspera é, se não o único, um dos principais produtos nacionais do noise rock.



Crítica postada originalmente no Allmanaque

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.