Finita - Above Chaos

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O quinteto vem do interior do Rio Grande do Sul, mais expressamente, da cidade de Santa Maria. Germinado em 2010, o Finita entrou oficialmente no circuito fonográfico nacional em 2015 com Voices From Sanatorium, seu disco de estreia. Um EP e um álbum ao vivo depois, o grupo anuncia Above Chaos, o EP sucessor de Lie.


Apesar da base blues bem amaciada, uma densidade e precisão são presenciadas enquanto a sonoridade progressiva vai desenhando um ambiente sombrio e inóspito, mas não ao ponto de causar repulsa ou horror. De repente, eis que um canto vocálico gutural, soprano de Luana invade a cena proporcionando um ar gelidamente fantasmagórico. Misturando elementos do doom metal a partir de seu andamento lento, o caos se instaura quando a voz da cantora assume outra textura. Ainda com notas guturais, mas agora rasgada, azedo e tenebroso, o vocal auxilia na criação do sentimento do medo, aflição e insegurança que passam a dominar Lucifer’s Empire. Não por menos, a canção desmonta a pureza e a cristalina beleza do cristianismo frente a bondade de Cristo enquanto o traz como filho do mau. Paralelamente a isso, porém, Lucifer’s Empire é carregada de críticas sociais que pairam pela hipocrisia da fé cristã, de modo a até mesmo remontar uma passagem do livro A Civilização dos Incas em que um sacerdote inca questiona um padre ao dizer: “vocês matam aquele que veneram e nós respeitamos tudo aquilo que nos deu a vida”. Nesse sentido, a canção é como a máxima de que o que se colhe é o que se planta. Lucifer’s Empire é simplesmente uma quebra de paradigmas.


O som ácido do órgão hammond trazido pelo teclado de Guilherme entrega uma noção clássica misturada com conotações catedrálicas e até mesmo de um folclórico suspense. Nesse sentido, a grave, distorcida e cinicamente aveludada guitarra de Portela auxilia nesse espírito de que um enredo folclórico e mitológico esteja sendo germinado. Enquanto a bateria de Fabrício soa como um personagem inquietante, impulsivo, estérico e agoniante, uma dramaticidade curiosa começa a ser degustada conforme a melodia vai se desenvolvendo. Diferente de Licifer’s Empire, Luana não engana o ouvinte ao se apresentar com vocal limpo e depois trazê-lo sujo. Desde o início, e sob o idioma nativo da banda, ela entra com seu vocal azedo e rasgado entregando agressividade. Valsa Dos Exumados é mais uma canção questionadora sobre a pregação da religião, do vanglorio de Cristo, mas que ainda reflete sobre o senso de desolamento sentido pelas pessoas que não têm seus clamores atendidos pela crença. Valsa Dos Exumados é a ideia de que os mortos, na verdade, estão vivos e fazendo da Terra um local desumano e desolado.


Trazendo um doom metal que faz brilhar o caos e o medonho por meio do andamento lento calcado no intenso emprego de pedais duplos, God’s Will, como a canção mais longa de Above Chaos, presenteia o ouvinte com quebras rítmicas que soam como a execução de um ritual de sacrifício. E são nessas quebras rítmicas, que por vezes surgem na forma de pontes, que Luana refresca seu vocal limpo enquanto imprime uma interpretação dramática teatral a God’s Will, uma canção de vingança, de imponência, do desejo e da intensidade. No entanto, a canção trata, inclusive, da manipulação, mas sempre com base na visceralidade da vingança.


A inquietante e ilusória calmaria paira pelo ambiente a partir da macia e linear melodia construída pelos dedilhares adocicadamente gélidos do teclado. Curiosamente, a cadência rítmica seguida por Luana acaba recriando a mesma melodia lírica do refrão de Nuvem De Lágrimas, single de Chitãozinho & Xororó. Aurora é uma canção que, mais do que em God’s Will, a participação do vocal rasgado e de timbre intermediário de Allison tem um protagonismo que auxilia Luana na ilustração do lirismo dramático que também, tal como em God’s Will, é embebido em raiva e um senso vingativo. Como a descrição de um anjo caído, Aurora é a descoberta da falsidade e a força do ódio como motivador da vingança.


O suspense gélido é embebido em um ritmo trotante com evidente encorpamento entregue pelo baixo de Allison. A impressão do caos é inquestionável e inegável, mas ao mesmo tempo, de manipulatória impressão de normalidade a partir de um bojudo senso de torpor. Circle Of Damned é uma mórbida canção que dialoga sobre a relação da morte como uma catapulta para o imagético paraíso. Ao mesmo tempo, a música dialoga sobre a dessensibilação do indivíduo, o conservadorismo da uniformidade das pessoas e da ausência da responsabilidade em relação às consequências dos atos.


Caos, morbidez, rispidez, agressão e selvageria. Above Chaos não é apenas o duelo dicotômico entre Deus e o diabo, da bondade e da maldade. É um EP que questiona, sem medo de represálias, alguns importantes preceitos morais de sociedades conservadoras em sua cegueira religiosa.


Em meio à mistura de death metal, doom metal e metal progressivo em tons folclóricos sombrios, o EP peca somente na entrega final do som. A mixagem de Bruno Añaña não proporcionou um equilíbrio ideal entre peso e melodia, fazendo com que a sonoridade parecesse mais leve e branda do que realmente é.


E nesse aspecto, fica a cargo de Pablo a responsabilidade de, ao menos tentar reproduzir, a pressão das linhas de bateria desenhadas por Fabrício. Contudo, o novo integrante conseguiu mostrar seu potencial e sincronia com a pressão pedida pelas canções do Finita, algo que certamente será mantido nos próximos materiais do quinteto.


Fora isso, a autoprodução de Above Chaos o fez ser um produto linear e conceitual por se alicerçar na guerrilha entre hipocrisia e desolamento. Tendo a religião como norteador das cinco discussões propostas, para muitos conservadores, este é um trabalho que causa repulsa por tirar o hipnótico cristal de certas ideias pregadas aos fiéis.


Fechando o escopo técnico de Above Chaos, vem a arte de capa. Assinada por Fran Cullau, ela traz grandes e importantes aspectos que enraízam todo o contexto lírico do EP. trazendo a figura de um anjo amarrado, a obra brinca com a ideia do anjo caído enquanto questiona a beleza no sentido da pureza e perfeição. 


Lançado em 22 de novembro de 2022 de maneira independente, Above Chaos é o questionamento da fé e da manipulação religiosa. E é exatamente isso o que incita o caos: o desmantelamento da cristalização da religião e da fé como um meio de dar aos fiéis o direito à dúvida.











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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.