NOTA DO CRÍTICO
Faltando apenas algumas semanas para completar um ano do lançamento de Áspero, Dramón surpreende ao anunciar seu novo trabalho. Intitulado Performar Selvagem, o EP vem com uma proposta de roupagem sonora diferenciada em relação ao produto de 2021.
O chiado é crescente. Sons agudos se pronunciam como se obtidos através dos metais. Certa sensação de desconforto começa a ser sentida ao passo que um ambiente sinistro passa a ser desenhado. Sombrio, chão repleto de galhos secos. Névoa por todos os lados. Vultos. Escuridão. Terror Fantasma promove uma imersão na roupagem lo-fi e oferece um amplo cardápio sensitivo em que o desamparo, a insegurança e o medo tomam conta do ouvinte de maneira paulatina. Os beats inseridos no primeiro verso servem para dar uma noção de movimento e suavidade quanto ao desconhecido, mas não protege o emocional daquilo que é posto como imprevisível. Um instrumental experimental.
A sonoridade grave e dedilhada do baixo surge acompanhada de batidas ocas promovidas pelo bumbo da bateria de Gabriel Barbosa. Eis que uma sonoridade gélida, espiritual e quase gutural começa a abranger o ambiente com braços largos. A racionalidade em Corpo Cego é instaurada graças ao chimbal na contagem do tempo e ao próprio groove do som do baixo trazido pelo sintetizador de Dramón. Linear, a canção oferece um estranho senso de segurança perante o invisível, o tátil, o onipresente. Corpo Cego pode ser considerado um instrumental post-rock no que tange a experimentação de texturas, algo que é amplificado, inclusive, pela criação mental de cenografias astrais e até mesmo enigmáticas.
Desconfortável, tenso, amedrontador. Tudo o que gera insegurança e sentimentos de desproteção e vulnerabilidade causam certo temor, o que é obtido pela sonoridade desconcertante presente na introdução. Enquanto o bumbo plaina por um terreno opaco e plasmático, o ouvinte se percebe levitando em um ar denso e tátil como um isolador sonoro. Conforme a linearidade melódica nauseante vai sendo rompida por um áspero e grave sonar enigmático, o chimbal vai trazendo uma textura real como um grafiato que rompe a lisura de uma parede monocromática. [existir] = Performar Selvagem é como se sentir em um ambiente uterino, antes da vida. Cada ruído e cada som que se evidencia é como a sonorização da concepção de partes do corpo, como se fosse a construção da consciência de um ser ainda inanimado e disforme. Para uns, a faixa pode ser como uma experiência de regressão completamente incômoda. Para outros, pode ser a explicação do todo e a chegada ao cerne do autoconhecimento.
Sons enigmáticos fluem para uma textura súbita e de um estridente entorpecido. Contudo, um groove macio e hipnótico cria certo movimento perante a melodia ainda em construção que suaviza o embrionário pânico que promete se instaurar. É então que um beat acelerado, linear e energético se une ao nauseante e tenebroso som quase gutural que se evidencia de maneira repentina e bem distribuída pela melodia de Revólver. Curiosamente, em seu minuto final de execução acontece a construção de uma ambiência regida por um groove amaciado e encorpado no baixo que cria um ambiente contagiante a partir de uma sonoridade mais digestível.
Experiência. Essa é a palavra que define Performar Selvagem. A experiência de texturas, a experiência do sentir, a experiência do experimentar, a experiência da aventura pelo desconhecido. Afinal, Dramón mergulhou intensamente na construção de faixas instrumentais que possibilitassem a percepção de diferentes ambientes regidos por diferentes energias proporcionadas por diferentes sonares.
Muito disso se deve à roupagem rítmica do lo-fi, em que sons não rotuláveis e chiados se unem propositalmente na criação de uma roupagem sonora experimental que abre a porta ao infinito das degustações sensitivas. Há medo, insegurança e torpor. Há tensão, desproteção e vulnerabilidade.
Contudo, a faixa [existir] = Performar Selvagem talvez seja a canção de Performar Selvagem com um cardápio sensitivo cuja experiência é a mais enigmática. Afinal ela pode oferecer as antíteses do conforto e do desconforto. Pode oferecer o autoconhecimento e um embaralhar incômodo de emoções. Pode trazer o amor e o medo na mesma medida.
A arte de capa é o elemento que abraça todo o contexto propriamente artístico do EP. Feita por Wilmer Murillo, ela estuda a significância da palavra ‘performar. Performar é atuar, é viver, é existir. E tal ato é regido por uma grande gama de incertezas, imperfeições e imprevisibilidades. Viver e existir dependem unicamente do destino, um elemento construído a partir das atitudes tomadas. E o destino é, por si só, imprevisível. É essa a representação nas linhas brancas, tortas e trêmulas que rompem a imensidão azul que funciona como espelho ofuscante da natureza, que aqui simboliza puramente a essência da vida.
Lançado em 04 de março de 2022 de maneira independente, Performar Selvagem é a experiência do sentir, o enfrentamento dos medos e o diálogo com as camadas mais íntimas da identidade do indivíduo. É o caminho da existência, é o aprendizado do viver.