Ed Curva - Time For Myself

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Terceiro mês do segundo ano de intensa pandemia. Dúvidas se ela está passando ou se está aumentando seu potencial de contágio ainda são latentes, mas as evidências de que um novo normal já é parte do cotidiano das pessoas comunicam, ao menos, o vencimento de parte do medo da Covid-19. É nesse contexto que surge Time For Myself, EP de estreia do campineiro Ed Curva.


Um sabor doce e de atmosfera reconfortante como um amornar da luz do Sol em uma tarde de verão são proporcionados por meio das notas singelas do teclado de Robson Rãs e do veludo da guitarra de Ed Curva. Acompanhada pelo groove da bateria de Guilherme Miguel, que de tanta sutileza beira o acústico, a melodia exala um ecossistema emocional que contagia o ouvinte. Com swing e uma maciez típica do R&B, In The Morning é como a luz do amanhecer banhando a cama e o lençol desfeito. É como o recobrar de consciência após uma noite de sono tranquila. É como o veludo da cortina balançando enquanto o vento traz a brisa matutina reciclando o ar interno do lar. 


O ambiente está obscuro. O vento está forte e sua correnteza constante. Trovões sonorizam o céu enquanto os rasgos dos relâmpagos entregam brancura ao denso pretume formado pelas nuvens. Porém, os olhos de um homem sábio não ficam com as pupilas dilatadas e com adrenalina em excesso no sangue. Tal homem, curiosamente, se coloca como fisgado por uma espécie de romance platônico com o caos. É como os estrondos dos trovões e o rajar dos ventos funcionassem como uma melodia apaziguante para o caos que, por ventura, o próprio emocional do personagem esteja enfrentando. Em seus ouvidos, o que se ouve é veludo, é um riff de guitarra aveludado que muito bebe da estética do blues. É um teclado cujas notas oferecem um ar transcendental. É um beat que oferece movimento repleto de fluidez e maleabilidade. É como se, no fim, os olhos do homem sábio estivessem enxergando outra paisagem, uma em que a luz do Sol conquistasse uma força suficiente para garantir alguns milímetros de espaço entre as nuvens de maneira a conseguir liberar alguns feixes de luminosidade de tom apaziguante rompendo bruscamente o tenso caos bucólico. Eis A Peaceful Anger.


O swing e a maciez entram juntos. Contudo, o que se ouve em primeiro momento é singelo batucar do tambor que logo é acompanhado pelo adocicado sonar do teclado e pelo preciso compasso da bateria. É verdade que a essência da melodia traz uma grande noção melancólico-nostálgica, mas ela vem acompanhada também de resquícios de uma esperança de cunho inteiramente motivacional. Não por acaso, a guitarra vem com um riff que sonoriza didaticamente a textura daquilo que é macio e funciona como um amigo que oferece a mão nos momentos difíceis. No que tange a paisagem, ela traz um céu aberto, limpo e cujo visual do Sol poente é repleto de revoadas de pássaros das mais variadas espécies entregando beleza na reflexão das lágrimas saídas de um olhar de dor e sofrimento. Second Chances é uma canção que, inclusive, mistura ritmos como o R&B e o blues com raspas de sertanejo em que o baixo de Paulo Freitas se mistura homogeneamente com o veludo resplandecente e tátil que exala da melodia.


O swingar macio da guitarra já desenha um quadro com leveza de movimento. Ao mesmo tempo, a melodia que se constrói com os primeiros sonares recria aquela sonoridade criada pelo banjo de Kyle Cook em Unwell, single do Matchbox Twenty. Com doçura, o Fender Rhodes vai tomando espaço entregando notas florais e uma maciez exuberante. Misturando sutilmente elementos do R&B e do soul, História de Fé é como se o ouvinte estivesse pairando acima das nuvens onde apenas o céu azul e a luz do Sol pudessem ser vistos. Uma paisagem apaziguadora e ao mesmo tempo reenergizante. Um abraço de esperança, um cochichar de conforto, um toque de tranquilidade. É difícil não se comover com tamanha delicadeza.


Não é apenas a relação com o tempo. Não é apenas a relação com as experiências da vida. Time For Myself é um EP em que existe um mergulho profundo nas emoções, no sentir e no se deixar comover. É um trabalho em que tanto o ouvinte quanto o corpo técnico de sua produção consegue alçar voos a caminho da tranquilidade e da paz de espírito.


O curioso nesse aspecto é notar a trajetória que Ed Curva adotou entre os enredos das faixas. Afinal, o despertar do EP é também uma metáfora ao despertar do dia, momento em que todos os aromas sugerem boas vibrações para o novo período. Porém, passado essa fase de positividade, a rotina suga a energia e o que se tem é uma sensação mista de raiva e ódio sem fundamento ou propósito, mas genuína.


Com a chegada do final do dia, a nostalgia e a melancolia passam a dominar o estado de espírito e a vontade de fazer diferente começa a prevalecer nos planos de um futuro quase imediato. É então que, colocando a cabeça sob o travesseiro e prestes a adormecer para receber de braços abertos mais uma oportunidade, a fé de que o amanhã será melhor do que o hoje se estabelece.


É por isso que Time For Myself é um trabalho sensível que captura as emoções de cada momento do espaço tempo. É um trabalho que, no fim, oferece alento, conforto e proteção. Tais constatações foram possíveis, também, graças à sensibilidade de Jeff Arantes, quem construiu uma finalização sonora equalizada no que tange a mixagem e uma liberdade criativa, sensitiva e até mesmo visceral no quesito da produção.


No que tange o visual, a arte de capa também ilustra bem essa viagem emocional que é o EP. Feita por Lorenzo D'Alessandro, ela oferece um mosaico de quadrinhos em que cada um representa um momento do dia. A principal leitura que ela traz é que o Extended Play de fato simboliza a convivência de Ed Curva com o tempo. De outro lado, o tom amarelo pastel adotado para cobrir a majoritária totalidade da obra visual jorra sentimentos de paz e tranquilidade, objetivos principais do campineiro com o encerramento do trabalho.


Lançado em 21 de fevereiro de 2022 de maneira independente, Time For Myself é o conforto, é o caos, é a esperança e é a fé. Um EP cheio de sensibilidade e senso de humanidade que representa as emoções comuns de um indivíduo que simplesmente vive a vida.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.