NOTA DO CRÍTICO
Como mais um passo do processo de gestação de Two Dreams, o quinteto filadelfiano Circa Survive anuncia o EP que corresponde aos últimos três meses de encubação do novo e aguardado álbum do conjunto. Intitulado A Dream About Death, o EP é a sequência de A Dream About Love e corresponde ao 10º lançamento de estúdio da banda.
Um som de estética eletrônica e ondulante é ouvido. Como a luz do Sol dando o ar da graça de maneira gradativa ao amanhecer, uma sonoridade crepuscular permite que o beat eletrônico de Stephen Clifford vá desenhando os caminhos guiados pelo baixo estridente e grave de Nick Beard. Eis então que uma voz ácida e agridoce se desvencilha das sombras rochosas e se evidencia. É Anthony Green imprimindo, com seu timbre, uma estética indie que, curiosamente, recria a ambiência de um EUA dos anos 70. Imerso em uma espécie de mistura de torpor e melancolia, a textura melódica ainda traz referências ao post-rock e, mesmo, o post-punk. Dramática e de brisas sombrias, Electric Moose é uma canção de caráter depressivo que trata do autoconhecimento e da noção, no enredo, de que ninguém dá atenção ao que o personagem principal está sentindo. A ignorância e a alienação dos sentimentos como premissa para descobertas internas profundas e depreciativas.
As texturas sonoras seguem como um conjunto de incógnitas. Indecifráveis. Penetrantes. Inquietantes. O vocal afinado e áspero de Green funciona, aqui, como um curioso alento que oferece um conforto entorpecido e momentâneo. Mesmo em momentos de crescente melódica, a canção não consegue se desvencilhar do teor mórbido que a consome. De lirismo metafórico, Curitiba pode se tratar tanto dos altos e baixos da vida e como cada um lida com esses eventos, como a relação ferida com o sentimento da esperança.
De groove repicado e quebrado, Clifford acaba por introduzir pinceladas de um movimento mais solto e, portanto, livre à melodia em formação. O som que se segue, o qual se assemelha com uma máquina de cortar cabelo, insere na canção uma ambiência inclinada para a estética new wave de maneira a soar nauseante. Com notas pontuais de folk, Late Nap é uma canção de uma alegria embrionária que ainda não encontrou sua maneira de ser extravasada. Ao mesmo tempo, ela traz um caráter nostálgico em seu lirismo por tratar do processo de crescimento e amadurecimento. Cheia de groove e uma roupagem que evolui para algo transcendental de maneira a imergir na temática indie, ela traz um veludo reconfortante a partir dos sobrevoos do riff de Colin Frangicetto.
Existe um suspense embriagante e hipnotizante na introdução regida pelo beat. É como se o ouvinte estivesse acordando após ter sido dopado com alguma espécie de droga entorpecente. Sua visão está turva e seus movimentos restritos. Há certa insegurança e receio correndo pelas veias, mas a vontade de superar esses incômodos impostos é maior. Eis que o baixo de riff distorcido e salgado representa esse anseio pela retomada de consciência de maneira a evidenciar influências da sonoridade de nomes como The White Stripes e Arctic Monkeys. Discount On Psychic Readings é uma canção que conta a história de alguém que preza pela independência e pela liberdade da tomada de decisão. Alguém que não segue os conselhos dos outros por buscar o próprio caminho. Uma pessoa que, talvez por dentro, esteja ferida e que, por isso, busque certa noção de independência que satisfaça suas necessidades de autocontrole.
Nauseante, embriagante e entorpecidamente reconfortante. Apesar da estrutura fora do comum, a melodia ainda consegue seguir uma noção de linearidade enquanto o vocal entra em um devaneio sobre as sensações de conforto inigualáveis proporcionadas pelo uso de entorpecentes. A fuga da realidade, o esquecimento dos problemas, o breve sentir de paz interior. É disso que se trata Die On The West Coast.
A melodia formada pelas guitarras de Frangicetto e Brendan Ekstrom desenha uma sensação de conforto, maciez e aconchego até então inexperienciada em A Dream About Death. Ao mesmo tempo, a sonoridade que acompanha as guitarras proporciona uma ambiência de sonho ou, ainda, de uma realidade vivida no subconsciente do personagem lírico. Visceral, Buzzhenge é a canção mais mórbida do EP por contar a história de alguém que escolheu terminar sua trajetória terrena antes do previsto. Por outro lado, porém, ela é uma canção que ensina a valorizar a vida a partir de sua compreensão como um evento cósmico regido pela fluidez da incerteza.
Melancólico, nostálgico e entorpecido. A Dream About Death é um EP que não esconde seu viés mórbido exalado a partir de cada sonar dos instrumentos. Trazendo várias interpretações da morte e do relacionamento para com o encerramento da vida corpórea são temas que abrilhantam as seis faixas do novo Extended Play do Circa Survive.
E como abordagem rítmica para um enredo de dor, sofrimento e tensão, o quinteto não teria feito melhor escolha se não imergisse nos gêneros musicais adotados como trilha sonora das histórias contadas. Post-rock, post-punk, folk, indie e new wave não são necessariamente estilos que se relacionam a todo o momento, mas, juntos, eles proporcionam texturas variadas que casam bem com a proposta sofrida do EP.
Uma coisa que impressiona em A Dream About Death, por outro lado, é a sensibilidade de Will Yip, quem conseguiu identificar, capturar, sintetizar e condensar todas as emoções dos integrantes do grupo de maneira a fazer com que elas transpassassem os limites sonoros e fossem sentidas, inclusive, por quem ouve cada uma das músicas do EP.
Lançado em 04 de fevereiro de 2022 via Rise Records, A Dream About Death é um EP indiscutivelmente mórbido, mas que se cavado de maneira a atingir o material parental, se percebe que é um trabalho que defende a vida e discute a fraqueza emocional do ser humano.