Benjamim Saga - No Rio dos Siris

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Idealizado a partir de uma conversa com um amigo que, por sinal, é doutor em história. Por conta disso ou não, referências à história do Brasil são percebidas logo na sua nomenclatura ao obter a união das palavras em tupi ‘siri’ ‘’y’ e ‘pe’. Eis então que, pelo projeto Benjamim Saga, nasce No Rio dos Siris, EP de estreia da carreira solo de Dejair Benjamim.


Dedilhados acelerados. Um sobe e desce de escalas. A sonoridade criada faz com que o ouvinte acesse seu respectivo banco de dados e relembre um misto de música árabe com mexicana e um flerte de sertaneja. Tudo isso graças à viola de Deo Miranda que, desde o início, sugere que o EP será de uma complexidade e competência singulares. De repente, sons de chuva proporcionados por elementos percussivos servem de ponte entre a introdução e o primeiro verso. Mas não só isso. Serve também como divisória entre uma melodia simplista e minimalista para uma que é regada em punch e calcada em uma musicalidade unicamente original por fundir a levada do thrash, a afinação do heavy metal e a melodia do hard rock. Quando Dejair Benjamim finalmente entra em cena com seu vocal rasgado e agudo em uma típica métrica thrash, um lirismo sobre a influência da canonização nos povos nativos se faz latente em Serigy. A desmoralização e a desconstrução de uma fé julgada impura imputam questionamentos sobre pertencimento, mas ao mesmo tempo um orgulho agudo sobre a origem da civilização aborígene.


Uma levada rápida e repicada proferida pela bateria de Marcos Cupertino dá passagem para um baixo de frase marcantemente groovada. O manguebeat se mostra como o gênero que domina a base melódica de A Palavra e a Espada, uma faixa que exala uma energia sinistra a partir do misto de frases acústicas com outras regadas com agressão e rispidez entregues por meio da guitarra de riffs distorcidos. Essa atmosfera, que até mesmo beira o caos, relata de forma estranhamente lúdica as intenções dos colonos para com os povos residentes na terra recém-descoberta. Contendo um intercalar de vocais limpos e imersos na escola do screamo, a faixa ainda conta com um solo de guitarra que, executado pelas mãos de Rafael Moraes, é rápido, cheio de hammer on e pull off. 


Agressão e peso estão presentes aqui. No entanto, diferente das faixas anteriores, aqui elementos do thrash e o metal podem ser ouvidos tanto separadamente quanto como um produto único. Ação e reação é apenas uma parte do que o lirismo de Pacto de Sangue trata. Afinal, ao perfurar mais a fundo o iceberg, nota-se uma união temática com aquela instaurada em A Palavra e a Espada, pois muito há da descrição dos anseios dos descobridores sobre a terra virgem.


A guitarra de riff áspero, sobrevoos rápidos e afinação agridoce é o que rege o protagonismo melódico da introdução. Quando o primeiro verso se instaura, uma ambiência sombria passa a caminhar livremente pela atmosfera. Curiosamente, O Retorno é, de todo No Rio dos Siris, a faixa mais melódica. Até porque, o solo é arquitetado de maneira em que a viola e a guitarra convivem harmonicamente em um mesmo ambiente sem causar dicotomias sonoras. 


Pedal duplo, guitarras de riffs amplamente distorcidos, baixo de linhas amplamente groovadas e regionalismo. Esse é o resumo do que é No Rio dos Siris no que se refere ao aspecto melódico. Quando o assunto é o lirismo, outra feliz surpresa recebe o ouvinte. Afinal, todas elas se unem em uma trajetória narrativa sobre todo o processo de descobrimento, catequização, extração de recursos naturais e ocupação do estado de Sergipe pelos colonizadores franceses. 


É verdade que, para muitos, história não é uma disciplina que desperta interesse unicamente puro regido pela curiosidade. Aqui, portanto, mora o grande feito de Dejair Benjamim: criar um conteúdo educativamente lúdico a partir da música e unindo diferentes vertentes do universo do rock. 


Essa sonoridade levemente miscigenada, mas que muito se assemelha àquela criada e exercida pelo Metallica, foi muito bem trabalhada, lapidada e finalizada pela mixagem de Marcos Franco. Por meio dela, mesmo que o som soe agressivo e até mesmo bruto, resquícios de melodia e veludo podem ser encontrados no produto final. Afinal, a equalização foi executada de maneira a não deixar que nenhum elemento destoasse da conjuntura a ponto de causar desconforto.


Por fim, mas não menos importante, vem a arte de capa, aquele campo que salta aos olhos e tem o papel de atrair o ouvinte ao EP pelo fator visual. Feita por Carlos Trino, ela conta perfeitamente do que se trata o trabalho: a colonização e a batalha entre colonizadores e nativos. É curioso como Trino brinca com aquela falsa ideia de que os nativos são povos endemoniados e os descobridores são os ‘deuses’ a partir da utilização de cores como vermelho e azul. Afinal, esses tons por si só comunicam o bem  e o mau.


Lançado em 14 de maio de 2021 via Preá Records, No Rio dos Siris é um EP educativamente metalizado. Pesado, agressivo e de suspiros rápidos, ele encanta primeiro pela melodia e o lirismo, de maneira suave e fluida, acaba entretendo e educando ao mesmo tempo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.